O mundo na Festa
Com uma magnífica vista sobre a Baía do Seixal, o público do Palco 1.º de Maio apreciou, durante os três dias de Festa, ao que de melhor se faz nas «músicas do mundo». Estreias e regressos, sempre estimulantes, que encantaram com o «poder» da música, que nos entristece, emociona, diverte e cria, sempre, uma atmosfera especial que nos faz acreditar num mundo melhor.
Depois de os portões do maior evento político e cultural do nosso País terem aberto para a multidão que encheu as ruas e praças da Quinta da Atalaia, subiu ao palco Maria Alice, que, com uma voz sensual e intensa, acompanhada por instrumentos de corda (guitarra, viola e violino), brindou o público com um espectáculo inteiramente dedicado às mornas. Considerada uma das mais emblemáticas vozes cabo-verdianas, a cantora, em português e em criolo, interpretou temas como «despedida», «falso testemunho», «scuta», entre outros. Um som contagiante que nos levou a percorrer a história e a beleza de Cabo-Verde.
Mais tarde foi a vez dos Roda de Choro de Lisboa actuarem. Vestidos a rigor, procurando recriar o espírito dos seus antepassados, esta banda tocou temas que passaram do chorinho brasileiro ao tango. Os ritmos portugueses fizeram, de igual forma, parte do espectáculo, que, de forma apaixonada, transmitiu um grande momento de alegria a todos os espectadores.
Silêncio, que se cantou, de seguida, o fado. Considerada uma das mais promissoras vozes do nosso País, Vanessa Alves encantou todo o auditório com a sua força. A noite terminou com a voz potente de Francisco Naia, que nos falou de liberdade, amor e sonhos.
A luta dos povos
Depois de uma noite absolutamente mágica, onde não faltaram os reencontros e os encontros, a gastronomia, a boa música, o desporto, entre muitos outros atractivos, no sábado, a programação do espaço iniciou-se com os Postcard Brass Band. Sob a influência do jazz de Nova Orleães e da world music, esta formação – composta por Mário Marques (saxofone soprano), Ruben Santos (trombone), Sérgio Carolino (sousafone) e Michael Louren (bateria) - apostou, por um lado, nas interpretações enérgicas, e, por outro, nos temas melancólicos, onde o improviso foi uma constante.
A tarde prosseguiu com mais jazz, desta vez a cargo dos Telectu (Jorge Lima Barreto e Vítor Ruas) que trouxeram três músicos de prestígio: Jonas Runa (computador), Eddie Prevost (bateria) Janie Coleman (trompete). Numa nova era musical, onde o digital começa a ter cada vez mais o seu lugar, este espectáculo conciliou várias tipologias da música actual: erudita, noise, improviso, contemporânea, entre outras.
Do jazz passámos para os ritmos latino-americanos, com os Voces del Sur, que nos falaram da luta que se trava, em várias vertentes, na América Latina. Porque muitas vezes resistir é vencer, uma das músicas mais aclamados e cantados pelo público foi mesmo o Hasta Siempre Comandante Che Guevara. Um projecto apaixonante constituído por Valentina Montoya Martinez, David Russell, Gerardo Ballesteros e May Halyburton.
Mais tarde, os ritmos quentes do lado de lá do Atlântico deram lugar ao fado. Carla Pires, artista que se tem vindo a afirmar internacionalmente, encantou o público com a sua forte presença em palco. Ali interpretou temas, entre outros, de Zeca Afonso e Ary dos Santos. «O homem das castanhas», Cacilheiro, Cavalo à solta e Estrela da tarde foram alguns dos temas mais aplaudidos. «Já tinha saudades deste público. É único», disse, no final, a fadista.
As pausas, mais ou menos de 10 minutos, permitiam que aquela imensa multidão pudesse refrescar a sua sede, trocar ideias, falar do espectáculo que ali aconteceu, programar o resto do dia na Festa do Avante!.
O jazz voltou a ter destaque neste espaço, desta vez com Nelson Cascais, que ali apresentou o seu último trabalho: Guruka. Com um repertório sólido, a genialidade do contrabaixo, do saxofone, da guitarra, da fender rhodes (teclas) e da bateria, individualmente ou em conjunto, proporcionaram momentos únicos de grande espectacularidade.
Enquanto se preparava o palco para o irlandês Seth Lakeman, a «malta» aproveitou para tirar umas fotos de grupo, «para mais tarde recordar». Outros demonstravam as suas habilidades na arte circense, uma constante naquele espaço. Com temas harmoniosos, românticos e enérgicos, esta formação trouxe até à Atalaia um extraordinário repertório de sons e ritmos da verde ilha atlântica. Poor man's heaven, Song's of the drum, Crimson Dawn, foram algumas das músicas apresentadas por «Seth Lakeman», possuidor de uma voz envolvente e de uma forte presença em palco.
Público fervoroso
Seguiu-se um tributo, a cargo dos Frei Fado d'EL Rei, a Zeca Afonso, um dos grandes génios da música portuguesa. Com forte inspiração na música medieval, adaptadas aos tempos actuais, esta formação - composta por Carla Lopes, Cristina Bacelar, Jorge Ribeiro, Ricardo Costa, Rui Tinoco e Zagalo - é detentora de um som rico, equilibrado e muito harmonioso. «Comboio descendente» e «A morte saiu à rua» fizeram as delícias do público, que fez, durante o espectáculo, de coro bem afinado.
Já com a noite instalada, subiram ao palco os norte-americanos Hazmat Modine. Percorrendo vários estilos, que vão desde as músicas afro-americanas até ao folk, passando pelos blues e pelo rock, esta banda apresentou um som potente, onde se evidenciou o trompete e a guitarra. No final um tango, que pôs toda a gente a dançar. Uma volta aos sons do mundo, onde reinou a alegria e a boa disposição.
Depois de Laurent Filipe ter apresentado um espectáculo com os seus «filmes de sempre», foi a vez de Guy Davies actuar. À Festa trouxe o melhor do blues. Composições originais, da melhor safra, que nos contam histórias do tempo da escravatura e das injustiças do mundo. Com uma voz rouca e potente, o norte-americano deu um verdadeiro espectáculo de blues guitar.
O dia terminou em grande com Maria João e Mário Laginha. Acompanhados por saxofone, bateria e contrabaixo, este afamado duo extrapolou mais uma vez fronteiras com a sua capacidade de improviso, tanto a nível vocal como no piano.
Intervenção e cool jazz
O domingo, no Palco 1.º de Maio, ficou marcado pela actuação de, no primeiro concerto do dia, Luísa Amaro, uma habituée da Festa, que atrai, para onde vai, uma cada vez maior legião de fãs. Crescida artisticamente com Carlos Paredes, a guitarrista, acompanhada por vários músicos (guitolão, clarinete e percussão) ultrapassou os conhecidos limites da guitarra portuguesa, «arrastando-a» para culturas mediterrânicas, designadamente árabes.
Seguiu-se Samuel Quedas, um artista de Abril, lutador e defensor dos seus ideais. Intimamente ligado à música de intervenção, sempre revolucionária e com a força da razão, os temas interpretados fizeram-nos viajar pelo romantismo de vários estilos musicais: Celta, Francófona e da América Latina.
Por seu lado, os João Lencastre's Communion trouxeram à Festa um estilo de jazz calmo, original, menos frenético, muito agradável de se ouvir. Um género de cool jazz, caracterizado por composições elaboradas, que nos levaram a momentos de grande descontracção e tranquilidade. Antes, com início às 16 horas, actuaram os The Soaked Lamb, uma banda que conjuga o jazz com o blues, transformando-os em ritmos sensuais, brilhantemente interpretados por Mariana Lima.
Do medieval ao fado
Depois do «belo» e «extraordinário» comício de encerramento, onde estiveram muitos milhares de pessoas, grande parte deles jovens, foi a vez de Aldina Duarte subir ao palco do 1.º de Maio. Possuidora de uma voz límpida e singular, a fadista, acompanhada pela guitarra portuguesa e pela viola, trouxe à Festa histórias do passado, de amor e de Lisboa, contadas na primeira pessoa. «Princesa prometida», «A rua mais lisboeta», «Não vou, não vou», «Quadras de amor errante» foram alguns dos temas ali cantados. Um espectáculo que comprova que o «caminho» de Aldina Duarte «não tem fim».
A programação do Auditório 1.º de Maio terminou em grande, com a actuação de Tereza Salgueiro, que nos trouxe o seu último trabalho discográfico intitulado «Matriz». Um espectáculo inspirado nas recolhas fonográficas de Fernando Lopes-Graça e Michael Giacometti, um dos homenageados na edição deste ano da Festa do Avante!. Durante mais de uma hora de actuação, a cantora, acompanhada pelos músicos da Lusitana Ensemble, proporcionou uma pequena viagem temporal e geográfica pela música portuguesa tradicional, que passou do medieval até ao tradicional e popular. O fado e a música contemporânea, com uma versão da Carvalhesa, também marcaram presença. «Vira da desfolhada», «Canções da roda», «Corridinho do Montinho», «Voltarei à minha terra» e «Por este rio acima», foram outros dos temas apresentados, que contaram, como é hábito naquele espaço, com a voz e o entusiasmo do público.
No final, com os rostos e os olhares já cansados, dançou-se a Carvalhesa e, com um abraço fraterno e um beijo de saudade, despedimo-nos da Atalaia, com um «Até amanhã, camaradas».
Depois de os portões do maior evento político e cultural do nosso País terem aberto para a multidão que encheu as ruas e praças da Quinta da Atalaia, subiu ao palco Maria Alice, que, com uma voz sensual e intensa, acompanhada por instrumentos de corda (guitarra, viola e violino), brindou o público com um espectáculo inteiramente dedicado às mornas. Considerada uma das mais emblemáticas vozes cabo-verdianas, a cantora, em português e em criolo, interpretou temas como «despedida», «falso testemunho», «scuta», entre outros. Um som contagiante que nos levou a percorrer a história e a beleza de Cabo-Verde.
Mais tarde foi a vez dos Roda de Choro de Lisboa actuarem. Vestidos a rigor, procurando recriar o espírito dos seus antepassados, esta banda tocou temas que passaram do chorinho brasileiro ao tango. Os ritmos portugueses fizeram, de igual forma, parte do espectáculo, que, de forma apaixonada, transmitiu um grande momento de alegria a todos os espectadores.
Silêncio, que se cantou, de seguida, o fado. Considerada uma das mais promissoras vozes do nosso País, Vanessa Alves encantou todo o auditório com a sua força. A noite terminou com a voz potente de Francisco Naia, que nos falou de liberdade, amor e sonhos.
A luta dos povos
Depois de uma noite absolutamente mágica, onde não faltaram os reencontros e os encontros, a gastronomia, a boa música, o desporto, entre muitos outros atractivos, no sábado, a programação do espaço iniciou-se com os Postcard Brass Band. Sob a influência do jazz de Nova Orleães e da world music, esta formação – composta por Mário Marques (saxofone soprano), Ruben Santos (trombone), Sérgio Carolino (sousafone) e Michael Louren (bateria) - apostou, por um lado, nas interpretações enérgicas, e, por outro, nos temas melancólicos, onde o improviso foi uma constante.
A tarde prosseguiu com mais jazz, desta vez a cargo dos Telectu (Jorge Lima Barreto e Vítor Ruas) que trouxeram três músicos de prestígio: Jonas Runa (computador), Eddie Prevost (bateria) Janie Coleman (trompete). Numa nova era musical, onde o digital começa a ter cada vez mais o seu lugar, este espectáculo conciliou várias tipologias da música actual: erudita, noise, improviso, contemporânea, entre outras.
Do jazz passámos para os ritmos latino-americanos, com os Voces del Sur, que nos falaram da luta que se trava, em várias vertentes, na América Latina. Porque muitas vezes resistir é vencer, uma das músicas mais aclamados e cantados pelo público foi mesmo o Hasta Siempre Comandante Che Guevara. Um projecto apaixonante constituído por Valentina Montoya Martinez, David Russell, Gerardo Ballesteros e May Halyburton.
Mais tarde, os ritmos quentes do lado de lá do Atlântico deram lugar ao fado. Carla Pires, artista que se tem vindo a afirmar internacionalmente, encantou o público com a sua forte presença em palco. Ali interpretou temas, entre outros, de Zeca Afonso e Ary dos Santos. «O homem das castanhas», Cacilheiro, Cavalo à solta e Estrela da tarde foram alguns dos temas mais aplaudidos. «Já tinha saudades deste público. É único», disse, no final, a fadista.
As pausas, mais ou menos de 10 minutos, permitiam que aquela imensa multidão pudesse refrescar a sua sede, trocar ideias, falar do espectáculo que ali aconteceu, programar o resto do dia na Festa do Avante!.
O jazz voltou a ter destaque neste espaço, desta vez com Nelson Cascais, que ali apresentou o seu último trabalho: Guruka. Com um repertório sólido, a genialidade do contrabaixo, do saxofone, da guitarra, da fender rhodes (teclas) e da bateria, individualmente ou em conjunto, proporcionaram momentos únicos de grande espectacularidade.
Enquanto se preparava o palco para o irlandês Seth Lakeman, a «malta» aproveitou para tirar umas fotos de grupo, «para mais tarde recordar». Outros demonstravam as suas habilidades na arte circense, uma constante naquele espaço. Com temas harmoniosos, românticos e enérgicos, esta formação trouxe até à Atalaia um extraordinário repertório de sons e ritmos da verde ilha atlântica. Poor man's heaven, Song's of the drum, Crimson Dawn, foram algumas das músicas apresentadas por «Seth Lakeman», possuidor de uma voz envolvente e de uma forte presença em palco.
Público fervoroso
Seguiu-se um tributo, a cargo dos Frei Fado d'EL Rei, a Zeca Afonso, um dos grandes génios da música portuguesa. Com forte inspiração na música medieval, adaptadas aos tempos actuais, esta formação - composta por Carla Lopes, Cristina Bacelar, Jorge Ribeiro, Ricardo Costa, Rui Tinoco e Zagalo - é detentora de um som rico, equilibrado e muito harmonioso. «Comboio descendente» e «A morte saiu à rua» fizeram as delícias do público, que fez, durante o espectáculo, de coro bem afinado.
Já com a noite instalada, subiram ao palco os norte-americanos Hazmat Modine. Percorrendo vários estilos, que vão desde as músicas afro-americanas até ao folk, passando pelos blues e pelo rock, esta banda apresentou um som potente, onde se evidenciou o trompete e a guitarra. No final um tango, que pôs toda a gente a dançar. Uma volta aos sons do mundo, onde reinou a alegria e a boa disposição.
Depois de Laurent Filipe ter apresentado um espectáculo com os seus «filmes de sempre», foi a vez de Guy Davies actuar. À Festa trouxe o melhor do blues. Composições originais, da melhor safra, que nos contam histórias do tempo da escravatura e das injustiças do mundo. Com uma voz rouca e potente, o norte-americano deu um verdadeiro espectáculo de blues guitar.
O dia terminou em grande com Maria João e Mário Laginha. Acompanhados por saxofone, bateria e contrabaixo, este afamado duo extrapolou mais uma vez fronteiras com a sua capacidade de improviso, tanto a nível vocal como no piano.
Intervenção e cool jazz
O domingo, no Palco 1.º de Maio, ficou marcado pela actuação de, no primeiro concerto do dia, Luísa Amaro, uma habituée da Festa, que atrai, para onde vai, uma cada vez maior legião de fãs. Crescida artisticamente com Carlos Paredes, a guitarrista, acompanhada por vários músicos (guitolão, clarinete e percussão) ultrapassou os conhecidos limites da guitarra portuguesa, «arrastando-a» para culturas mediterrânicas, designadamente árabes.
Seguiu-se Samuel Quedas, um artista de Abril, lutador e defensor dos seus ideais. Intimamente ligado à música de intervenção, sempre revolucionária e com a força da razão, os temas interpretados fizeram-nos viajar pelo romantismo de vários estilos musicais: Celta, Francófona e da América Latina.
Por seu lado, os João Lencastre's Communion trouxeram à Festa um estilo de jazz calmo, original, menos frenético, muito agradável de se ouvir. Um género de cool jazz, caracterizado por composições elaboradas, que nos levaram a momentos de grande descontracção e tranquilidade. Antes, com início às 16 horas, actuaram os The Soaked Lamb, uma banda que conjuga o jazz com o blues, transformando-os em ritmos sensuais, brilhantemente interpretados por Mariana Lima.
Do medieval ao fado
Depois do «belo» e «extraordinário» comício de encerramento, onde estiveram muitos milhares de pessoas, grande parte deles jovens, foi a vez de Aldina Duarte subir ao palco do 1.º de Maio. Possuidora de uma voz límpida e singular, a fadista, acompanhada pela guitarra portuguesa e pela viola, trouxe à Festa histórias do passado, de amor e de Lisboa, contadas na primeira pessoa. «Princesa prometida», «A rua mais lisboeta», «Não vou, não vou», «Quadras de amor errante» foram alguns dos temas ali cantados. Um espectáculo que comprova que o «caminho» de Aldina Duarte «não tem fim».
A programação do Auditório 1.º de Maio terminou em grande, com a actuação de Tereza Salgueiro, que nos trouxe o seu último trabalho discográfico intitulado «Matriz». Um espectáculo inspirado nas recolhas fonográficas de Fernando Lopes-Graça e Michael Giacometti, um dos homenageados na edição deste ano da Festa do Avante!. Durante mais de uma hora de actuação, a cantora, acompanhada pelos músicos da Lusitana Ensemble, proporcionou uma pequena viagem temporal e geográfica pela música portuguesa tradicional, que passou do medieval até ao tradicional e popular. O fado e a música contemporânea, com uma versão da Carvalhesa, também marcaram presença. «Vira da desfolhada», «Canções da roda», «Corridinho do Montinho», «Voltarei à minha terra» e «Por este rio acima», foram outros dos temas apresentados, que contaram, como é hábito naquele espaço, com a voz e o entusiasmo do público.
No final, com os rostos e os olhares já cansados, dançou-se a Carvalhesa e, com um abraço fraterno e um beijo de saudade, despedimo-nos da Atalaia, com um «Até amanhã, camaradas».