Racionalizar custos

Acesso ao medicamento é um direito essencial

Da produção à distribuição, em Portugal, de há muitos anos a esta parte, tudo o que diz respeito ao medicamento pertence à esfera da economia privada.

Alterar uma situação de que resultam enormes prejuízos para o país foi uma das primeiras preocupações da Revolução de Abril. Em 7 de Fevereiro de 1975, o Conselho de Ministros aprovou o que designou Programa de Política Económica e Social onde se escreveu:

«O esquema de assistência medicamentosa actualmente existente é um esquema de mercado livre em que a Previdência suporta, na quase totalidade, as consequências (...).

«Tal situação necessita de uma revisão do sistema utilizado, para minorar rapidamente o incremento do défice económico (...)

«Impõe-se, portanto:

a) Elaboração de medidas legislativas tendentes à redução da margem de lucro na venda de medicamentos (...)

b) Redução de fabrico e importações de produtos medicamentosos à base dos mesmos produtos químicos;

c) Adopção do Formulário Nacional de Produtos Farmacêuticos.»


Passados 30 anos os problemas são os mesmos.


A Lei 56/79, de 15 de Setembro de 1979, que pela primeira vez deu forma ao Serviço Nacional de Saúde afirmava no seu Artigo 65.º que: «O Governo elaborará, no prazo de seis meses a contar da publicação da presente Lei (...) o Formulário Nacional de Medicamentos, tendo em vista a racionalização do consumo e a valorização do sector nacional, público e privado.»

A 3 de Janeiro de 1980, toma posse o 1.º Governo PSD/CDS(PP), que se apressou a revogar essa e outra legislação que se propunha dar forma ao SNS. É espantoso que apareçam agora os responsáveis por trinta anos de atraso arvorados em defensores da modernidade e do progresso na política do medicamento.


Um latifúndio
privado na Saúde


A dependência externa neste sector vital para os portugueses traduz-se no facto de o défice externo no sector ter passado de 25 milhões de contos em 1990, para 142,4 milhões de contos no ano 2000.

Face a um Estado frouxo e desarmado pela mão de governos da sua cor, o sector do medicamento, indústria e comércio farmacêutico, foram impondo «acordos» leoninos a quem tinha por dever defender os interesses dos contribuintes, assumem-se como os detentores da «formação» médica, forçam a manutenção no receituário de produtos para os quais não existe evidência de interesse clínico ou até são desaconselhados, sacam directamente dos bolsos dos doentes cada vez mais grossas maquias.

No ano 2000, a despesa com a comparticipação de medicamentos ultrapassava, no SNS, os 320 milhões de contos e os 35% do total da despesa.

Sem incluir a despesa dos hospitais, a comparticipação com medicamentos passou no ambulatório, de 61,3 milhões de contos em 1990 (16,9% da despesa total do SNS), para 208 milhões de contos em 2000 (22,8% da despesa total do SNS).

Ao mesmo tempo que propagandeiam os altos investimentos em investigação e desenvolvimento para justificar os elevados custos dos medicamentos, os donos da indústria farmacêutica empregam em Portugal mais de metade (57,13%) dos seus efectivos nas áreas de marketing e são acusados, em todo o mundo, de não dar prioridade ao combate às doenças que atingem e matam as populações dos países mais pobres.

Só tanto investimento em marketing (leia-se publicidade), pode explicar que ainda sejam comparticipados produtos como ADALGUR N; RELMUS; COLTRMYL; GAMIBETAL; GABOMADE; GABISEDIL PEDIÁTRICO, para só citarmos alguns entre muitos outros, quando o no próprio Prontuário Terapêutico, distribuído pelo Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) aos médicos, se lê que «a sua utilização não é recomendada», «a sua utilidade clínica é duvidosa», «não deve ser utilizado».

Entre 1996 e 2000, o que o doente pagou em média do seu bolso por uma receita passada em consulta no Centro de Saúde, passou de 2338 escudos para 3063 escudos, quantas vezes por produtos cuja utilização o INFARMED desaconselha. Um aumento de 31%, ou seja três vezes superior à taxa de inflação (10,6%) nesse mesmo período.


«Preço de referência»
sai caro ao utente


O que os doentes pagam directamente pelos medicamentos que lhe são prescritos são talvez a mais pesada das «taxas moderadoras» que lhes são impostas no acesso aos serviços de saúde, correspondendo a maior parte das vezes entre 20 a 60 por cento do preço de venda ao público.

A proposta de um Formulário Nacional de Medicamentos colocou-se por isso desde a primeira hora, ao PCP e a todos os que defendem o efectivo direito à saúde, como um indispensável instrumento de salvaguarda do interesse dos doentes e de um serviço nacional de saúde gratuito, com garantia de qualidade dos produtos farmacêuticos capazes de dar a resposta mais eficaz ao universo de doenças conhecidas.

Face às desastrosas consequências para o SNS e para os doentes da política de direita na área do medicamento, o PCP apresentou em 1998 na Assembleia da República um Projecto de Lei, inviabilizado pelo então governo socialista, visando «a racionalização dos gastos públicos na área do medicamento, garantindo, simultaneamente, a melhoria do acesso dos utentes aos cuidados medicamentosos». Aí estavam inscritos a implantação de um Formulário Nacional de Medicamentos, a prescrição médica por substância activa, nome genérico ou DCI em todo o SNS, o desenvolvimento do mercado de genéricos, a função farmácia no âmbito de SNS e a dispensa gratuita no SNS de medicamentos cuja comparticipação fique mais dispendiosa ao Estado.

Por insistência do PCP, o Projecto de Lei foi aprovado em 6 de Julho de 2000, quando o descontrolo com as despesas com os medicamentos já se tornara escandaloso.

Ao assumir o Governo, a coligação PSD/CDS/PP alterou a Lei, introduzindo o chamado «preço de referência», o que, num contexto em que o médico recuse a prescrição de medicamento genérico, levará o doente a pagar pelo medicamento de marca prescrito muito mais do que aquilo que paga actualmente (ver alguns exemplos no Quadro). Para evitar esta situação, o PCP propôs na Assembleia da República, a inclusão de uma cláusula garantia para que o preço do medicamento não ficasse mais caro ao utente. Recentemente, a maioria parlamentar chumbou esta proposta mostrando mais uma vez quais são os interesses que defende nesta área.



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