Uma vida ao serviço de um ideal

Muitas foram as cir­cuns­tân­cias em que Álvaro Cu­nhal afirmou a ac­tu­a­li­dade do ideal co­mu­nista. Fê-lo nas horas boas dos grandes avanços re­vo­lu­ci­o­ná­rios do sé­culo XX, mas também nas horas más das der­rotas do so­ci­a­lismo ou do re­fluxo contra-re­vo­lu­ci­o­nário em Por­tugal. Um ideal pelo qual valeu e vale a pena lutar. Ideal que, como re­fere Álvaro Cu­nhal, «cor­res­ponde de tal forma às ne­ces­si­dades e as­pi­ra­ções mais pro­fundas do nosso povo, que um dia dele será o fu­turo». Ideal que, em sín­tese, «é a li­ber­tação dos tra­ba­lha­dores por­tu­gueses e do povo por­tu­guês de todas as formas de ex­plo­ração e opressão» e se con­cre­tiza no pro­jecto co­mu­nista de «cons­trução em Por­tugal de uma so­ci­e­dade so­ci­a­lista cor­res­pon­dendo às par­ti­cu­la­ri­dades na­ci­o­nais e aos in­te­resses, às ne­ces­si­dades, às as­pi­ra­ções e à von­tade do povo por­tu­guês – uma so­ci­e­dade de li­ber­dade e de abun­dância, em que o Es­tado e a po­lí­tica es­tejam in­tei­ra­mente ao ser­viço do bem e da fe­li­ci­dade do ser hu­mano». Ao longo da sua vida, Álvaro Cu­nhal agiu em co­e­rência com este ideal e sempre com grande con­fi­ança no fu­turo.

 

As lutas contra o fas­cismo e o Rumo à Vi­tória

Muitas foram as lutas, o es­forço para a cons­trução de uma forte or­ga­ni­zação de classe dos tra­ba­lha­dores, para a cons­trução da uni­dade de­mo­crá­tica an­ti­fas­cista e para o re­forço do Par­tido, em que Álvaro Cu­nhal e o PCP se em­pe­nharam du­rante a di­ta­dura fas­cista: as lutas so­ciais de 1943, as greves de 1944, o 1.º de Maio de 1962, a luta pela con­quista das 8 horas de tra­balho, os «pas­seios no Tejo», o apoio à luta de li­ber­tação dos povos co­lo­ni­zados, as lutas es­tu­dantis, entre muitas ou­tras ac­ções.

Em 1964, num pe­ríodo de as­censo das lutas em todas as frentes e de cres­cente iso­la­mento da di­ta­dura fas­cista, Álvaro Cu­nhal traça no Rumo à Vi­tória as bases para o pro­grama do Par­tido para a Re­vo­lução De­mo­crá­tica e Na­ci­onal que viria a ser apro­vado no VI Con­gresso.

 

Ju­ven­tude: trans­formar o sonho em vida

Álvaro Cu­nhal nasce em Coimbra a 10 de No­vembro de 1913, vive com a fa­mília em Seia e de­pois em Lisboa onde fre­quenta o en­sino li­ceal. Em 1931 in­gressa na Fa­cul­dade de Di­reito de Lisboa em 1931, filia-se no PCP e inicia a ac­ti­vi­dade re­vo­lu­ci­o­nária. In­tervém no mo­vi­mento es­tu­dantil. As­sume res­pon­sa­bi­li­dades na Fe­de­ração das Ju­ven­tudes Co­mu­nistas Por­tu­guesas. Par­ti­cipa no VI Con­gresso da In­ter­na­ci­onal Ju­venil Co­mu­nista. In­tegra-se no tra­balho clan­des­tino do Par­tido. Preso e tor­tu­rado, re­siste. Re­a­liza (sob prisão) o exame de li­cen­ci­a­tura com a tese «O aborto. Causas e So­lu­ções». Por ra­zões po­lí­ticas, cumpre o ser­viço mi­litar como sol­dado «cor­récio».

 

Pri­sões: te­na­ci­dade, ab­ne­gação e co­ragem

Álvaro Cu­nhal foi preso por três vezes (1937, 1940 e 1949). Passou nas pri­sões do fas­cismo cerca de 12 anos, oito dos quais em si­tu­ação de iso­la­mento. Foi tor­tu­rado. Apesar das duras con­di­ções pri­si­o­nais, das tor­turas, das pri­va­ções e do iso­la­mento, re­sistiu. Man­teve um per­ma­nente tra­balho na prisão (de­se­nhou, pintou, leu, es­creveu,

man­teve-se li­gado e ac­tivo na or­ga­ni­zação do Par­tido). Par­ti­cipou na or­ga­ni­zação e con­cre­ti­zação da evasão da ca­deia do Forte de Pe­niche, a 3 de Ja­neiro de 1960, que re­pre­sentou um duro golpe na di­ta­dura fas­cista.

 

Re­or­ga­ni­zação, cons­trução e de­fesa do Par­tido

Par­ti­cipa na re­or­ga­ni­zação do Par­tido de 1940-1941 e dá um con­tri­buto de­ci­sivo para os seus avanços nos III e IV Con­gressos. In­tervém na cor­recção do desvio de di­reita dos fi­nais dos anos 1950 e com­bate o opor­tu­nismo de di­reita, o es­quer­dismo, o dog­ma­tismo e o sec­ta­rismo.

De­sen­volve um papel no­tável na de­fi­nição da es­tra­tégia e tác­tica do Par­tido e na de­fi­nição do seu pro­grama para a Re­vo­lução De­mo­crá­tica e Na­ci­onal. Tem um papel des­ta­cado na for­mu­lação do pro­grama «Por­tugal: uma De­mo­cracia Avan­çada no Li­miar do sé­culo XXI». Dá um im­por­tante

con­tri­buto para a con­cepção do Par­tido como grande co­lec­tivo par­ti­dário e na sis­te­ma­ti­zação dos traços es­sen­ciais da iden­ti­dade co­mu­nista.

 

25 de Abril: der­ru­ba­mento do fas­cismo

Dois le­van­ta­mentos (um mi­litar se­guido de outro po­pular) mar­ca­riam o ar­ranque do pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário de Abril, re­vo­lução li­ber­ta­dora que Álvaro Cu­nhal con­si­derou como «um dos mais altos mo­mentos da vida e da his­tória do povo por­tu­guês e de Por­tugal». Como Se­cre­tário-geral do PCP, par­ti­cipou na de­fi­nição da ori­en­tação do Par­tido du­rante todo o pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário: na acção de massas, na or­ga­ni­zação e re­forço do PCP e na acção ins­ti­tu­ci­onal. Foi in­tensa a ac­ti­vi­dade de Álvaro Cu­nhal e do PCP no des­man­te­la­mento do Es­tado fas­cista, na ins­tau­ração do re­gime de­mo­crá­tico e no apro­fun­da­mento das con­quistas de Abril.

 

Pro­cesso Re­vo­lu­ci­o­nário e con­quistas de Abril

A Re­vo­lução de Abril pôs fim a 48 anos de fas­cismo, pôs fim à guerra co­lo­nial, al­terou pro­fun­da­mente o en­qua­dra­mento de Por­tugal na cena in­ter­na­ci­onal e re­a­lizou pro­fundas trans­for­ma­ções po­lí­ticas, eco­nó­micas, so­ciais e cul­tu­rais: as na­ci­o­na­li­za­ções, a re­forma agrária, o con­trolo ope­rário, os di­reitos dos tra­ba­lha­dores, o di­reito à greve e à con­tra­tação e ne­go­ci­ação co­lec­tivas, de or­ga­ni­zação sin­dical e de cons­ti­tuição de co­mis­sões de tra­ba­lha­dores, o sa­lário mí­nimo na­ci­onal, os di­reitos à saúde e à edu­cação, a me­lhoria das con­di­ções de vida do povo, o poder local de­mo­crá­tico, as au­to­no­mias re­gi­o­nais, o re­gime de­mo­crá­tico, são, entre ou­tras, im­por­tantes con­quistas de Abril, que a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa viria a con­sa­grar.  

 

Re­sis­tência a contra-re­vo­lução

Ini­ciada a contra-re­vo­lução, o Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês es­ti­mula e di­na­miza a re­sis­tência. As­sume um com­bate firme (e sem tré­guas) a re­cu­pe­ração ca­pi­ta­lista, la­ti­fun­dista e im­pe­ri­a­lista de­sen­ca­deada por su­ces­sivos go­vernos (do PS e PSD, com ou sem o CDS) apos­tados em pros­se­guir a po­lí­tica de di­reita. Po­lí­tica que, ini­ciada há trinta e sete anos, pros­segue nos nossos dias pelas mãos do Go­verno PSD/​CDS, as­su­mindo novos e mais pe­ri­gosos de­sen­vol­vi­mentos no pacto de agressão as­si­nado pelo PS, PSD e CDS com o FMI, BCE e UE. No en­tanto, uma vi­go­rosa e con­ti­nuada luta de massas e a acção de re­forço do Par­tido di­fi­cul­taram essa marcha de re­tro­cesso ci­vi­li­za­ci­onal e per­mi­tiram de­fender im­por­tantes con­quistas e va­lores de Abril, que a nossa Cons­ti­tuição con­tinua a con­sa­grar.

 

In­ter­na­ci­o­na­lista con­victo

Álvaro Cu­nhal sa­li­entou que a luta dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês é parte in­te­grante do pro­cesso mun­dial de eman­ci­pação so­cial e na­ci­onal dos tra­ba­lha­dores e dos povos. Na sua obra teó­rica e na acção re­vo­lu­ci­o­nária in­ter­na­ci­o­na­lismo e pa­tri­o­tismo são in­se­pa­rá­veis. A so­li­da­ri­e­dade com os mo­vi­mentos de li­ber­tação na­ci­onal e os povos ví­timas da opressão e da vi­o­lência im­pe­ri­a­lista, o em­pe­nha­mento para o for­ta­le­ci­mento e uni­dade do mo­vi­mento co­mu­nista e re­vo­lu­ci­o­nário in­ter­na­ci­onal e deste com ou­tras forcas pro­gres­sistas e anti-im­pe­ri­a­listas foi uma cons­tante na in­ter­venção de Álvaro Cu­nhal. E ines­ti­mável o seu con­tri­buto para a ana­lise do de­sen­vol­vi­mento do pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário mun­dial e do papel dos par­tidos co­mu­nistas, do ca­pi­ta­lismo, da ne­ces­si­dade e da ac­tu­a­li­dade do so­ci­a­lismo.

 

Uma grande ho­me­nagem

 Álvaro Cu­nhal morreu com 91 anos em 13 de Junho de 2005 e o seu fu­neral, dois dias de­pois, com a par­ti­ci­pação de cen­tenas de mi­lhares de pes­soas, cons­ti­tuiu uma ex­tra­or­di­nária ho­me­nagem dos co­mu­nistas, dos de­mo­cratas e pa­tri­otas, dos tra­ba­lha­dores e do povo a quem de­dicou a sua vida.

 



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