Jerónimo de Sousa e a alternativa para travar o declínio

Verdadeira ruptura e não cosmética

O Secretário-geral do PCP acusou o Governo de ter em curso uma «campanha ardilosa assente na mentira», seguindo um «calendário de propaganda» a pensar nas eleições legislativas, com o fito de transformar o que é o desastre económico e social da sua política e das políticas dominantes europeias, dos PEC e dos pactos sobre a vida dos portugueses em «conquistas da sua governação e do País».

Os juros e encargos da dívida pública restringem a capacidade de investimento do País

«Perante os ventos de mudança que vão soprando por essa Europa, fruto da luta, determinação e vontade dos povos de romper as amarras a uma política que só conhece um amo – o grande capital económico e financeiro –, antecipando a sua própria derrota, aí estão, em visível pânico, num frenesim desusado e de forma estridente, a convocar todos os fantasmas do medo e da chantagem», constatou Jerónimo de Sousa numa referência directa à agitada movimentação de Passos e Portas e à sua cantilena quanto às «pragas que se abaterão sobre o País» em caso de derrota.

Para o líder comunista, que falava esta segunda-feira na abertura das Jornadas Parlamentares, a verdade, porém, é que «não há conquistas a apresentar por quem assinou o ilegítimo pacto de agressão», e «escrupulosamente o executou». É que fazendo o balanço, dele sobressai apenas o «sofrimento e dor de um povo condenado ao desemprego, ao empobrecimento, à exploração e de um País condenado à dependência e ao atraso».

Mau começo

A essa realidade que marca quotidianamente a vida dos portugueses, que o Governo tenta desesperadamente mascarar, dedicou o líder comunista a parte inicial da sua intervenção, pondo em relevo a circunstância de o ano ainda estar no princípio e de já ter começado mal para milhares de portugueses.

«Começou mal e muito mal para os que precisaram de cuidados de saúde nas urgências dos hospitais e foram confrontados com as consequências desastrosas de uma política e de um Governo que há muito está apostado na degradação do SNS e na sua liquidação», assinalou, abrindo o primeiro item de uma longa lista de outras situações graves e problemas que atingem o País e o nosso povo, em particular as classes trabalhadoras.

Como é o caso dos milhares de trabalhadores da administração pública (na Segurança Social, Saúde, Educação), para quem o ano começou igualmente mal, porque são alvo da tentativa de despedimento do Governo a «coberto da mobilidade e da requalificação».

Mas começou também mal «para os interesses nacionais e para os trabalhadores da PT», com a alienação da empresa aos franceses da Altice, lembrou Jerónimo de Sousa, para quem este é «mais um crime a juntar ao da privatização da TAP».

«Como começou mal para a generalidade dos portugueses que trabalham, que mal colocaram o pé no novo ano começaram a pagar um novo aumento de impostos, em cima do maior aumento de impostos de que há memória decidido por Governo e sua maioria», salientou, antes de se focar no infortúnio de quem vive o flagelo do desemprego, gente, muito em particular os jovens, para quem o ano começou e continua mal: os «mais de 700 mil desempregados do cálculo restrito, aos quais é preciso acrescentar os 300 mil inactivos e desencorajados, os 60 mil com contratos de inserção que são efectivamente desempregados, como são os mais de 70 mil em formação profissional e os 40 mil estagiários que não têm o futuro garantido».

Pobreza alastra

Sem razões para satisfação continuam, por outro lado, os milhões de portugueses que vivem do seu trabalho, «quando vêem que o mês é cada vez mais longo para um salário crescentemente desvalorizado», sublinhou Jerónimo de Sousa, que recordou que a perda do poder de compra do salário entre 2011 e 2014 foi quase de 12 por cento no sector privado e cerca de 22 por cento no sector público.

Mas o ano «começa mal e pior ficará» também com a atitude de negação do primeiro-ministro perante a «calamitosa dimensão dos que, vítimas de uma política de exploração, empobrecimento e ruína nacional, foram empurrados às centenas de milhares para a pobreza». Depois de citar a este propósito os dados do INE divulgados sexta-feira passada – mais do que um em cada quatro portugueses vive abaixo do limiar de pobreza –, o dirigente máximo do PCP não hesitou em afirmar que o «ridículo e a perfidia tomaram conta deste Governo do PSD/CDS-PP», referindo-se à afirmação de Passos Coelho de que tais dados já não correspondem à realidade.

«Negar esta realidade não é apenas persistir numa campanha de propaganda enganosa. É mais grave, é admitir que nada fará para inverter uma situação que exige um combate sério e decidido que este Governo não está em condições, nem tem vontade política para realizar», criticou.

Estagnação

A desmentir a afirmação do primeiro-ministro de que 2015 será um ano «sem nuvens negras» está, noutro plano, a situação económica. Dos seus principais indicadores falou também Jerónimo de Sousa no arranque das Jornadas, relevando, nomeadamente, o facto de a evolução do PIB mostrar «um crescimento económico verdadeiramente anémico e de estagnação da actividade económica».

O endividamento público e o endividamento privado, por outro lado, «atingem proporções cada vez mais insustentáveis», havendo ainda um «abrandamento do ritmo das exportações e um crescimento das importações» – com o saldo da balança de mercadorias a agravar-se –, ao mesmo tempo que se regista uma «variação homóloga negativa do volume de negócios nos serviços e na indústria».

Com a dívida pública em 131,4 por cento do PIB, no final do 3.º semestre de 2014, excedido está «em muito qualquer limiar de sustentabilidade», afiançou Jerónimo de Sousa, preocupado que está com o facto de o nível dos actuais juros e encargos da dívida pública – em 2015 ultrapassarão os oito mil milhões de euros – serem um factor de restrição brutal da «capacidade de investimento do País e da capacidade de o Estado cumprir as suas funções e competências constitucionalmente atribuídas».

Travar declínio

À análise do Secretário-geral do PCP não escapou ainda a realidade do distrito de Aveiro, onde emergem também com grande acuidade os problemas sociais, o desemprego, os problemas dos sectores produtivos e da produção nacional. Fragilidades que o levaram a exigir do Governo uma acção determinada no sentido de assegurar «instrumentos de regulação do mercado e apoios aos produtores», designadamente aos produtores de leite (como na região Entre Douro e Vouga), aos produtores de arroz (sobretudo no Baixo Mondego), aos produtores de castanha (em Trás-os-Montes), aos produtores de fruta, e aos produtores de batata que na região de Aveiro, informou, chegaram a vender a produção a cinco cêntimos o quilo.

É por todas estas razões que «Portugal precisa de pôr um ponto final no caminho do declínio a que está a ser conduzido», «precisa de uma verdadeira alternativa e não de variantes da mesma política que conduziu o País à crise», sintetizou Jerónimo de Sousa, defendendo ainda que «precisa de uma verdadeira ruptura e não as mudanças de cosmética para que tudo fique na mesma», as «falsas mudanças daqueles que dizem que não são o PASOK de Portugal mas que o foram ontem e que hoje deixam os destinos do País nas mãos das propostas e dos sinais do senhor Juncker, do senhor Draghi e da boa vontade do directório das grandes potências».

Em suma, enfatizou, o que o País e os portugueses precisam é de «assegurar um novo rumo e uma nova política, uma política patriótica e de esquerda capaz de relançar o País na direcção do desenvolvimento económico e social».



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