A Festa abre musicalmente esplendorosa

A Festa abre musicalmente esplendorosa

Manuel Augusto Araújo

Como em anos anteriores o primeiro dia da Festa do Avante! é dedicado à música sinfónica, coisa notável que já é uma tradição, mas que até por isso deveria ter maior repercussão nos meios da comunicação social. Em Portugal, mesmo no mundo, nada é comparável.

Este ano a Sagração da Primavera de Stravinsky foi a música em destaque, assinalando os cem anos da sua estreia em Paris que causou enorme turbulência nos meios musicais e entre o público que assistiu, entre o atónito e o maravilhado, à exibição de Nijinsky, o lendário bailarino dos não menos lendários Ballets Russes do visionário empresário Sergey Diagheliev.

Causou enorme escândalo e não menor admiração essa partitura do jovem compositor Igor Stravinsky que escreve talvez a música em que, na sua obra, mais se evidencia o que Adorno classificaria de eclectismo irracional que, segundo ele, caracterizava a música do compositor russo.

A Sagração da Primavera é obra de execução complexa e exigente. Os acordes repetitivos inseridos em inesperadas variações rítmicas, a rudeza de muitos elementos musicais contrastando com o lirismo de outros, acentuam o paganismo da ideia nuclear, o sacrifício de uma jovem ao deus da Primavera, o pulsar da natureza e das as suas energias telúricas, que, na coreografia de Nijinsky, tinha referências explícitas ao nascimento, à procriação, aos impulsos sexuais primários, que condimentaram o escândalo sucedido na estreia dessa obra em 1923, no Teatro dos Campos Elísios sob a direcção de Pierre Monteux, sucesso que a Festa do Avante! decidiu em boa hora celebrar.

A sua complexidade e o exigir a formação de uma orquestra que ultrapassa a normalidade afastou, durante algum tempo, essa obra dos circuitos dos concertos e mesmo da sua gravação discográfica. Hoje além de se poder considerar quase académica a gravação histórica de Pierre Monteux ou a do próprio Stravinsky dirigindo a Orquestra Sinfónica de Columbia, temos gravações excelentes por Pierre Boulez, com a Orquestra Sinfónica de Cleveland, de Valery Gergiev, com a Orquestra de Kirov e muito recentemente uma óptima e inesperada, interpretação dirigida por Simon Rattle e a Orquestra Sinfónica de Berlim.

A interpretação que se ouviu na Festa do Avante! dirigida por Vasco Azevedo e a Orquestra Sinfonieta de Lisboa, foi uma boa interpretação que deu uma imagem fiel e bem representativa da textura musical da Sagração da Primavera a soar esplendorosa no recinto do palco principal.

Domingos Bomtempo foi o primeiro compositor português a escrever sinfonias. Não é essa a área, só escreveu duas sinfonias, que o distinguiu musicalmente. Sendo, nas vozes abalizadas de Lopes-Graça e Tomás Borba, um excelente pianista, é nesse instrumento que a sua obra mais incide, sem correr grandes riscos inovadores. As suas sinfonias são, na época já muito datadas, mais próximas de um Haydn das primeiras sinfonias. Haydn que escreveu mais de cem sinfonias e muito aprendeu com os seus geniais discípulos Mozart e Beethoven. Quando Bomtempo escreve esta sinfonia já Beethoven tinha escrito a 3ª Sinfonia, estreada seis anos antes desta primeira de Bomtempo. Quando a sua segunda foi escrita, Beethoven já era o genial mestre da forma sinfónica e tinha feito ouvir a sua extraordinária sexta. Ouçam-na dirigida por Carlos Kleiber, para se maravilharem. Nunca deixa de ser estranho que sendo Bomtempo, um bom executante, um homem de ideias políticas do mais avançado na sua época, um pedagogo de referência em Portugal, fundador e director do Conservatório da Música, um dos reformadores da cultura portuguesa, seja tão conservador a escrever as suas sinfonias executadas com precisão no palco principal da Festa do Avante! onde se fez ouvir o primeiro andamento da 1ª Sinfonia.

Dadas as características específicas da Festa e da prioridade justificadíssima de ser a Sagração da Primavera o ponto forte deste concerto, compreende-se a intenção de confrontar dois contemporâneos, Bomtempo e Beethoven, e de Beethoven se escolher o primeiro andamento do Concerto n.º 5 para piano e orquestra. Arrisque-se afirmar que é sobretudo nesse concerto, no seu todo e particularmente no primeiro andamento, o que se ouviu na Festa do Avante!, que o confronto entre o instrumento solista e a orquestra é onde mais se exige do solista, das capacidades virtuosísticas do solista, introduzindo uma tendência que se acentuaria no romantismo.

Não se poderia ter escolhido para tão vasto auditório, melhor intérprete nacional que Pedro Burmester que, aliando o virtuosismo ao rigor, nos transmitiu o protagonismo que Beethoven exige ao piano solista sem resvalar para os maneirismos a que muitos excelentes pianistas não resistem perante escrita tão apelativa.

Registe-se a terminar as óptimas notas insertas no Programa da Festa que muito contribuem não só para a compreensão das obras mas também para despertar e incentivar o gosto pela música sinfónica.

Mais uma vez a Festa do Avante! evidencia, como sempre o fez de diversas formas, o constante interesse e intervenção cultural do Partido Comunista Português no ano em que se celebra o Centenário de Álvaro Cunhal, um homem de invulgar cultura, visão política e histórica como só raras figuras da nossa história, mesmo da história mundial, o foram.




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