A ruptura com esta política
A chamada «saída limpa» não passa da mais recente operação mistificatória de quem vive hoje obcecado com as eleições, considera o PCP, para quem a «única saída limpa e digna» está na ruptura com este Governo e esta política.
O que o Governo tem para oferecer é a condenação à pobreza, ao abandono ou à emigração
«Enquanto se mantiver este Governo e esta política, a sujeição às imposições da troika e do seu memorando, a obediência cega à ditadura dos mercados e dos especuladores (...), não haverá saída limpa de espécie nenhuma», sublinhou na passada semana o deputado comunista António Filipe, convicto de que «quem lançou o País na lama não lhe pode prometer uma “saída limpa”».
Pode chamar-se-lhe o que se quiser – «saída limpa», «programa cautelar», «ajustamento» –, que nada disso importa, segundo o parlamentar do PCP, porque a única coisa que o Governo tem para oferecer à grande maioria dos portugueses é a «condenação à pobreza, ao abandono, ou à emigração».
«Enquanto o País estiver amarado à agiotagem e a ter de suportar os juros insuportáveis do endividamento a que nos obrigaram para satisfazer a ganância dos especuladores, não haverá crescimento económico que nos permita sair deste círculo vicioso», advertiu, justificando assim a imperiosa necessidade de um corte com esta política e uma mudança de rumo através de uma política patriótica e de esquerda.
Mudança essa que passa, pormenorizou, pela renegociação da dívida, bem como pela adopção de políticas públicas capazes de melhorar as condições de vida dos portugueses e promover o crescimento económico. Essas, sim, são as «condições indispensáveis para uma saída limpa», enfatizou António Filipe na declaração política proferida há uma semana em nome do PCP.
Vale tudo
A merecer a sua atenção esteve ainda o que considerou ser a obsessão do Governo com as eleições europeias e que é inseparável do discurso que este faz em contra-mão com a realidade.
«Enquanto a maioria dos portugueses empobrece, o Governo decreta o fim da crise», observou, admitindo que «a falta de vergonha de um Governo transformado em comissão eleitoral da coligação PSD/CDS-PP parece não ter limites».
A este propósito, entre outros exemplos, lembrou a promessa do Governo de baixar os impostos em 2015, isto depois de os ter aumentado a um nível de que não há memória, bem como a afirmação de que a economia não pode desenvolver-se na base de mão-de-obra barata, depois de ter imposto cortes brutais nos salários.
«O Governo que fustiga e insulta os portugueses por alegadamente terem vivido acima das suas possibilidades, sorteia carros topo de gama, rebaixando as obrigações fiscais ao nível das rifas», salientou António Filipe, aludindo a essa tentativa desesperada dos governantes de, por um lado, «defender os méritos da austeridade» e, por outro lado, «prometer fazer daqui para a frente exactamente o contrário do que têm feito até aqui».
«Nisso se têm empenhado os membros do Governo que percorrem o País em campanha eleitoral, a reivindicar sucessos e a fazer promessas que já só enganam quem se quiser deixar enganar», anotou António Filipe, observando que tudo isso ocorre no preciso momento em que se desmantela uma unidade industrial com a importância dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, investigadores vêem as suas bolsas cortadas, pescadores impedidos de ir à faina lutam pela sobrevivência sem quaisquer apoios, novas regras são aprovadas em conselho de ministros para facilitar ainda mais os despedimentos.
«E entretanto o ministro Poiares Maduro vai percorrendo o País a anunciar os milhares de milhões que hão-de vir da União Europeia para nos garantir um futuro radioso», salientou António Filipe, que completou esse quadro dramático com que hoje se deparam os portugueses com uma irónica referência à “factura da sorte”: «um Governo a empobrecer o País e a criar excêntricos todos os dias».
Violar a Constituição
O confronto com a Constituição da República é uma das marcas fortes da acção deste Governo, sublinhou António Filipe, lembrando que isso está mais do que demonstrado pelo número de diplomas com normas já declaradas inconstitucionais e em que é recordista.
E criticou a atitude de despeito do Governo que, perante a declaração de inconstitucionalidade, em vez de a respeitar, procura encontrar um estratagema qualquer para obter o mesmo objectivo. Ou seja, «o que não consegue fazer entrar pela porta, faz toda a ginástica possível para fazer entrar pela janela», disse.
O parlamentar comunista e vice-presidente da AR acusou ainda o Governo e a maioria de quererem levar por diante uma política assente em dogmas que não se discutem. «A dívida, os juros que são impostos, isso não se discute; as opções tomadas no âmbito da União Europeia, isso não se discute», exemplificou, sublinhando que se alguém questiona alguma coisa – as consequências da entrada de Portugal no euro, por exemplo – logo a resposta da maioria é a de que «os senhores querem é sair da União Europeia».
«É muito fácil discutir assim», observou, sustentando que «quem não tem argumentos usa o único que lhe resta: o medo».
Forte com os fracos
Já sobre a forma ambivalente como o Governo aborda os contratos e compromissos que assume, consoante os actores em presença – questão suscitada por José Luís Ferreira, do PEV, a propósito da diferenciação de tratamento dada aos senhores do capital ou os reformados –, António Filipe partilhou das observações e críticas, corroborando a acusação de que efectivamente «há dois pesos e duas medidas». Isto é, referiu, quando se trata de contratos com os grandes grupos económicos, «contratos leoninos para o interesse público, como as PPP ou os SWAP, o Governo diz que são contratos que o Estado não pode renegar, mas quando se trata de contratos com os trabalhadores da administração pública ou com os reformados, aí o Estado já pode rasgar os contratos à vontade, já não são para respeitar».
Desvario eleitoralista
Realçado por António Filipe foi ainda o facto de o primeiro-ministro ter abandonado por completo ta expressão «política de verdade» tantas vezes por si usada no início do mandato. «Com o desvario eleitoralista que anda por aí, o primeiro-ministro já não conseguiria pronunciar sem corar qualquer alusão a essa política de verdade», anotou o parlamentar do PCP.
Respondia ao deputado do PS Pedro Nuno Santos, que acusara a maioria governamental de estar em «campanha permanente e de esconder que o País está hoje pior do que estava em 2011», com mais desemprego, mais pobreza, maiores desigualdades sociais.
Aquele recusara também, ao contrário do que diz o Executivo, que tenha havido no plano das exportações «uma mudança estrutural», sabendo-se que o seu acréscimo foi conseguido sobretudo à custa da refinaria de Sines. António Filipe assinalou que ninguém obviamente pode deixar de se congratular com um aumento das exportações, mas lamentou que o maior aumento neste capítulo seja o da «exportação forçada de jovens quadros qualificados que são obrigados a procurar emprego no estrangeiro».
Não deixou de sublinhar, por outro lado, que a economia nacional nunca conseguirá recuperar de forma sustentável apenas na base das exportações. «Nunca se fará sem aumentar o poder de compra dos portugueses, sem o crescimento da procura interna», frisou, recordando que o fecho de milhares de restaurantes é uma consequência da falta de dinheiro no bolso dos portugueses.
Mentira atrás de mentira
Com o discurso afinado pelo diapasão propagandístico do Governo, o deputado do PSD Mendes Bota criticou António Filipe por ter «fugido à realidade», não ver «os «sinais positivos da economia» e sua «recuperação iniludível». E levou o delírio ao ponto de dizer que o «povo português sente que estão aí os sinais – e já não são circunstanciais».
«O senhor deputado não deve sair à rua», reagiu António Filipe, que convidou o seu interlocutor a perguntar se o «País está melhor» a um trabalhador a quem foi cortado no vencimento ou a um dos muitos milhares de reformados a quem aconteceu o mesmo nas suas reformas, «reformados que têm de apoiar filhos desempregados e netos para irem à escola».
O deputado do PCP acusou ainda Mendes Bota de persistir na afirmação de que «se não fosse o dinheiro da troika não teria havido dinheiro para pagar salários», considerando esta como uma das «maiores mentiras deste Governo e da maioria».
«A troika não veio para cá para que o País tivesse dinheiro para pagar salários. Veio para que à custa de um empréstimo a juros injustos e exorbitantes houvesse dinheiro para cobrir o buraco do BPN e outros buracos provocados nas contas públicas», declarou, repondo a verdade: «havia dinheiro para pagar salários, não havia era para cobrir buracos como o do BPN».
E acusou os mentores da operação de terem «transformado dívida privada em dívida pública, pondo os salários e reformas a pagar os desvarios dos banqueiros».
Sobre os juros pagos à troika, que Mendes Bota tem como generosos, António Filipe afirmou que incomparavelmente mais baixos são aqueles que os bancos pagam por empréstimos contraídos junto do BCE, a taxas inferiores a 0,5%, empréstimos com os quais compram a nossa dívida soberana a 5,1%.
«E é por isso que estamos na situação em que estamos», concluiu.