A demagogia do Governo

O Governo defende a sua política com uma intensa e demagógica propaganda, que visa instrumentalizar o descontentamento da população e esconder os seus reais intentos. Eis algumas das suas «verdades».

- «Não quero saber de ideologias, quero é resolver os problemas». Com esta muito repetida frase o ministro da Saúde pretende incutir a ideia de que os defensores do Serviço Nacional de Saúde e do seu carácter público se regem por preconceitos políticos e ideológicos, enquanto o Governo, desprovido de ideologia, apenas se preocuparia com os problemas concretos. Na verdade tenta disfarçar as suas reais opções políticas e ideológicas, de mercantilização dos cuidados de saúde e de favorecimento dos interesses privados.

- «O Governo não tem complexos com o sector privado». Assim se justifica uma crescente transferência dos cuidados de saúde para entidades privadas, à custa dos dinheiros públicos e abdicando de utilizar as capacidades do Serviço Nacional de Saúde. O Estado paga a outros para fazer aquilo para que ele próprio tem capacidade.

- «O Governo tem muito respeito pelos profissionais de saúde mas antes dos seus direitos vêm os direitos dos utentes». Assim se justifica o ataque aos direitos dos profissionais de saúde. Na verdade não há qualquer contradição entre direitos de quem trabalha na saúde e as necessidades dos utentes. O que verdadeiramente prejudica o utente é que os profissionais de saúde estejam crescentemente sujeitos à precariedade, a critérios de gestão economicistas ou à degradação das suas condições de trabalho.

- «É preciso separar o financiador do prestador de cuidados de saúde». É a doutrina neoliberal para a privatização dos sectores sociais, remetendo o Estado para a função de tesoureiro, passando a financiar o sector privado e retirando-se da prestação de cuidados de saúde. Tal significaria um enfraquecimento dos serviços públicos e uma dependência crescente dos privados, que passariam a poder impor na prática os preços a cobrar, provocando um aumento de custos, para além de se tornar mais difícil garantir a qualidade dos serviços.

- «É preciso assegurar a liberdade de escolha do utente». Vem na sequência da questão anterior. O Estado pagaria os cuidados de saúde independentemente de eles serem prestados nos serviços públicos ou nos privados. Por detrás desta aparente consideração pelas decisões do cidadão, está uma forma de entregar mais «clientes» ao sector privado. Aliás, não há nenhuma liberdade de escolha quando se promove a ineficiência dos serviços públicos e as populações não encontram aí a resposta a que têm direito. O que o governo pretende impor é uma verdadeira opção forçada pelo sector privado.

- «A gestão privada e empresarial garante uma maior produtividade e eficiência». É a velha ideia de que a gestão pública é por natureza ineficiente e a privada eficiente. Mas foram os sucessivos governos (PSD, PS e CDS) que burocratizaram a gestão pública, impuseram o subfinanciamento e a falta de pessoal e nomearam os seus boys para as administrações, a quem nunca responsabilizaram por gestões incompetentes ou danosas.

- «objectivo do governo é garantir um médico assistente para cada cidadão». Trata-se de esconder a abertura à privatização de centros de saúde, abdicando da qualificação específica dos médicos de medicina geral e familiar. Na verdade, o que o governo quer fazer é distribuir aritmeticamente os utentes pelos médicos de família existentes aumentando o ficheiro de cada um e recorrendo a médicos sem a especialização necessária.

- «Quem tem mais recursos deve pagar a saúde mais cara». Trata-se de atacar a universalidade do direito à saúde. Atrás da ideia de que é justo que os ricos paguem mais pelos seus cuidados de saúde, por exemplo nas taxas moderadoras (não explicando aliás por que não se faz isso nos impostos), está a tentativa de partir a espinha ao Serviço Nacional de Saúde, delapidando-o de recursos e dividindo os seus utentes. De um lado, ficariam os potencialmente lucrativos para as companhias de seguros; do outro, os que, tendo mais baixos rendimentos, continuariam a depender dos serviços públicos de saúde.

- «A despesa com saúde não pode continuar a crescer». Seria assim preciso diminuir os gastos. Mas na verdade a percentagem do orçamento público da saúde em relação ao PIB está em Portugal abaixo da média europeia, sendo que, o crescimento da despesa tem sido nos últimos anos, no fundamental, causado pelo aumento da porção dos dinheiros públicos entregues aos interesses privados.

- «Mais consultas, mais cirurgias, mais transplantes». É o pregão do ministro para esconder os verdadeiros objectivos da ofensiva contra o SNS: a entrega aos privados da fileira de prestação de cuidados, centros de saúde, hospitais e cuidados continuados; o incremento dos seguros de saúde; a avaliação dos serviços em função da quantidade de actos praticados; e a limitação dos cuidados de saúde ao tratamento da doença. Quanto aos transplantes o ministro esqueceu-se de que não podia decretar o aumento de órgãos disponíveis...



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A privatização faz mal à Saúde

O Governo fez aprovar na Assembleia da República uma alteração à Lei de Bases da Saúde, que estipula um novo modelo de estatuto jurídico para os hospitais. Posteriormente publicou os decretos-lei da «empresarialização» de 31 unidades hospitalares. Agora prepara-se para, na prática, privatizar os centros de saúde e os restantes hospitais. Este é um processo que não é novo.

A saúde não pode esperar

Os atrasos no atendimento dos utentes do SNS para a realização de cirurgias, consultas de especialidade ou de outro tipo de prestação de cuidados de saúde são uma realidade absolutamente inadmissível que os sucessivos governos não quiseram resolver.

As injustas taxas «moderadoras»

As taxas ditas moderadoras, na forma que hoje têm, foram criadas na sequência da revisão constitucional, resultante do célebre acordo Cavaco Silva (PSD)/Vítor Constâncio (PS), que veio passar a dizer que a Saúde é «tendencialmente gratuita».

Uma função insubstituível

Os cuidados primários integrados estão na base da concepção moderna da saúde da população. O médico de família, o enfermeiro e outros profissionais têm um papel insubstituível no acompanhamento dos cidadãos ao longo da vida, sendo determinantes na prevenção da doença.

O País precisa de mais médicos...

A evolução tecnológica, o desenvolvimento das políticas de prevenção da doença e da promoção do bem-estar, a construção de novas unidades hospitalares e de centros de saúde são circunstâncias que exigem mais e melhores recursos humanos na área da saúde.

Factos e números da OMS

Nos últimos 30 anos e em especial depois do 25 de Abril e da criação do SNS, a taxa de mortalidade teve uma evolução impressionante, baixando de 58,6 por cada mil nados vivos, em 1970, para 5,4, em 2000 (ver quadro).

Um erro a corrigir

Vítor Andrade é membro da Comissão de Utentes do Hospital Amadora-Sintra que foi constituída em 1995, quando o então já derrotado Governo do PSD, nas vésperas da constituição do novo executivo socialista, entregou à pressa a gestão deste importante e valioso investimento público à gestão do Grupo Mello.

O Hospital Amadora/Sintra nasceu mal

Na construção do Hospital, foi adoptado pela primeira vez o processo de concepção/construção que, segundo o governo do então primeiro-ministro Cavaco Silva, permitiria construir este tipo de equipamentos de forma rápida, barata, e com qualidade. O resultado foi o oposto.

Frases do relatório da Inspecção Geral de Finanças

«Segundo esta entidade [sociedade gestora do Amadora/Sintra] existiam, em Novembro de 2001, 5931 doentes em lista de espera para cirurgia.» «Duas das unidades privadas com quem a HASSG [Hospital Amadora Sintra - Sociedade Gestora] contratou a prestação de cuidados de saúde aos...