Unidade e luta, caminho da vitória

As questões teóricas e práticas sobre as quais Álvaro Cunhal se debruçou ao longo da sua longa e intensa vida de dirigente revolucionário foram muitas. Entre elas, pelo seu carácter decisivo para a luta do PCP e pela impressionante actualidade que mantêm, ressaltam as que se relacionam com a unidade e luta dos trabalhadores e com a convergência dos comunistas com outros democratas e patriotas – contra o fascismo, pelo avanço da Revolução, pela defesa das suas conquistas.

De facto, se há assuntos que atravessam toda a obra teórica e acção revolucionária de Álvaro Cunhal, estes são, sem dúvidas, os que directa ou indirectamente têm a ver com a organização, a unidade e a luta da classe operária e dos trabalhadores. Particularmente marcante é o relatório apresentado, em nome do Secretariado do Comité Central, ao III Congresso do PCP (o primeiro na clandestinidade), no já longínquo ano de 1943. As suas decisões influenciaram profundamente, e continuam a influenciar, a luta dos trabalhadores portugueses.

Nesse relatório, intitulado Unidade da Nação Portuguesa na luta pelo pão, pela liberdade e pela independência, defende-se a frente única da classe operária como «condição indispensável da sua vitória contra a ofensiva do capital e contra a forma mais brutal do domínio da classe burguesa: o fascismo». Rejeitando cópias mecânicas de experiências dos partidos comunistas de outros países – muito embora aprendendo com elas e delas retirando ensinamentos –, Álvaro Cunhal propõe que a frente única em Portugal assente em moldes diferentes do que sucedia, por exemplo, em Espanha ou França, em que esta se formava a partir da unidade entre o Partido Comunista e outras organizações operárias. No Portugal de então, concluía, não estando a «maioria esmagadora da classe operária» integrada em organizações políticas, e com estas a serem (à excepção do PCP) residuais e sem qualquer ligação efectiva com as massas, a frente única «só podia realizar-se de facto na medida em que as massas de operários desorganizados se unissem na luta diária pelos interesses imediatos, na medida em que lutassem nas fábricas, nas empresas e nas oficinas. É nesta luta diária que está a chave da organização da frente única».

Sempre com as massas

Neste relatório surgia ainda uma outra questão, não menos decisiva: a intervenção sindical dos comunistas. Num momento em que os sindicatos livres há muito tinham sido encerrados pelo fascismo e em que este integrava os sindicatos nacionais na estrutura corporativa do Estado, Álvaro Cunhal critica os que defendiam a reconstituição de sindicatos ilegais, argumentando que eles nunca conseguiriam atrair as «vastas massas operárias».

A hora era, então, de trabalhar no seio dos sindicatos nacionais. Defendendo a apresentação de «verdadeiras listas de frente única», hoje denominadas listas unitárias, o relatório traça os principais vectores de intervenção sindical dos comunistas: pressionar as direcções a defenderem os legítimos direitos dos trabalhadores; entrar em massa para estas estruturas, de modo a transformá-las em organismos defensores dos interesses de classe; desmascarar as direcções fascistas; eleger direcções da confiança dos trabalhadores.

Tal orientação não excluía, antes implicava, a intervenção fora dos sindicatos, nomeadamente através da constituição de células do Partido nas empresas, multiplicação dos movimentos reivindicativos e constituição de comissões de unidade. Se, em 1943, esta orientação garantira desde logo alguns êxitos na mobilização dos trabalhadores, ela seria fundamental para grandes lutas e grandes vitórias nos anos e décadas que se seguiram.

Resistir e avançar

De facto, as orientações definidas pelo PCP no início dos anos 40 para a intervenção sindical (para as quais Álvaro Cunhal teve um papel decisivo), foram essenciais no processo de construção do movimento sindical unitário consubstanciado na CGTP-IN. A sua concretização levou, logo em 1945, à eleição de meia centena de direcções sindicais unitárias, apesar dos obstáculos levantados pela ausência de liberdades e pela feroz repressão.

No VI Congresso do PCP, de 1965, é reafirmada esta orientação e, entre 1966 e 1970, dá-se um novo ciclo de conquista de direcções sindicais: vários sindicatos passam a ter direcções da confiança dos trabalhadores, integrando activistas ligados ao PCP, activistas católicos, socialistas e outros trabalhadores disponíveis para lutar. Em Outubro de 1970, a partir de muitas destas direcções, seria finalmente constituída a Intersindical, com as características essenciais que ainda hoje mantém: uma central sindical unitária, de classe, independente, de massas e democrática. Os embates e as vitórias futuros terão, também eles, o contributo destas teorizações de Álvaro Cunhal.




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