Ler para pensar o mundo
Cerca de dez livros foram apresentados na Atalaia, de diversos géneros e abordando temas diferentes. Obras para pensar ou repensar o nosso mundo.
O ambiente era propício à leitura: milhares de volumes estavam espalhados pelas mesas da Festa do Livro, convidando quem entrava a folheá-los e a deixar-se seduzir. Onze dessas obras foram apresentadas naquele espaço, em sessões acompanhadas por leitores e futuros leitores.
Na noite de sexta-feira, Fernanda Mateus, membro da Comissão Política do PCP, apresentou a obra de Graça Mexia 45 Anos e 38 Mil Grávidas Depois, que aborda o método psicoprofilático do parto, que a autora prepara desde 1962. A dirigente comunista recordou como descobriu a existência de um treino que permite às mulheres terem os seus filhos sem dor e encararem a maternidade «como um acto responsável e feliz, não como um fardo». Os relatos cruéis de gerações de partos com dor alimentavam uma visão obscurantista do acto de dar à luz, situação ultrapassada pelo método psicoprofilático, garantiu.
«Politicamente, este livro traz-nos momentos negros da História portuguesa. A sexualidade das mulheres era reprimida e o fascismo não aceitava o trabalho de Graça Mexia», afirmou Fernanda Mateus, lembrando que muitas militantes comunistas que foram mães na clandestinidade conseguiram utilizar este método.
«Hoje, assistimos ao encerramento de maternidades e centros de saúde e o método psicoprofilático tornou-se uma miragem», denunciou a dirigente, sublinhando que a precariedade dos contratos e os horários de trabalho alargados fazem com que a maternidade seja considerada um peso e constituem barreiras a este método.
Graça Mexia confirmou as palavras de Fernanda Mateus: «Nas décadas de 1980 e 1990, acompanhava 75 mulheres por dia, porque a lei permitia que saíssem do trabalho para prepararem o parto. Agora já não. Há um decréscimo brutal de mulheres que o pode fazer, tal como o número de crianças a nascer em Portugal. Isto relaciona-se também com o desemprego, o atendimento nos centros de saúde, a falta de médicos e enfermeiros... Até para a recuperação do parto é difícil ter tempo.»
Ficção portuguesa e poesia universal
As apresentações no sábado abriram com a reedição de uma obra da ficção portuguesa, publicado pelas Edições Avante!: A Curva na Estrada, de Ferreira de Castro, com prefácio do escritor e jornalista Filipe Leandro Martins e ilustrações de José Santa-Bárbara. O prefaciador referiu que alguns consagrados autores portugueses «estão arredados, enquanto outros, que espicaçam menos a nossa consciência são elevados, já para não falar na promoção dos livros mais tolos».
Para Leandro Martins, A Curva na Estrada «merece entrar na categoria dos clássicos pelo seu conteúdo, mas também pelo contexto histórico e pela inovação que apresenta». As personagens são espanholas e a acção passa-se no país vizinho, estratégia para o livro passar pela censura de há 60 anos, quando a novela foi inicialmente editada. A narrativa conta a história de um homem humilde que se torna dirigente do Partido Socialista, mas que trai a sua causa para ter mais poder.
«Este é um livro de grande actualidade. Trata de um caso da consciência e da posição de cada um na luta de classes e ajuda-nos a reflectir sobre o passado, mas também sobre o presente e o futuro, para os erros não serem repetidos. A capacidade de actualidade é, de facto, uma característica das grandes obras», afirmou.
Maio, Trabalho, Luta contou com uma apresentação especial, com a declamação de poemas de Natália Correia, Cesário Verde e Manuel da Fonseca, entre outros, pelos actores Fernando Tavares Marques e Carlos Paiva. Antes, José Casanova – dirigente do PCP, director do Avante! e romancista – abordou a obra, referindo poemas sobre diferentes lutas e protagonistas em todo o mundo e destacando a importância do 1.º de Maio de 1962 na luta da classe operária portuguesa. «Foi um 1.º de Maio fabuloso, com grandes movimentações de massas, uma forte repressão policial, mas também, e pela primeira vez, com uma reacção organizada à polícia. Naturalmente, isto teve a ver com o papel do Partido», declarou.
Parafraseando textos incluídos na obra, José Casanova afirmou que «os poemas são armas carregadas de futuro, pela força que nos transmitem para continuarmos a luta no nosso país, uma luta com novas características e que exige de nós, todos os dias, muita coragem e determinação».
Para reflectir sobre o mundo
Também no sábado foi lançado o ensaio Sobre Lénine e a Filosofia. A reivindicação de uma ontologia materialista dialética, de José Barata-Moura. Pedro Maia considera que se trata de «um Lénine interpelante, que nos leva a agir», pois «a sua visão ontológica compreende a História para a modificar. Também Barata-Moura apresenta uma linha de raciocínio interessante e desafiadora», declarou, abordando a dimensão prática do filosofar: «Sem filosofia não compreendemos para depois transformar. Esta obra prova que o marxismo-leninismo em Portugal está vivo e recomenda-se.»
Por seu lado, José Barata-Moura sustentou que «Lenine, nos textos e correspondência, mostra que não é um filósofo profissional, mas, quando fala em filosofia, é visível que se informou e que pensa filosoficamente. O seu trabalho é muito sólido. Ele conhece o que está a ser publicado na época em inglês, francês, alemão e russo e faz uma crítica antecipada das grandes novidades epistemológicas do século xx.»
O professor destacou o conceito filosófico de matéria e «a percepção por Lénine da nuclearidade deste problema. Ele é notável em vários aspectos.» É o caso da compreensão do materialismo de Marx: «Lénine percebeu que a novidade está no facto de que o materialismo tem de ser dialéctico, tem de comportar a História, que se transforma.»
A salientar outra obra lançada nessa noite: As Voltas que o Mundo Dá... Reflexões a propósito das Aventuras e Desventuras do Estado Social, de António Avelãs Nunes. Trata-se de um estudo «de grande valor e actualidade, com vocação para se transformar num texto de referência», como disse na ocasião Albano Nunes, membro do Secretariado do PCP. «Desmistifica dogmas que são frequentemente apresentados como inevitáveis e apresenta um manancial de factos, estatísticas e argumentos valiosos, numa ampla perspectiva histórica. É uma análise marxista do neoliberalismo», acrescentou.
Terminado em Julho, o livro já aborda a actualidade do Governo do PS, mas igualmente outras questões: o Estado e a sua natureza de classe; o papel da social-democracia como pilar do neoliberalismo; a natureza de classe da União Europeia; e a crise do capitalismo. «Esta obra traduz a superioridade do pensamento marxista e transmite uma mensagem de optimismo. A luta nunca é em vão», concluiu Albano Nunes.
Avelãs Nunes afirmou que pretendeu escrever um livro comprometido, «um livro-cidadão, porque todos temos uma ideologia, ninguém é neutro. Não podemos viver fora da nossa circunstância.»
Estudos nacionais e internacionais
A tarde de domingo foi marcada pelo lançamento de Sindicalismo na Revolução de Abril, de Américo Nunes, e Os Avanços Revolucionários na América Latina, de Rémy Herrera. O primeiro foi apresentado por Domingos Abrantes, dirigente do PCP, e José Ernesto Cartaxo, da direcção da CGTP-IN. «O movimento sindical que temos é inseparável da luta dos comunistas», defendeu Abrantes, abordando a intervenção dos revolucionários no movimento sindical fascista a partir de 1935, que transformou organizações de apoio ao regime em instrumentos de resistência da classe operária. «É neste quadro que se vão criando condições materiais para o surgimento da CGTP-IN», salientou.
José Ernesto Cartaxo considerou que a obra, «num estilo muito próprio e fácil de ler, constitui um importante contributo para a História sindical portuguesa». Segundo o sindicalista, «este livro é muito importante num momento como o nosso, em que o patronato promove uma feroz repressão e em que é imprescindível um reforço da organização sindical e unitária dos trabalhadores».
Finalmente, José Oliveira apresentou Os Avanços Revolucionários na América Latina, fazendo um pequeno resumo sobre a realidade aí abordada, de acordo com a classificação proposta por Rémy Herrera: países socialistas (Cuba); países anti-imperialistas em oposição ao capitalismo (Venezuela, Bolívia e Equador); países em que as movimentações populares conduziram a governos progressistas (Brasil e Argentina); e países em que as lutas populares estão a crescer contra regimes reaccionários (México, Colômbia, Peru e a resistência nas Honduras).
«Enquanto a nível mundial assistimos a um refluxo dos movimentos revolucionários, na América Latina dão-se avanços e transformações muito importantes. É um alento e um estímulo para todos os povos, afirmando uma opção solidária e soberana», sublinhou José Oliveira.