Palavras que fazem pensar... e transformar
A edição da Festa do Livro deste ano foi particularmente rica em novos livros, em novas abordagens literárias das questões que afectam os trabalhadores e o nosso povo, pelos percursos ficcionais e ensaísticos que envolvem e reflectem a nossa memória colectiva e pela qualidade estética dessas mesmas obras, em que conteúdo e forma se conjugaram para tornarem apelativos, e de leitura obrigatória, grande parte dos textos apresentados na nossa mostra anual.
De salientar ainda a exigência gráfica de alguns desses livros, nomeadamente Vozes ao Alto, 100 histórias na História do PCP; Dentro de Ti Ó Cidade e, naturalmente, o grande acontecimento editorial deste ano que é 1921/2021 – 100 Anos de Luta.
Logo na sexta-feira, assistimos à apresentação da obra Vozes ao Alto, 100 histórias na História do PCP, apresentado por três dos sete autores que participaram no projecto: Adriano Miranda, Cristina Nogueira e Alice Samara. Livro dividido em três capítulos principais: Legalidade, Clandestinidade, Liberdade, feito de histórias da resistência, mas contadas através de objectos vulgares que a imaginação e a perícia dos antifascistas tornaram essenciais para conseguirem comunicar entre eles e o exterior, para as fugas, ou para tornarem menos dolorosos os longos cativeiros nos catres do fascismo. Mesmo vulgares, esses objectos tornaram-se essenciais e raros na vida dos principais protagonistas da noite imensa do fascismo.
Catarina de Todos Nós, com texto de Sidónio Muralha, autor do qual se comemora este ano o centenário de nascimento, ilustrado por Pedro Penilo, traz para o público mais jovem, a saga heróica de Catarina Eufémia e o seu assassinato às mãos desse sinistro tenente Carrajola, contada por um autor que à literatura infanto/juvenil dedicou grande parte do seu labor criativo.
Relato de Um Sobrevivente, de Daniel Sampaio. Zeferino Coelho, que apresentou a obra, referiu tratar-se de um relato, tão fidedigno quanto possível, de quem foi gravemente atingido pela COVID-19 (Daniel Sampaio e a mulher), que é, simultaneamente, uma grande obra literária. Por seu turno, Daniel Sampaio, que esteve internado no Hospital de Santa Maria, afirmou: «Nunca mais vou consentir ouvir dizer mal do SNS. Se tivesse ido para o privado não tinha sobrevivido. É importante passar a ideia da competência do SNS: foi graças a ela que sobrevivi. O SNS é uma das grandes conquistas de Abril.»
O Estado Capitalista e as suas máscaras, de António Avelãs Nunes, foi apresentado por Agostinho Lopes, que afirmou tratar-se de um notável trabalho, livro de referência, que devia ser obrigatório para o entendimento do capitalismo e suas derivas.
O professor Avelãs Nunes, afirmou ser este um retrato, uma longa viagem sobre o capitalismo, sobre a ditadura da burguesia, sobre as máscaras com que o estado capitalista encobre a sua natureza exploradora em cada fase do seu desenvolvimento histórico. Mas estamos num tempo de viragem. A humanidade está em vias de mudar: o capitalismo tem os séculos contados e todos nós podemos ajudar a fazer a história, a encurtar os séculos.
Avante!, vida, alegria, luta, projecto. A Festa que a reacção teme, com apresentação de Jorge Cordeiro, Miguel Tiago e João Lopes, que afirmaram ser este um livro de esclarecimento sobre a ofensiva da direita e dos média a ela afectos, contra a Festa e contra o Partido. Não houve nunca, desde Abril de 1974, uma campanha tão orquestrada e com tal virulência. Uma campanha que pretendeu que o Governo proibisse a Festa; que o Partido, ele mesmo, desistisse da Festa; que se limitasse a adesão das massas à Festa. Nada disto foi conseguido graças à resistência do Partido e à vontade dos seus militantes e amigos.
Mais um livro de Mário Moutinho de Pádua sobre a Guerra Colonial e as lutas que na rectaguarda se travaram contra o fascismo e o seu projecto belicista e trágico. Guerra em Angola – Diário de Um Médico em Campanha, é, segundo Albano Nunes, «um testemunho demolidor que desoculta a nossa acção em África, e a ligação do poder fascista aos grandes interesses instalados nas ex-colónias.»
1921-2021 – 100 Anos de Luta, apresentado por Margarida Botelho, Manuel Loff, Manuel Pires da Rocha e Rita Branco, que afirmaram ser este um livro do PCP sobre o PCP, que se constitui autobiografia do Partido. Um livro que conta a História do país e do mundo a partir da sua própria História. Elemento fundamental na construção do futuro. A cultura do século XX português tem a marca do PCP. Este é um Partido da juventude, luta pelos seus sonhos, quer uma vida melhor para todos.
Elas Estiveram Nas Prisões do Fascismo, livro apresentado por Vítor Dias, Manuela Bernardino e Palmira Areal. Mais um livro da URAP, sobre as prisões e sevícias da PIDE, para que a memória não pereça, desta feita sobre as mais de 1700 mulheres que cumpriram penas nos cárceres do regime, mas também, como afirmou Manuela Bernardino, sobre as mulheres que ficaram na rectaguarda a cuidar dos filhos, a manter a família enquanto os maridos estiveram presos.
No País do Silêncio, de Rita Cruz, apresentado por Ana Margarida de Carvalho. Livro revelação de uma nova e promissora autora, sobre o qual a apresentadora referiu tratar-se de um livro com vários silêncios dentro: o silêncio sobre o trabalho infantil, o silêncio de não discutir política em casa, o silêncio de quem via os vizinhos serem levados de noite pela PIDE, o silêncio perante os torturadores.
Um dos mais participados debates da jornada, com o título genérico A Humanidade em Questão, teve como elementos de análise os livros A Cultura Integral do Indivíduo, de Bento de Jesus Caraça e Um Problema de Consciência, de Álvaro Cunhal. Sobre o primeiro perorou José Barata-Moura, afirmando ser este um documento relevante da nossa história. É na tradição comunista que Bento Caraça se inscreve para escrever. Um texto pensado que entrega ao pensamento do leitor coisas que precisam ser pensadas.
Pedro Maia, referindo o texto de Cunhal, disse-nos ser anti-determinista, profundamente ético. Em prol da justiça neste mundo, dado que há uma terra que nos apela e que nos interpela: é preciso escolher caminho e marchar. Um texto, ainda hoje, com uma profunda força universalista.
O Neo-Realismo na História do PCP, debate em torno dos autores e das obras que reflectem a vida e luta do nosso povo, muitos deles ligados à luta e objectivos políticos e culturais do Partido. Carina Infante do Carmo, Inês Carvalho e Domingos Lobo, debruçaram-se sobre os aspectos de forma e conteúdo das várias obras, das abordagens éticas e estéticas do vasto património ficcional e ensaístico do neo-realismo, desde os primórdios até aos prováveis herdeiros desse movimento cultural que se constituiu o mais longo e profícuo período criativo da nossa Literatura.