Uma viagem pelo mundo da música
Os Bela Nafa abriram a programação do Auditório 1.º de Maio, trazendo a tradição mandida à «terra» da solidariedade, da camaradagem e da amizade fraterna. Um espectáculo onde os músicos apregoaram a paz e convidaram o público a dar um pé de dança ao som da kora, instrumento africano, a que se juntaram outros, mais modernos, fazendo-nos viajar por climas quentes, como o Senagal, a Gâmbia, a Costa do Marfim, o Gana ou a Guiné-Conacri. «Eu quero ver toda gente a dançar», disse, a abrir, o vocalista José Braima Galissá. Uma «ordem» seguida por largas centenas de pessoas, que contagiaram muitas outras, transformando o recinto numa gigantesca «onda» de alegria.
Os Bela Nafa foram, por isso, uma das grandes surpresas deste espaço, com o melhor da world music. «Nunca nos vamos esquecer deste momento», agradeceu, com um «muito obrigado» à organização da Festa. A última música foi, no entanto, dedicada ao público, que dançou até à última «nota».
De África partimos, depois, para os EUA, com David Rovics, a solo, a brindar-nos com um espectáculo onde os valores da justiça e da paz foram bandeiras de luta e de denúncia à política de agressão externa desenvolvida pelo seu país contra os povos de todo o mundo, nomeadamente da Palestina, que «não estão sozinhos», e que sempre contaram com o apoio dos comunistas e de muitos democratas portugueses. Nas suas letras, o cantor e compositor abordou as lutas travadas na Grécia, fez referência aos ataques perpetuados contra a Síria e contou a história de como os EUA invadiram e roubaram o povo mexicano, na sua «política» de expansão assassina, que não mudou ao longo dos anos. Músicas de esperança, de amor e de necessidade de uma revolução de consciências, cada vez mais necessária.
A viagem pela música, neste palco, prosseguiu com Susana Santos Silva Quinteto, formação composta por trompete, guitarra, contrabaixo, bateria e saxofone e que apresentou um excelente reportório musical entre o erudito, o jazz e a música improvisada e experimental. Ao Avante! deram a conhecer o seu último trabalho: «Devil’s Dress», do melhor que se faz em Portugal, e que vai conquistando outros países.
A noite terminou, em alta «velocidade», com a beleza, musical, de Ritinha Lobo, num concerto onde foram entrosados vários estilos musicais, de África ao Brasil, com passagem, como não podia deixar de ser, pela Ilha do Sal, que viu nascer este fenómeno. O momento terminou com os tema «Sodade», de Cesária Évora. «Obrigada. Até à próxima», foram as palavras de despedida, que fizeram entender que a cantora gostou tanto do público como o público gostou da actuação, marcada pelas palmas constantes e por momentos mágicos de dança. Um verdadeiro espectáculo, que só poderia acontecer num espaço como esta Festa.
O melhor entre todos os estilos
No sábado, a programação do Auditório 1.º de Maio abriu da melhor maneira com Anxo Lorenzo a encantar-nos com o som que fluia, intensamente, da sua gaita de foles, acompanhado por violinos, cavaquinhos e outros instrumentos de percussão, com especial incidência nas «palmas», constantes, do público, que foram correspondidas com «é um prazer estar na Festa do Avante!» e «vocês são fantásticos». Uma fusão de ritmos, onde se mistura o rock, o pop, o jazz, o flamenco, o chill-out, o hip-hop e a música electrónica, levando-nos, num espaço de apenas uma hora, à Irlanda, à Escócia, à Galiza e também a Portugal, com uma magnífica «chula».
Seguiu-se Danças Ocultas que apresentaram o seu mais recente álbum, «Alento», uma compilação dos melhores momentos do grupo de quatro concertinas, compostos por Artur Fernandes, Filipe Cal, Filipe Ricardo e Francisco Miguel. Durante a actuação, cada um dos músicos marcava o seu ritmo, com solos deliciosos e imponentes, dando o melhor de si, a cada um de nós. Um concerto marcado pela «folia», pela «dança» e pelo «sorriso» de todos.
Mosto foi a surpresa que se seguiu e que nos brindou com recriações da música popular alentejana, mas também com composições originais de autores. Um estilo de música único, como o é a Festa do Avante!.
Do Alentejo rumamos para a «bella Itália», com os Gattamolesta a apresentar o melhor que se faz no mundo em termos de folk, e que não deixou ninguém indiferente e fez dançar sem limites. Sonoridades, vivas e pulsantes, que percorreram os Balcãs e a música cigana, e que apregoaram a «liberdade», com o trompete a fazer vibrar a sala e a bateria, o contrabaixo e o acordeão a fazer «explodir» todo o ambiente envolvente.
De volta a Portugal, os Dead Combo e a Royal Orquestra das Caveiras fizeram-nos viajar ao mundo imaginário do cinema, com cada momento a transpor-nos para o fantástico e para uma história que cada um de nós, público, compõe, conforme os seus sonhos.
Tim e Companheiros de Aventura levaram até ao 1.º de Maio um espectáculo intimista, apresentando um reportório variado, com temas originais e versões de outros compositores. «Voar» e «Por quem não esqueci», foram alguns dos temas que fizeram o público cantar, em uníssono. Músicas de todos os tempos que fizeram lotar, uma vez mais, o Auditório 1.º de Maio.
Depois de Maria Anadon, uma das vozes mais talentosas do jazz cantado em português, subiu ao palcoSérgio Godinho, que regressou à Festa para comemorar os 40 anos sobre a edição do seu primeiro registo discográfico, e apresentar, em primeira mão, temas do seu novo trabalho discográfico. «Arranja-me um emprego», «É tão bom», «Só neste país», «Com um brilhosinho nos olhos», «O primeiro dia», «Liberdade», «A Democracia», foram alguns dos temas que fizerem história e que continuam a ter cada vez mais sentido. «É, de facto, uma experiência renovada estar aqui», afirmou, a dada altura, o cantor, nitidamente agradecido com o carinho do público.
Quase a terminar aquele dia, repleto de surpresas, do melhor que se faz no mundo em termos musicais, actuaram os Budda Power Blues, um poderoso trio de guitarra, bateria e baixo, acompanhado por voz, que chegou aos píncaros da improvisação.
Os LUME (Lisbon Underground Music Ensemble), uma «orquestra» de de 15 músicos, encerraram aquele dia, interpretando temas que percorreram vários géneros musicais, do jazz à música clássica, com passagem pelo rock e ao pop. A última foi dedicada a Jorge Lima Barreto, músico e musicólogo, criador, ao lado de Víctor Rua, do grupo Telectu, «uma pessoa irreverente», que «esteve sempre ligado a esta Festa».
Espectáculos sempre empolgantes
O terceiro dia no Auditório 1.º de Maio não poderia começar de outra maneira, a melhor, com o som dos Pé na Terra, que nos «ofereceram» o melhor da música tradicional portuguesa, onde a poesia e a dança, numa cumplicidade com o público, geraram uma energia positiva, que ultrapassou, mais uma vez, todas as expectativas. «É muito bom ver tanta gente cá de cima», salientou a vocalista, iniciando o espectáculo a «dançar uma valsa», passando, depois, para outros estilos, dos mais calmos aos mais acelerados. «Quero mais é sentir», «Escadas de luar e «Balada Sino», numa homenagem a Zeca Afonso, foram alguns dos temas interpretados.
Cristina Castro (voz, acordeão e percussões), Adérito Pinto (baixo e percurssões), Hélio Ribeiro (guitarra, braguesa, voz e percurssões), Ricardo Coelho (sopro, gaita de foles, gralha, adufe) e Tiago Soares (bateria, adufe, tar, bilha, sanzula) proporcionaram, por isso, uma festa dentro da Festa.
A tarde prosseguiu com Júlio Resende (piano), acompanhado de Matt Penman (contrabaixo), Perico Sambeat (safofone) e Joel Silva (bateria), que deliciaram tudo e todos com o seu «cool» jazz, onde a improvisação de cada instrumento, chegando a atingir o audaz, faz parte de um processo de criação, compondo, em conjunto, um novo universo musical.
Seguiram-se os alentejanos Virgem Suta que, em português, tocaram temas como «Ressaca», «Tomo conta desta casa», «Linhas Cruzadas», «Vóvó Joaquina» e «Danças de balcão». Um espectáculo empolgante, que vez vibrar, do melhor que se faz em Portugal, em termos de rock/pop alternativo. Se o público já os conhecia, agora ficaram fãs da sua boa disposição e alegria em palco.
O Auditório 1.º de Maio fechou a sua programação com uma fabulosa «gala» de fado, representada por novos valores deste estilo musical tão português e cada vez mais apreciado por todas as gerações, como ali se presenciou. O primeiro a subir ao palco, logo a seguir ao comício de encerramento, foi Marco Rodrigues, uma certeza do fado cantado, que ao Avante! levou uma «fusão» entre o fado clássico e o mais moderno. «O homem do Saldanha», tema já interpretado ao lado de Carlos do Carmo com a letra de Boss AC, e «A rima mais bonita» foram canções, entre muitas outras, que falaram de «amor», de «dor» e de «coragem».
«Bem vindos a esta noite de amor», disse, mais à frente no tempo, Luísa Rocha, a segunda grande voz do fado, de grande maturidade artística, que subiu ao palco do Auditório 1.º de Maio. «Hoje estou a ver, por aqui, grandes fadistas», comentou, agradecendo a participação do público que cantou, ao lado da fadista, músicas como «Dou-te um beijo (e fujo de ti)» e «Por uma noite de amor». Terminou, em grande, com o «Fado de Lisboa».
A última actuação esteve a cargo de Camané, que ali levou o seu último trabalho: «Do amor e dos dias», um conjunto de fados tradicionais com letras de grandes poetas ligados ao fado. «Sei de um rio», foi a música que encerrou o momento, antecedido, por exemplo, por «Sonhar durante o fado» e «Lembra-te sempre de mim».