Resistência e luta em discurso directo
O Espaço Internacional foi, novamente, o lugar certo para debater alguns dos temas mais candentes da actualidade, dando voz à resistência e à luta dos trabalhadores e dos povos.
O sucesso da fórmula (debates ao ar livre e abertos às questões e contributos de todos) fica provado pela adesão massiva dos visitantes da Festa do Avante!. Difícil era encontrar um lugar vago e, por isso, em todos os três debates ocorridos no Palco Solidariedade, muitos foram obrigados a encostar-se aos painéis, aos muretes e às arvores da praça central e dali assistirem à exposição e discussão de ideias.
Atenções centradas na América Latina
O primeiro dos três fóruns foi dedicado à resistência e luta revolucionária no subcontinente americano, moderado por Luís Carapinha, da Secção Internacional, que depois de introduzir o tema passou a palavra a José Reinaldo Carvalho, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
«A América Latina está a viver um momento histórico, um novo ciclo depois de décadas de ditaduras militares fascistas ao serviço do imperialismo, e de governos civis neoliberais que colocaram em causa a soberania dos respectivos países e atacaram violentamente os direitos dos trabalhadores», começou por dizer o vice-presidente do PC do B.
O actual período resulta da resistência empreendida pelo movimento operário e popular face às investidas do capital e recolheu importantes ensinamentos da heróica resistência de Cuba socialista, conduta patriótica e internacionalista que inspirou os processos que, primeiro na Venezuela e depois noutros países da América Latina – Bolívia, Equador, Nicarágua –, constituem um campo regional de afrontamento ao imperialismo e defesa da soberania nacional, referiu.
«Tudo isto já permitiu vitórias», acrescentou Reinaldo Carvalho, dando como exemplos a derrota da ALCA e da dominação económica imperialista, os avanços na integração regional, o regresso de Cuba às instituições após décadas de isolamento, ou a valorização do trabalho e dos trabalhadores e da luta de massas como motor dos processos em curso.
No mesmo sentido, Ruben Alves, do Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil, recordou os importantes triunfos ocorrido no campo eleitoral, nomeadamente a eleição, pela primeira vez em 500 anos, de um operário e dirigente sindical para a presidência do Brasil, e, caso Dilma Rousseff vença as próximas eleições, de uma mulher para o mesmo cargo.
Para o dirigente nacional do PT é ainda de capital importância o fortalecimento das forças progressistas para contrariar a campanha da grande burguesia, a qual tem como objectivo captar para o seu lado os sectores políticos e sociais moderados e vacilantes.
Desde 2005, o imperialismo norte-americano procura recuperar posições reagindo ao facto de a América Latina não ser mais o seu «quintal das traseiras», mesmo considerando a diversidade das experiências revolucionárias e das mudanças democráticas empreendidas, notou, por seu lado, Carlos Lozano, do Comité Executivo do Partido Comunista Colombiano (PCC).
Num contexto contra-revolucionário e ainda que procuremos uma solução pacífica e justa para os conflitos, «não é de excluir o direito dos povos à insurreição armada», como acontece na Colômbia, cujo regime persegue os trabalhadores e actua ao serviço da oligarquia nacional e internacional, mantendo também sob ameaça de intervenção todo o subcontinente.
«É no fortalecimento dos sectores democráticos e de esquerda e não na capitulação ou nos acordos com a direita dita moderada» que reside a chave dos triunfos futuros, acrescentou o director do Voz, órgão central do PCC, que voltou a arrancar da assistência convictos aplausos quando sublinhou que «as FARC não são terroristas, são lutadores populares» que como todos nós pretendem a paz e a justiça e repudiam as perseguições e os assassinatos de dirigentes políticos, sociais e sindicais do seu país.
A encerrar o painel de intervenções, José Esquível Navarro, do Partido Comunista de Cuba, colocou o acento tónico no perigo dos EUA arrastarem a humanidade para uma guerra nuclear, hipótese que ganha contornos mais nítidos quando se observa a intimidação movida sob falsos pretextos contra o Irão ou a República Popular Democrática da Coreia.
O membro do Partido Comunista de Cuba e Secretário Executivo da União Nacional de Juristas Cubanos aproveitou ainda a oportunidade para lembrar que nos cárceres norte-americanos permanecem injustamente detidos cinco patriotas cubanos, reféns do imperialismo que os usa como retaliação por o povo cubano ter mantido, mesmo nas mais duras condições, o decoro e a dignidade.
«O crime destes homens foi não terem ajoelhado perante o imperialismo e insistirem em denunciar o terrorismo de Estado», concluiu.
Europa e UE em foco
Crise do capitalismo
Já na tarde de domingo, o primeiro dos dois debates realizados no Palco Solidariedade foi dedicado à crise do sistema capitalista na Europa e ao enquadramento da UE neste contexto.
E foi sobre esta matéria que o deputado do PCP no Parlamento Europeu, João Ferreira, centrou a sua intervenção depois de Ângelo Alves, da Comissão Política do PCP, e Sérgio Ribeiro, do Comité Central do Partido terem introduzido o tema.
«Contrariamente ao que tem sido proclamado, a crise não tem ainda um fim à vista e os discursos da retoma não têm correspondência com a realidade», começou por dizer, até porque «embora estejamos numa fase qualitativamente nova do seu desenvolvimento», esta crise «não começou em 2008 nem foi importada dos EUA. Ela é latente porque não existem crises que surgem e se resolvem», mas «manifestações mais ou menos violentas de uma mesma crise que radica nas contradições do sistema, o qual não encontra solução no quadro do modo de organização económica e social que o caracteriza».
«A exploração do trabalho humano, a exploração e degradação da natureza e dos seus recursos para lá da capacidade natural de regeneração são causas estruturais da crise do capitalismo», acrescentou, antes de frisar que «é por via da criação de condições para o aumento da exploração que o capitalismo procura “furar” por entre os limites à acumulação capitalista impostos pelo seu desenvolvimento».
Neste particular, a UE tem-se destacado impondo aos povos e respectivos estados-membros instrumentos tais como tratados, políticas comuns e orientações económicas e sociais que pretendem dirigir contra os trabalhadores o fundamental da ofensiva que comporta uma evidente regressão social.
Simultaneamente, tendo a social-democracia europeia como aliada estratégica, a UE colocou a máscara do combate aos «excessos do neoliberalismo» e a necessidade de «regulação do sistema financeiro». Ao mesmo tempo que manteve os paraísos fiscais e os mercados de produtos derivados, deixou cair a promessa de taxar as transacções bolsistas e os lucros do capital financeiro, e, mais grave ainda, permite que os bancos salvos pelo erário público especulem agora sobre a dívida soberana dos estados, em parte contraída precisamente para os resgatar da falência, sintetizou João Ferreira.
«E quanto às vítimas da crise, os que foram obrigados a financiar os buracos do sector financeiro?», questionou. «Para esses aí temos o recuperado e reforçado Pacto de Estabilidade e Crescimento e seus correspondentes nacionais».
A luta faz a diferença
As medidas antipopulares aplicadas só não são ainda mais graves devido à resistência da classe operária e dos trabalhadores, expressou, em seguida, Graciete Cruz, do Comité Central do PCP e da Comissão Executiva da CGTP-IN.
O protesto têm-se feito sentir e cresce não obstante a campanha ideológica cujo fim é consolidar o conformismo e promover a «falsa partilha dos sacrifícios; ocultar não apenas as contradições do capitalismo mas também a ausência de reforma possível para o sistema; preparar medidas dacronianas como o ataque aos direitos laborais e sociais, reduzir o custo da força de trabalho e cortar na protecção social», disse a dirigente sindical.
Tal como em Portugal, também em Espanha a receita do capital é copiada do mesmo compêndio e executada por um governo social-democrata. Exemplos da crise encontramos no sector imobiliário - com mais de 1 milhão de casas novas desocupadas e milhões de imóveis usados devolutos -, nos 50 mil milhões de euros dados pelo governo PSOE/Zapatero para o resgate do capital financeiro, nos 4,5 milhões de desempregados (40 por cento dos jovens estão nesta situação), nos 38 por cento de taxa de precariedade, e na redução, em 2009, dos salários na função pública.
Em resposta, notou Carlos Portomenhe, do Partido Comunista de Espanha, os comunistas têm que «mobilizar os trabalhadores e o povo e aumentar a consciência de classe».
Essa tem sido a orientação seguida nos últimos meses na Grécia com o Partido Comunista a assumir o seu papel de vanguarda revolucionária. Em jornadas de extraordinário significado político, a classe operária e os trabalhadores e outros sectores e camadas sociais gregas tem-se temperado na luta contra o bárbaro ataque do capital conduzido pela UE e pelo FMI, manifestando, neste período, uma crescente consciência de que União Europeia não é reformável.
Para Pavlos Alepis, «as políticas executadas pelos governos da plutocracia inseridos na UE expressam um ataque unificado do capital contra os estratos populares e laboriosos, os agricultores e a juventude» e mostram que a «restruturação capitalista vai continuar procurando o fortalecimento da construção do bloco imperialista europeu».
«Na nossa opinião, a perspectiva de um outro poder de Estado enfraquecerá e os trabalhadores ficaram desorientados se estes não reconhecerem que o derrube do poder dos monopólios obriga à saída da UE», por isso, «o KKE explica a sua estratégia ao povo clarificando que o poder popular não pode ser alcançado enquanto a Grécia permanecer na UE e na NATO, e que não existe uma etapa intermédia entre o capitalismo e o socialismo», pois «a nossa era é já um tempo de transição do capitalismo para o socialismo», explicou o director do Rizospastis, órgão central do KKE
«A experiência colhida das lutas na Grécia [com a Frente Militante de Todos os Trabalhadores, PAME, na primeira linha] demonstra que a projecção do objectivo estratégico de conquista do socialismo não é uma extravagância que deve ser adiada para um futuro distante, mas uma absoluta necessidade» no quadro da actual crise capitalista, insistiu Pavlos Alepis encerrando o período de intervenções da mesa, ao qual se seguiram vivas alocuções do público e calorosas saudações à luta dos trabalhadores.
«Imperialismo, energia e militarismo»
A fechar a maratona de debates ocorridos entre sábado e domingo no Espaço Internacional da Festa do Avante!, Pedro Guerreiro, do Comité Central do PCP, coordenou um debate participado por Jorge Cadima, da Secção Internacional do Partido, Luís Vicente, vice-presidente do Conselho Português para a Paz e a Cooperação (CPPC), e Steve Johnson, do Partido Comunista Britânico (PCB). Imperialismo, energia e militarismo foi o tema do debate e, para Jorge Cadima, «estas palavras estão associadas».
«O Iraque é o exemplo mais recente» de uma guerra imperialista que, tal como as que a precederam desde o início do século XX no Médio Oriente, teve o domínio dos recursos petrolíferos como principal motivo, disse, dando como exemplo as manobras do imperialismo britânico, francês e norte-americano na Pérsia e Mesopotânia e, depois da Segunda Grande Guerra Mundial, no Irão e Iraque.
A repressão das revoltas daqueles povos pelo imperialismo usando armas não-convencionais também não é uma novidade. Há cerca de 90 anos, o então império britânico e um dos seus mais importantes dirigentes, Winston Churchil, ordenaram o uso de gases tóxicos e o bombardeamento massivo da região insurrecta, disse ainda Jorge Cadima. A novidade é que «com o fim da URSS o imperialismo goza de uma hegemonia unilateral» que lhe permite voltar a incrementar tais práticas criminosas.
Após grandes mobilizações mundiais contra a guerra e pela paz, a estratégia militarista de dominação mundial sofreu intenso descrédito. Agora, volta a ser incrementada pelo governo de Barack Obama, e, não obstante o perigo que tal comporta - sobretudo porque Obama surge envolto numa aura pacifista e moderada -, a resistência que antes se fez sentir conserva todas as suas potencialidades, para mais no contexto de uma crise capitalista com notórias consequências nos EUA, resumiu o membro da Secção Internacional do PCP.
No mesmo registo, Luís Vicente lembrou que já Lénine havia caracterizado o imperialismo como uma fase do capitalismo amadurecido, donde sobressaem a centralização do capital, a fusão do capital bancário com o industrial conformando uma oligarquia financeira, a supremacia da exportação de capitais sobre as demais transacções, a formação de associações internacionais capitalistas e a partilha do mundo por estas, e a luta das grandes potências entre si (com os respectivos governos a funcionarem como comités de negócios do grande capital) pela conquista de esferas de influência.
Tal leva-nos à questão do poder do Estado, que para a burguesia é um instrumento promotor da acumulação de capital e de repressão da classe operária e dos trabalhadores - forçados a integrarem relações sociais caracterizadas pela propriedade privada dos meios de produção em contraste com o carácter social da produção -, e uma máquina de guerra imperialista que busca incessantemente o controlo da energia da qual depende o seu funcionamento.
A análise da actual situação mundial e o debate das linhas de trabalho dos comunistas face ao militarismo imperialista reveste-se de grande importância, destacou, por fim, Steve Johnson. O tema vai estar em discussão no próximo congresso dos comunistas britânicos, adiantou, mas a realidade já demonstrou que frente à maior potência capitalista, os EUA, e aos seus estados mercenários e subalternos, como a Grã-Bretanha, erguem-se países como o Brasil, a Índia, a China e a Rússia, e associações multilaterais como a Organização de Cooperação de Xangai, facto que tem vindo a enfraquecer a posição de Washington.
Por isso, o imperialismo norte-americano procura impor a sua hegemonia pela força das armas, única base sólida que sustenta a sua posição dominante, disse o membro da comissão política do PCB.