Espaço de fruição e criação
«O acesso das massas à cultura não pode ser compreendido como o privilégio ou passatempo das elites, mas como a fruição e prática diária do povo inteiro». Estas palavras de Álvaro Cunhal, inscritas num extracto mais longo do discurso proferido na 1.ª Assembleia de Artes e Letras da ORL do PCP em 1978, foram lidas por muitas centenas visitantes num imenso painel vermelho colocado na entrada do Avanteatro, onde se destacava igualmente a saudosa figura do grande actor e militante comunista Canto e Castro.
Apesar das profundas transformações operadas na área da cultura após o 25 de Abril,
boa parte das quais ainda hoje continuam a dever-se à intervenção decisiva do Poder Local (recorde-se, como exemplo de relevo, a inauguração do magnífico Teatro Municipal de Almada da inteira responsabilidade da autarquia comunista), a democratização da cultura, em especial fora dos grandes centros, é um objectivo ainda longínquo que, de resto, há muito foi excluído do fechado leque de prioridades das governações à direita.
Por isso, mais do que uma singela homenagem ao dirigente histórico, recordar a forma a como Álvaro Cunhal equacionou o problema em 1978 é uma reafirmação da justeza da política cultural desde sempre defendida do PCP, cujo eixo central passa obrigatoriamente pela garantia do acesso de todos à fruição e à criação.
Este entendimento próprio dos comunistas determinou o movimento de descentralização cultural nos anos da Revolução, continuando hoje a marcar não só a imensa obra que protagonizam no poder local como também a influenciar a acção de eleitos autárquicos de outras forças políticas que se esforçam por levar palcos às populações e populações aos palcos.
Seguramente que o panorama cultural do País seria muito mais pobre e elitista, não fosse o empenho demonstrado por muitas autarquias no apoio à produção artística e na organização e patrocínio de eventos que permitem a sua fruição por amplas camadas da população. É que, neste como em muitos outros domínios da vida social e económica, o mercado capitalista revela-se ineficiente e inoperante, dada a dificuldade - leia-se impossibilidade - de obtenção de lucros que satisfaçam os investidores e patrocinadores privados.
Uma realização ímpar
Precursora no campo da oferta cultural, a Festa do «Avante!» continua a ser um exemplo inigualável no nosso país, quer pela qualidade e variedade das suas propostas quer pelo público que atrai, abrangendo um amplo espectro de camadas sociais e extractos etários.
Enquanto espaço essencialmente dedicado às artes cénicas, o Avanteatro tem sido ao longo do anos um espaço de encontro e convívio entre artes e correntes, proporcionando uma programação diversificada, na qual, para além do teatro de palco, tem assumido lugar de relevo o teatro de rua, a dança e a música.
Este ano, pela primeira vez, as tardes de sábado e domingo foram ocupadas com a exibição de dois documentários de inegável interesse. «Memórias de um Rio – Avieiros, Os Nómadas do Tejo», é um trabalho de Francisco Manso, que foi distinguido em 2004 com o prémio lusofonia no Festival CineEco, promovido pela CM de Seia e o Instituto do Cinema.
Regressando ao tema do romance homónimo de Alves Redol, o realizador recorda o percurso de uma comunidade piscatória originária da Praia de Vieira de Leiria que se foi fixando no Tejo, na primeira metade do século passado, procurando o seu sustento na pesca do sável. O filme inclui impressivos testemunhos dos últimos representantes desta raça de pescadores, também conhecidos como «ciganos do mar» por povoarem as águas do rio com as suas embarcações que lhes serviam de casa.
«Weapons of Mass Deception», de Danny Schechter, é outro documentário de grande actualidade que denuncia a gigantesca máquina de propaganda montada pelos Estados Unidos para dar cobertura à invasão do Iraque. Ficamos a saber, por exemplo, que as imagens do derrubamento da estátua de Saddam Hussein, após a entrada das tropas norte-americanas em Bagdade, não passaram de um mera encenação para as televisões. Ou que o Hotel Palestina, onde se encontrava a maioria dos correspondentes estrangeiros, foi deliberadamente bombardeado para provocar a saída de jornalistas não controlados pelo Pentágono. Um filme obrigatório que pode ser visualizado e adquirido em www.wmdthefilm.com.
Apoteose no palco
Todos os anos se produzem momentos inesquecíveis que nos deixam arrepiados de emoção e nos fazem esquecer por completo o calor ou a dureza das cadeiras do Avanteatro, o ruído de fundo da festa popular que continua lá fora, as constantes movimentações das pessoas que vão ocupando todos lugares, o chão, as escadas e as entradas laterais até à enchente total.
Um desses momentos aconteceu na noite de sábado com Maria do Céu Guerra interpretando o monólogo de Gil Vicente, «O Pranto de Maria Parda». A actriz soube galvanizar uma plateia imensa, enfrentou e tirou partido de uma multidão que já lhe invadia parte do palco, não hesitando em penetrar nas primeiras filas sentadas no chão, representando no seio uma assistência extasiada.
«Esta Lisboa está cheia de vielas», improvisou a actriz quando tentava alcançar a boca de cena, serpenteando por entre as pernas cruzadas do público que lhe abria passagem.
No final, todos se levantaram aplaudindo efusivamente a magistral interpretação. A interminável ovação só foi interrompida por Maria do Céu Guerra que pediu uma salva de palmas para «o grande actor e nosso camarada Canto e Castro», o homenageado da edição deste ano do Avanteatro.
Para além dos espectáculos no palco, que registamos nesta página com imagens fotográficas, no Bar, Vera Mantero e Gabriel Godoi interpretaram Caetano Veloso, Inês Nogueira trouxe o jazz e a poesia e o grupo «O Menino é Lindo», a música popular com sopros e as percussões que encerraram a programação no domingo.
Apesar das profundas transformações operadas na área da cultura após o 25 de Abril,
boa parte das quais ainda hoje continuam a dever-se à intervenção decisiva do Poder Local (recorde-se, como exemplo de relevo, a inauguração do magnífico Teatro Municipal de Almada da inteira responsabilidade da autarquia comunista), a democratização da cultura, em especial fora dos grandes centros, é um objectivo ainda longínquo que, de resto, há muito foi excluído do fechado leque de prioridades das governações à direita.
Por isso, mais do que uma singela homenagem ao dirigente histórico, recordar a forma a como Álvaro Cunhal equacionou o problema em 1978 é uma reafirmação da justeza da política cultural desde sempre defendida do PCP, cujo eixo central passa obrigatoriamente pela garantia do acesso de todos à fruição e à criação.
Este entendimento próprio dos comunistas determinou o movimento de descentralização cultural nos anos da Revolução, continuando hoje a marcar não só a imensa obra que protagonizam no poder local como também a influenciar a acção de eleitos autárquicos de outras forças políticas que se esforçam por levar palcos às populações e populações aos palcos.
Seguramente que o panorama cultural do País seria muito mais pobre e elitista, não fosse o empenho demonstrado por muitas autarquias no apoio à produção artística e na organização e patrocínio de eventos que permitem a sua fruição por amplas camadas da população. É que, neste como em muitos outros domínios da vida social e económica, o mercado capitalista revela-se ineficiente e inoperante, dada a dificuldade - leia-se impossibilidade - de obtenção de lucros que satisfaçam os investidores e patrocinadores privados.
Uma realização ímpar
Precursora no campo da oferta cultural, a Festa do «Avante!» continua a ser um exemplo inigualável no nosso país, quer pela qualidade e variedade das suas propostas quer pelo público que atrai, abrangendo um amplo espectro de camadas sociais e extractos etários.
Enquanto espaço essencialmente dedicado às artes cénicas, o Avanteatro tem sido ao longo do anos um espaço de encontro e convívio entre artes e correntes, proporcionando uma programação diversificada, na qual, para além do teatro de palco, tem assumido lugar de relevo o teatro de rua, a dança e a música.
Este ano, pela primeira vez, as tardes de sábado e domingo foram ocupadas com a exibição de dois documentários de inegável interesse. «Memórias de um Rio – Avieiros, Os Nómadas do Tejo», é um trabalho de Francisco Manso, que foi distinguido em 2004 com o prémio lusofonia no Festival CineEco, promovido pela CM de Seia e o Instituto do Cinema.
Regressando ao tema do romance homónimo de Alves Redol, o realizador recorda o percurso de uma comunidade piscatória originária da Praia de Vieira de Leiria que se foi fixando no Tejo, na primeira metade do século passado, procurando o seu sustento na pesca do sável. O filme inclui impressivos testemunhos dos últimos representantes desta raça de pescadores, também conhecidos como «ciganos do mar» por povoarem as águas do rio com as suas embarcações que lhes serviam de casa.
«Weapons of Mass Deception», de Danny Schechter, é outro documentário de grande actualidade que denuncia a gigantesca máquina de propaganda montada pelos Estados Unidos para dar cobertura à invasão do Iraque. Ficamos a saber, por exemplo, que as imagens do derrubamento da estátua de Saddam Hussein, após a entrada das tropas norte-americanas em Bagdade, não passaram de um mera encenação para as televisões. Ou que o Hotel Palestina, onde se encontrava a maioria dos correspondentes estrangeiros, foi deliberadamente bombardeado para provocar a saída de jornalistas não controlados pelo Pentágono. Um filme obrigatório que pode ser visualizado e adquirido em www.wmdthefilm.com.
Apoteose no palco
Todos os anos se produzem momentos inesquecíveis que nos deixam arrepiados de emoção e nos fazem esquecer por completo o calor ou a dureza das cadeiras do Avanteatro, o ruído de fundo da festa popular que continua lá fora, as constantes movimentações das pessoas que vão ocupando todos lugares, o chão, as escadas e as entradas laterais até à enchente total.
Um desses momentos aconteceu na noite de sábado com Maria do Céu Guerra interpretando o monólogo de Gil Vicente, «O Pranto de Maria Parda». A actriz soube galvanizar uma plateia imensa, enfrentou e tirou partido de uma multidão que já lhe invadia parte do palco, não hesitando em penetrar nas primeiras filas sentadas no chão, representando no seio uma assistência extasiada.
«Esta Lisboa está cheia de vielas», improvisou a actriz quando tentava alcançar a boca de cena, serpenteando por entre as pernas cruzadas do público que lhe abria passagem.
No final, todos se levantaram aplaudindo efusivamente a magistral interpretação. A interminável ovação só foi interrompida por Maria do Céu Guerra que pediu uma salva de palmas para «o grande actor e nosso camarada Canto e Castro», o homenageado da edição deste ano do Avanteatro.
Para além dos espectáculos no palco, que registamos nesta página com imagens fotográficas, no Bar, Vera Mantero e Gabriel Godoi interpretaram Caetano Veloso, Inês Nogueira trouxe o jazz e a poesia e o grupo «O Menino é Lindo», a música popular com sopros e as percussões que encerraram a programação no domingo.