Assim funciona o capitalismo
Os trabalhos da comissão de inquérito à gestão do BES/GES permitiram já trazer a lume a «forma tentacular, opaca, obscura», a roçar ou para lá mesmo da legalidade, das práticas do sistema financeiro e dos grupos monopolistas, «à revelia de qualquer efectiva e eficaz fiscalização do poder político e reguladores».
A avaliação é do Grupo Parlamentar do PCP e foi dada a conhecer pelo deputado comunista Miguel Tiago.
em conferência de imprensa, dia 29, na qual deixou expressa igualmente a ideia de que os factos já apurados pela comissão em cerca de 30 audições, a juntar aos inquéritos ao BPN, ao BCP e ao que se sabe hoje sobre a intervenção do Estado em diversos bancos, permite retirar «importantes conclusões sobre a natureza da banca privada, sobre a impossibilidade de controlar democraticamente o crédito e de assegurar a transparência na gestão das instituições».
Dessas audições resulta desde logo claro que o «sistema de supervisão e regulação, além de incompetente e ineficiente, foi incapaz e prepotente», constatou o parlamentar do PCP, criticando o Banco de Portugal e a CMVM por se ficarem pela «produção de recomendações», sem exigência do seu cumprimento. «Nenhuma medida concreta foi tomada para interromper o descalabro em curso do BES/GES, bem conhecido desde 2013», acusou.
Mas «responsabilidades evidentes» têm ainda, na perspectiva de Miguel Tiago, tanto o Governo (primeiro-ministro e ministra das Finanças) como o Presidente da República, tendo em conta a «informação suficiente de que dispunham». É que produziram intervenções públicas com a intenção clara de «reforçar a confiança dos investidores e depositantes», quando, observou, «conheciam bem o estado de desagregação e degradação das holding's e empresas do GES e a elevada exposição do BES a esses problemas».
Só esquemas
Canalização do crédito de «forma viciada» para favorecimento directo de empresas do Grupo ou mesmo de seus titulares, sobrevaliações de garantias, falsas avaliações de activos, sociedades em paraísos fiscais, falsificação de contas, operações fraudulentas, eis alguns dos ponto negros já identificados na concessão de crédito, financiamento e outros fluxos de capitais que caracterizavam a actividade do império da família Espírito Santo, tendo como pano de fundo uma arquitectura (quer da área financeira quer da não financeira) «construída e pensada para impossibilitar a transparência e para não pagar impostos».
«A natureza dos grupos monopolistas, ditos conglomerados mistos, é a amostra fiel da forma de funcionamento do capitalismo e dos seus instrumentos financeiros», sintetizaria, pondo o dedo na ferida, o deputado comunista.
Além da crítica à supervisão e regulação, cuja «independência e eficácia» caem assim por terra, Miguel Tiago não deixou de registar a circunstância de a troika – «que via a mais pequena despesa quando se tratava de identificar e eliminar direitos dos jovens, trabalhadores e reformados», verberou – não ter reparado no «gigantesco buraco de 4,9 mil milhões de euros num dos principais bancos portugueses».
Motivos para serem olhados com desconfiança são, por outro lado, os regimes extraordinários de regularização tributária – já vai no terceiro a pretexto da captação de capitais perdidos em paraísos fiscais, informou –, os quais funcionam como «instrumentos de ocultação de ilegalidades financeiras, absolvendo e recompensando o crime fiscal».
Preocupação manifestou ainda o deputado comunista com a garantia pessoal do Estado de 3500 milhões de euros concedida ao BES e que transitou para o Novo Banco, a somar ao empréstimo de 3900 milhões de euros também por aquele concedido ao Fundo de Resolução, o que em si é «mais um exemplo concreto do Estado ao serviço dos grupos económicos e financeiros».
Denunciados por Miguel Tiago foram, por fim, os «obstáculos» aos trabalhos da comissão de inquérito criados por «entidades nacionais e estrangeiras», nomeadamente através da recusa de documentos e elementos tidos pelos parlamentares como necessários ao cumprimento do seu trabalho.