Centenário de José Saramago de Montemor-o-Novo a Bruxelas

Os 100 anos sobre o nas­ci­mento de José Sa­ra­mago con­ti­nuam a dar o mote para ce­le­brar o es­critor uni­versal, in­te­lec­tual de Abril e mi­li­tante co­mu­nista. Assim foi em Mon­temor-o-Novo e no Par­la­mento Eu­ropeu.

José Sa­ra­mago es­crevia para de­sas­sos­segar e in­ter­pelar

Sob o lema «Es­critor uni­versal, in­te­lec­tual de Abril, mi­li­tante co­mu­nista», o Par­tido pro­moveu, no do­mingo, 20, uma sessão em torno da obra «Le­van­tado do Chão». Na Bi­bli­o­teca Mu­ni­cipal de Mon­temor-o-Novo, a evo­cação contou com tes­te­mu­nhos como o de An­tónio Vi­nagre, um dos as­sa­la­ri­ados ru­rais com quem José Sa­ra­mago con­versou para me­lhor co­nhecer João Serra e cons­truir a per­so­nagem de João Mau-Tempo, bem como para apro­fundar co­nhe­ci­mento sobre a vida dos tra­ba­lha­dores em Lavre nos tempos di­fí­ceis do fas­cismo, da fome e da mi­séria.

Na ini­ci­a­tiva, de acordo com nota en­viada pela Di­recção da Or­ga­ni­zação Re­gi­onal de Évora do PCP, também pas­saram pelo palco o grupo coral alen­te­jano «Fora d’Horas» e o ex-pre­si­dente da Câ­mara Mu­ni­cipal de Mon­temor-o-Novo, Carlos Pinto de Sá, que lem­brou a pas­sagem de José Sa­ra­mago pelo con­celho após a atri­buição do Prémio Nobel da Li­te­ra­tura.

Pe­rante uma sala cheia, foram ainda lidos ex­certos da obra que fala do Alen­tejo sob a ex­plo­ração dos la­ti­fun­diá­rios, da vida e re­sis­tência do povo contra a opressão e da re­forma agrária, isto antes de Pa­trícia Ma­chado, da Co­missão Po­lí­tica do PCP e res­pon­sável pela Or­ga­ni­zação Re­gi­onal de Évora, in­tervir no en­cer­ra­mento.

 

Hoje como ontem

A di­ri­gente co­mu­nista, abor­dando o con­teúdo de «Le­van­tado do Chão», sa­li­entou que «Sa­ra­mago con­tri­buiu para que não se re­es­cre­vesse a his­tória», porque, jus­ti­ficou, «co­nhecer e com­pre­ender o pas­sado ajuda a cons­truir o fu­turo».

Pa­trícia Ma­chado in­sistiu que «Sa­ra­mago não deixou, com esta obra, que se mate o exemplo de luta, de co­ragem, de trans­for­mação de que o povo alen­te­jano foi obreiro», e su­bli­nhou que «Le­van­tado do Chão» foi «um livro que quis apro­ximar-se da vida».

«É também assim que con­tinua a ser a acção do PCP. Saídos da ex­tra­or­di­nária Con­fe­rência Na­ci­onal “Tomar a ini­ci­a­tiva, re­forçar o Par­tido, res­ponder às novas exi­gência”, que­remos ligar o Par­tido ainda mais à vida, levar por di­ante as 20 li­nhas de tra­balho que dali saíram», pros­se­guiu Pa­trícia Ma­chado, para quem, «como na­quele tempo que Sa­ra­mago tão bem des­creve, também hoje os tra­ba­lha­dores estão con­fron­tados com ata­ques aos seus di­reitos e a luta de classes não só não ter­minou como se acentua».

Nesse sen­tido, hoje como antes, «é ne­ces­sário agregar ho­mens, mu­lheres e jo­vens, de­mo­cratas e pa­tri­otas na luta», con­cluiu.

 

Uni­versal

Antes, a 16 de No­vembro, jus­ta­mente no dia em que José Sa­ra­mago com­ple­taria 100 anos, os de­pu­tados do PCP no Par­la­mento Eu­ropeu (PE) as­si­na­laram a efe­mé­ride com uma sessão in­ti­tu­lada «José Sa­ra­mago: uma obra de valor uni­versal», cujo ob­jec­tivo foi di­vulgar e de­bater «a obra li­te­rária de um dos mai­ores es­cri­tores de língua por­tu­guesa, re­co­nhe­cido in­ter­na­ci­o­nal­mente, ven­cedor do Prémio Nobel da Li­te­ra­tura, des­ta­cado in­te­lec­tual com re­co­nhe­cido papel na luta contra o fas­cismo e na Re­vo­lução de Abril», in­formou o ga­bi­nete de im­prensa dos de­pu­tados do PCP no PE.

A sessão evo­ca­tiva contou com in­ter­ven­ções ini­ciais de João Pi­menta Lopes, de­pu­tado do PCP no PE, Pina Pi­ci­erno, vice-pre­si­dente do PE, Martin Schir­dewan, co-pre­si­dente do Grupo Con­fe­deral Es­querda Uni­tária Eu­ro­peia / Es­querda Verde Nór­dica – a Es­querda no PE, Ma­nuel Pi­neda, de­pu­tado do PCE no PE, e da es­cri­tora Ana Mar­ga­rida de Car­valho, em re­pre­sen­tação da Fun­dação José Sa­ra­mago.

A sessão be­ne­fi­ciou ainda da lei­tura de ex­certos da obra de José Sa­ra­mago, a cargo de Na­zaré Vinha, tra­du­tora, e Maria João Ra­poso, lei­tora de Sa­ra­mago.

Na sua in­ter­venção, João Pi­menta Lopes, des­tacou «o homem e o per­curso que o marcou e à sua es­crita, a sua sen­si­bi­li­dade para in­ter­pretar, apre­ender e transpor para a li­te­ra­tura a con­dição hu­mana». Re­alçou também o es­critor de uma vasta e sin­gular obra de valor uni­versal, a sua in­te­li­gência cri­a­dora, que não se li­mitou a narrar para os que liam, de­sen­vol­vendo a his­tória a todos aqueles que a fa­zendo não a es­crevem».

O eleito co­mu­nista enal­teceu, ainda, o es­critor que, «na sua obra “Le­van­tado do Chão”, tão bem soube tra­duzir as lutas e a co­ragem do povo do Alen­tejo pe­rante a ava­reza e a vi­o­lência as­sas­sina dos la­ti­fun­diá­rios e do fas­cismo, que er­gueu a pulso desse chão de pla­ní­cies, de sa­cri­fí­cios e de so­nhos, de tór­rido sol e largas dis­tân­cias, a mais bela con­quista de Abril – a Re­forma Agrária».

Pina Pi­ci­erno, por seu lado, des­tacou a ca­pa­ci­dade do es­critor de cons­truir ale­go­rias e de como a nar­ra­tiva ab­surda é também uma forma de re­sis­tência para con­ti­nuar a longa jor­nada com a hu­ma­ni­dade, bem como o seu papel na de­fesa da li­ber­dade co­lec­tiva e a luta pela igual­dade. Já Martin Schir­dewan re­alçou o an­ti­fas­cista e o de­fensor da de­mo­cracia e da igual­dade que foi José Sa­ra­mago e ques­ti­onou qual seria a sua visão do mo­mento ac­tual ante a as­censão das forças de ex­trema-di­reita.

Por sua vez, Ma­nuel Pi­neda des­tacou a uni­ver­sa­li­dade e am­pli­tude da obra do «ca­ma­rada Sa­ra­mago», capaz de juntar, como nesta sessão, de­pu­tados de di­fe­rentes países e de di­versos grupos po­lí­ticos.

 

Servir o povo

Em re­pre­sen­tação da Fun­dação José Sa­ra­mago, Ana Mar­ga­rida de Car­valho su­bli­nhou que «contra todas as evi­dên­cias», tendo em conta as suas ori­gens hu­mildes, José Sa­ra­mago tornou-se um es­critor à es­cala pla­ne­tária, sendo, além do mais, al­guém que es­crevia para de­sas­sos­segar e in­ter­pelar, mesmo a his­tória ofi­cial; que ilu­mi­nava os anó­nimos, os es­que­cidos da his­tória.

A es­cri­tora chamou também a atenção para o pen­sador livre, que em cada ro­mance re­agia contra as en­fer­mi­dades do pla­neta: o ge­no­cídio, a vi­o­lência, o ca­pi­ta­lismo, a de­vas­tação am­bi­ental, os dogmas da igreja, du­vi­dando sis­te­ma­ti­ca­mente e fa­zendo do ques­ti­o­na­mento uma prá­tica e da de­núncia uma missão.

To­maram ainda da pa­lavra, para breves tes­te­mu­nhos, os de­pu­tados Gi­orgos Ge­or­giou, Mas­si­mi­liano Sme­ri­glio e Clare Daly. O de­pu­tado do AKEL, do Chipre, sa­li­entou que Sa­ra­mago não adoptou o con­ceito bur­guês da arte pela arte, mas sim a arte na pers­pe­tiva mar­xista, que serve as pes­soas e as causas. Já o de­pu­tado do PD, de Itália, enal­teceu o in­te­lec­tual in­con­tor­nável do séc. XX, o an­ti­fas­cista e o co­mu­nista, com uma lei­tura cons­ci­ente, lú­cida, mas também trá­gica do mundo, ao passo que a De­pu­tada do I4C, da Ir­landa, re­latou o de­sas­sos­sego pro­vo­cado pelo «En­saio sobre a Ce­gueira».

 

Ex­po­sição

Após a sessão evo­ca­tiva, os de­pu­tados do PCP no PE inau­gu­raram a ex­po­sição «José Sa­ra­mago: Es­critor uni­versal, in­te­lec­tual de Abril, mi­li­tante co­mu­nista», que contou com in­ter­ven­ções da de­pu­tada do PCP Sandra Pe­reira e da es­cri­tora Ana Mar­ga­rida de Car­valho.

Entre ou­tros as­pectos, Sandra Pe­reira des­tacou a in­ter­venção po­lí­tica de um homem que tomou Par­tido na luta pela li­ber­dade, pela de­mo­cracia, contra as de­si­gual­dades so­ciais, por um mundo me­lhor e di­fe­rente; enal­teceu o mi­li­tante co­mu­nista que em ne­nhuma cir­cuns­tância es­condeu ou iludiu a con­dição de membro do PCP, e sa­li­entou a ne­ces­si­dade de pro­jectar a obra e o le­gado de José Sa­ra­mago.

 

Ou­tras evo­ca­ções

«Que seria de nós se não so­nhás­semos?» é a frase ins­crita na placa que evoca, desde dia 16, em Se­túbal, o nome e a obra de José Sa­ra­mago. A ho­me­nagem pro­mo­vida pela Câ­mara Mu­ni­cipal com­pleta a efec­tuada a 18 de Junho, já que a placa com a frase re­ti­rada do ro­mance «Me­mo­rial do Con­vento», foi agora co­lo­cada junto à oli­veira então plan­tada na Ave­nida Luísa Todi, frente ao Mer­cado do Li­vra­mento, numa ini­ci­a­tiva do Te­atro Es­túdio Fon­te­nova com a co­la­bo­ração da au­tar­quia.

Já no pró­ximo dia 29, terça-feira, na Casa do Alen­tejo, em Lisboa, o Mo­vi­mento pelos Di­reitos do Povo Pa­les­tino e pela Paz no Médio Ori­ente – MPPM, as­socia o Dia In­ter­na­ci­onal de So­li­da­ri­e­dade com o povo pa­les­ti­niano à evo­cação do cen­te­nário do nas­ci­mento de José Sa­ra­mago.

Como de­talha o MPPM, que dá vá­rios exem­plos ocor­ridos ao longo dos anos, «o drama do povo pa­les­tino, a sua causa na­ci­onal, a sua he­róica luta contra a ocu­pação e pela li­ber­dade, teve em José Sa­ra­mago uma voz em­pe­nhada, co­ra­josa e sen­ti­da­mente so­li­dária».

A ini­ci­a­tiva re­a­liza-se a partir das 18 horas e conta com a par­ti­ci­pação da pre­si­dente do MPPM, Maria do Céu Guerra, e de Carlos Al­meida, vice-pre­si­dente do MPPM, Nabil Abuz­nald, em­bai­xador da Pa­les­tina em Por­tugal, Carlos Matos Gomes, es­critor e mi­litar de Abril, e Pilar del Rio, pre­si­dente da Fun­dação José Sa­ra­mago, que en­viará uma men­sagem de vídeo.

 

Bli­munda

No dia 16, «uma de­le­gação do PCP, que in­te­grou o Se­cre­tário-geral do Par­tido, Paulo Rai­mundo, Jorge Pires, da Co­missão Po­lí­tica do Co­mité Cen­tral, e Rosa Ra­biais, da Co­missão Cen­tral de Con­trolo, as­sistiu, a con­vite da di­recção da Opart e da Fun­dação José Sa­ra­mago, à ópera in­te­grada nas co­me­mo­ra­ções do cen­te­nário do es­critor, ins­pi­rada numa per­so­nagem do livro «Me­mo­rial do Con­vento», «Bli­munda». Esta foi uma ini­ci­a­tiva que, para além da evo­cação de José Sa­ra­mago, cons­ti­tuiu um grande mo­mento cul­tural.

 



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