- Nº 2556 (2022/11/24)

Centenário de José Saramago de Montemor-o-Novo a Bruxelas

PCP

Os 100 anos sobre o nascimento de José Saramago continuam a dar o mote para celebrar o escritor universal, intelectual de Abril e militante comunista. Assim foi em Montemor-o-Novo e no Parlamento Europeu.

Sob o lema «Escritor universal, intelectual de Abril, militante comunista», o Partido promoveu, no domingo, 20, uma sessão em torno da obra «Levantado do Chão». Na Biblioteca Municipal de Montemor-o-Novo, a evocação contou com testemunhos como o de António Vinagre, um dos assalariados rurais com quem José Saramago conversou para melhor conhecer João Serra e construir a personagem de João Mau-Tempo, bem como para aprofundar conhecimento sobre a vida dos trabalhadores em Lavre nos tempos difíceis do fascismo, da fome e da miséria.

Na iniciativa, de acordo com nota enviada pela Direcção da Organização Regional de Évora do PCP, também passaram pelo palco o grupo coral alentejano «Fora d’Horas» e o ex-presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, Carlos Pinto de Sá, que lembrou a passagem de José Saramago pelo concelho após a atribuição do Prémio Nobel da Literatura.

Perante uma sala cheia, foram ainda lidos excertos da obra que fala do Alentejo sob a exploração dos latifundiários, da vida e resistência do povo contra a opressão e da reforma agrária, isto antes de Patrícia Machado, da Comissão Política do PCP e responsável pela Organização Regional de Évora, intervir no encerramento.

 

Hoje como ontem

A dirigente comunista, abordando o conteúdo de «Levantado do Chão», salientou que «Saramago contribuiu para que não se reescrevesse a história», porque, justificou, «conhecer e compreender o passado ajuda a construir o futuro».

Patrícia Machado insistiu que «Saramago não deixou, com esta obra, que se mate o exemplo de luta, de coragem, de transformação de que o povo alentejano foi obreiro», e sublinhou que «Levantado do Chão» foi «um livro que quis aproximar-se da vida».

«É também assim que continua a ser a acção do PCP. Saídos da extraordinária Conferência Nacional “Tomar a iniciativa, reforçar o Partido, responder às novas exigência”, queremos ligar o Partido ainda mais à vida, levar por diante as 20 linhas de trabalho que dali saíram», prosseguiu Patrícia Machado, para quem, «como naquele tempo que Saramago tão bem descreve, também hoje os trabalhadores estão confrontados com ataques aos seus direitos e a luta de classes não só não terminou como se acentua».

Nesse sentido, hoje como antes, «é necessário agregar homens, mulheres e jovens, democratas e patriotas na luta», concluiu.

 

Universal

Antes, a 16 de Novembro, justamente no dia em que José Saramago completaria 100 anos, os deputados do PCP no Parlamento Europeu (PE) assinalaram a efeméride com uma sessão intitulada «José Saramago: uma obra de valor universal», cujo objectivo foi divulgar e debater «a obra literária de um dos maiores escritores de língua portuguesa, reconhecido internacionalmente, vencedor do Prémio Nobel da Literatura, destacado intelectual com reconhecido papel na luta contra o fascismo e na Revolução de Abril», informou o gabinete de imprensa dos deputados do PCP no PE.

A sessão evocativa contou com intervenções iniciais de João Pimenta Lopes, deputado do PCP no PE, Pina Picierno, vice-presidente do PE, Martin Schirdewan, co-presidente do Grupo Confederal Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica – a Esquerda no PE, Manuel Pineda, deputado do PCE no PE, e da escritora Ana Margarida de Carvalho, em representação da Fundação José Saramago.

A sessão beneficiou ainda da leitura de excertos da obra de José Saramago, a cargo de Nazaré Vinha, tradutora, e Maria João Raposo, leitora de Saramago.

Na sua intervenção, João Pimenta Lopes, destacou «o homem e o percurso que o marcou e à sua escrita, a sua sensibilidade para interpretar, apreender e transpor para a literatura a condição humana». Realçou também o escritor de uma vasta e singular obra de valor universal, a sua inteligência criadora, que não se limitou a narrar para os que liam, desenvolvendo a história a todos aqueles que a fazendo não a escrevem».

O eleito comunista enalteceu, ainda, o escritor que, «na sua obra “Levantado do Chão”, tão bem soube traduzir as lutas e a coragem do povo do Alentejo perante a avareza e a violência assassina dos latifundiários e do fascismo, que ergueu a pulso desse chão de planícies, de sacrifícios e de sonhos, de tórrido sol e largas distâncias, a mais bela conquista de Abril – a Reforma Agrária».

Pina Picierno, por seu lado, destacou a capacidade do escritor de construir alegorias e de como a narrativa absurda é também uma forma de resistência para continuar a longa jornada com a humanidade, bem como o seu papel na defesa da liberdade colectiva e a luta pela igualdade. Já Martin Schirdewan realçou o antifascista e o defensor da democracia e da igualdade que foi José Saramago e questionou qual seria a sua visão do momento actual ante a ascensão das forças de extrema-direita.

Por sua vez, Manuel Pineda destacou a universalidade e amplitude da obra do «camarada Saramago», capaz de juntar, como nesta sessão, deputados de diferentes países e de diversos grupos políticos.

 

Servir o povo

Em representação da Fundação José Saramago, Ana Margarida de Carvalho sublinhou que «contra todas as evidências», tendo em conta as suas origens humildes, José Saramago tornou-se um escritor à escala planetária, sendo, além do mais, alguém que escrevia para desassossegar e interpelar, mesmo a história oficial; que iluminava os anónimos, os esquecidos da história.

A escritora chamou também a atenção para o pensador livre, que em cada romance reagia contra as enfermidades do planeta: o genocídio, a violência, o capitalismo, a devastação ambiental, os dogmas da igreja, duvidando sistematicamente e fazendo do questionamento uma prática e da denúncia uma missão.

Tomaram ainda da palavra, para breves testemunhos, os deputados Giorgos Georgiou, Massimiliano Smeriglio e Clare Daly. O deputado do AKEL, do Chipre, salientou que Saramago não adoptou o conceito burguês da arte pela arte, mas sim a arte na perspetiva marxista, que serve as pessoas e as causas. Já o deputado do PD, de Itália, enalteceu o intelectual incontornável do séc. XX, o antifascista e o comunista, com uma leitura consciente, lúcida, mas também trágica do mundo, ao passo que a Deputada do I4C, da Irlanda, relatou o desassossego provocado pelo «Ensaio sobre a Cegueira».

 

Exposição

Após a sessão evocativa, os deputados do PCP no PE inauguraram a exposição «José Saramago: Escritor universal, intelectual de Abril, militante comunista», que contou com intervenções da deputada do PCP Sandra Pereira e da escritora Ana Margarida de Carvalho.

Entre outros aspectos, Sandra Pereira destacou a intervenção política de um homem que tomou Partido na luta pela liberdade, pela democracia, contra as desigualdades sociais, por um mundo melhor e diferente; enalteceu o militante comunista que em nenhuma circunstância escondeu ou iludiu a condição de membro do PCP, e salientou a necessidade de projectar a obra e o legado de José Saramago.

 

Outras evocações

«Que seria de nós se não sonhássemos?» é a frase inscrita na placa que evoca, desde dia 16, em Setúbal, o nome e a obra de José Saramago. A homenagem promovida pela Câmara Municipal completa a efectuada a 18 de Junho, já que a placa com a frase retirada do romance «Memorial do Convento», foi agora colocada junto à oliveira então plantada na Avenida Luísa Todi, frente ao Mercado do Livramento, numa iniciativa do Teatro Estúdio Fontenova com a colaboração da autarquia.

Já no próximo dia 29, terça-feira, na Casa do Alentejo, em Lisboa, o Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente – MPPM, associa o Dia Internacional de Solidariedade com o povo palestiniano à evocação do centenário do nascimento de José Saramago.

Como detalha o MPPM, que dá vários exemplos ocorridos ao longo dos anos, «o drama do povo palestino, a sua causa nacional, a sua heróica luta contra a ocupação e pela liberdade, teve em José Saramago uma voz empenhada, corajosa e sentidamente solidária».

A iniciativa realiza-se a partir das 18 horas e conta com a participação da presidente do MPPM, Maria do Céu Guerra, e de Carlos Almeida, vice-presidente do MPPM, Nabil Abuznald, embaixador da Palestina em Portugal, Carlos Matos Gomes, escritor e militar de Abril, e Pilar del Rio, presidente da Fundação José Saramago, que enviará uma mensagem de vídeo.

 

Blimunda

No dia 16, «uma delegação do PCP, que integrou o Secretário-geral do Partido, Paulo Raimundo, Jorge Pires, da Comissão Política do Comité Central, e Rosa Rabiais, da Comissão Central de Controlo, assistiu, a convite da direcção da Opart e da Fundação José Saramago, à ópera integrada nas comemorações do centenário do escritor, inspirada numa personagem do livro «Memorial do Convento», «Blimunda». Esta foi uma iniciativa que, para além da evocação de José Saramago, constituiu um grande momento cultural.