Avanteatro

O palco e a realidade

Carlos Nabais

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Combinando o trabalho de nomes consagrados com projectos de jovens artistas, de companhias das grandes áreas urbanas com grupos do interior do País, o Avanteatro transmite-nos o pulsar das artes de palco, as tendências, temáticas e preocupações dos criadores sobre a realidade, e assim um reflexo desta.

Todos os anos o Avanteatro propõe uma programação diversificada que constitui uma amostra representativa da produção teatral nacional, mas também reserva um espaço generoso a outras expressões como é o caso da dança, do cinema, da música.

E se normalmente a variedade de mais de dezena e meia de espectáculos, destinados a públicos de todas as idades, não permite que se vislumbre um mote comum, na programação deste ano, quatro produções destacaram-se particularmente pelo realismo, frontalidade e até crueza na abordagem de problemas sociais que a crise do capitalismo tem agravado desmesuradamente.

Logo na sexta-feira, a abrir a programação do palco, a Companhia de Teatro de Almada trouxe-nos a peça «Tuning», da autoria do jovem dramaturgo, Rodrigo Francisco, com encenação de Joaquim Benite.

No cenário hiper-realista de uma oficina de subúrbio, onde não faltam automóveis verdadeiros, somos confrontados com o drama da juventude a quem é negada uma integração digna na sociedade. O salário nem chega para pagar uma casa, quanto mais para comprar um carro, ainda que velho e a precisar de reparações. O dinheiro fácil da delinquência, as apostas em corridas de automóveis, o perigoso mundo da droga, eis a alternativa ilusória que lhes é apresentada e que na maioria dos casos os conduz à prisão ou mesmo à morte.

Na actual sociedade não se pode ser alguém sem dinheiro e para o obter todos os meios parecem ser legítimos. Só os ricos se podem dar ao luxo de viver na «legalidade». Assim o afirma o garagista Albino aludindo à forma como se tornou dono da oficina: «Se não quisermos passar o resto da vida a roubar, temos de começar por roubar».

Com o «Saguão» do italiano Spiro Scimone, levado à cena pela companhia da Amadora, Teatro dos Aloés, com encenação de Jorge Silva, voltamos a mergulhar no mundo da marginalidade e da pobreza extrema, onde tudo falta. Em cena, três vagabundos lutam por um naco de pão com bolor. Para trás deixaram anos de trabalho, durante os quais foram alguém. Depois veio o despedimento e perderam tudo. Para sobreviverem já deixaram de andar, passaram a rastejar como lesmas, para que os outros tenham pena deles e lhes dêem alguma coisa para comer.

O saco com os poucos víveres que lhes restam esgota-se. Desesperados, enfiam a cabeça no seu interior em busca da última migalha, mas nada encontram para além de um saco «cheio de escuridão».

A mesma nota pessimista encontramos no documentário «Ruas da Amargura», apresentado no sábado ao público do Avanteatro. Na sala, apenas algumas dezenas de pessoas seguiram com atenção imagens recolhidas nas ruas de Lisboa. As condições deficientes de projecção, o calor da tarde, a dureza das imagens, terão levado muitos a desistir das amargas mas sempre surpreendentes e reveladoras histórias das personagens reais que deambulam noite e dia pelos jardins e ruas da capital, captadas magistralmente pelo realizador Rui Simões.


Ao nível dos melhores anos


Cerca das 21.30 de sábado, uma multidão lotou de repente a entrada do Avanteatro, preparando-se para assistir à peça «Cozinheiros», representada pela Este - Estação Teatral, companhia sedeada no Fundão.

A peça, baseada no texto A Cozinha, de Arnold Wesker (1957), mostra-nos o ambiente frenético de uma grande cozinha de restaurante, onde todos estão sujeitos a intensíssimos ritmos de trabalho – uma metáfora da exploração capitalista, no qual todos os valores são subordinados à obtenção do lucro máximo.

Logo após os «Cozinheiros», o público não arredou pé, esperando pelo Projecte Margot e o seu «Cabaret Literário», espectáculo assente em textos de Pessoa, Borges, Cortázar, Baricco, Asturias y Murakami.

De seguida o grupo Alma Flamenca, igualmente vindo de Espanha, prestou uma homenagem ao poeta Federico Garcia Lorca, com um espectáculo de flamengo que entrou pela madrugada de domingo com a sala a transbordar de público.

«Chegaram a estar mais de mil pessoas numa sala que tem cerca de 500 lugares», calcula Manuel Mendonça, um dos responsáveis pelo Avanteatro, que assinalou ao nosso jornal uma extraordinária afluência de público, ao nível dos melhores anos de que tem memória.

«Depois da Alma Flamenca, a festa continuou no bar com a música dos Roncos do Diabo. Mas o público era tanto que tivemos de abrir a tenda para que todos pudessem participar na festa», refere ainda Manuel Mendonça.

E foi de facto em festa, com a música de O Menino é Lindo, dos Roncos do Diabo e finalmente dos Melech Mechaya, que terminaram as noites no Avanteatro.

 

Mário Barradas

1931-2009

 

Mário Barradas, encenador e fundador do Centro Dramático de Évora (Cendrev), um dos pioneiros da descentralização teatral após o 25 de Abril, foi a figura homenageada pelo Avanteatro.

Falecido em Novembro último aos 78 anos, Mário Barradas foi um interveniente decisivo na renovação do teatro português e um exemplo de verticalidade e firmeza de convicções. Nascido nos Açores, começou a sua vida profissional como advogado em Moçambique. Mais tarde estudou teatro em França, chegando à direcção do Conservatório Nacional no final dos anos 60.

Militante do PCP, deixou escrito na sua Autobiografia o seguinte parágrafo, que se podia ler num grande painel colocado na entrada do Avanteatro: «Duas últimas observações. Partilho a ideologia marxista-leninista e tenho nojo daquilo em que Portugal se está a transformar. E sou um homem de teatro, actor e encenador, mas nunca me misturei com o que considero o gosto do dinheiro, o facilitismo e a falta de rigor.»



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