Três dias valem para um ano inteiro
A Festa brilha e avança, vivida à luz do dia, solidária com as lutas do povo, engrandecida nos abraços e beijos, participada nos debates, festiva no comício, correndo Mundo levada por selfies e histórias de quem a vive, destacada nas redes, livre nas danças e cantos acompanhados de palmas, vitoriosa desde a sua origem. Chama-se Avante!, podendo chamar-se Futuro. E como este jornal na verdade é.
«– Boa Festa, camaradas!» Partilhada inúmeras vezes pelo recinto, a frase, é indicadora do ambiente seguro e fraterno, da vontade e do trabalho colectivo dos comunistas, juntando-se-lhes muitos amigos na implantação e, todos os visitantes, na sua realização. Meia dúzia de metros andados e eis que atrás, ao lado e à frente de todos Portugal prolonga-se por exposições, stands, debates, solidariedade, palco, restaurantes e arte de rua, entre muitas melhorias e novidades, como são disso exemplo as janelas naturais sobre a baía e a própria Festa abertas pela disposição do construído, a ampliação e renovação do relvado e das sombras, mais bancos, cadeiras, carregamentos de telemóveis e ecopontos de recolha selectiva.
A Festa brilha e avança dando a conhecer nas pronúncias particulares das 18 regiões presentes múltiplas manifestações culturais subidas à cena ou levantadas nas estruturas de apoio e no próprio chão, confrontando problemas reais e históricos, motivando encontros e conversas e relevando o melhor do nosso País e povo, durante três dias.
Arte de rua e cultura
A exigência de direitos para todos – consagrados na Constituição, de 1976 (o ano da 1.ª Festa) – acompanhou cada percurso dos visitantes dando-lhes a saber que podem contar com o Partido Comunista Português, todos os dias, estejam onde estiverem.
Nas regiões, o trabalho dos artistas resultou na divulgação criativa das soluções defendidas e apresentadas pelo Partido junto das populações e dos governos, tendo por meta a soberania e a diminuição da dependência externa. Atendendo à leitura feita em poucos passos reivindicou-se a valorização dos preços dos produtos das pesca e da agricultura pagos ao produtor, a fixação do preço do combustível, o aumento dos salários e do salário mínimo e do investimento; a defesa dos valores de Abril, da paz contra a guerra, e excertos de poemas, canções e textos de Adriano Correia de Oliveira, António Gervásio, Armando de Castro, Ary dos Santos, António Gedeão, José Gomes Ferreira, Manuel da Fonseca, Óscar Lopes e José Saramago, a réplica da ficha da PIDE de Guilherme da Costa Carvalho, pintados que elevam à qualidade de campanha muralista (sim! grafa-se com u) toda a decoração; a memória evocativa do centenário do nascimento de Américo Lázaro Leal e de Fernando Blanqui Teixeira, registando passagens marcantes das suas vidas dedicadas ao cumprimento das tarefas e expondo publicações das quais são autores. Telas com tábuas cronológicas de lutas sempre actuais – os 60 anos da conquista das 8 horas de trabalho (de 1944 a 1969), as mais de mil e duzentas prisões decorrentes da Revolta do Leite-Madeira e da luta académica de 1962, os mais de 600 presos políticos detidos pelo fascismo no Forte de São João Baptista-Terceira, as eleições para as juntas de freguesia em 1971, com a reprodução das notícias saídas à época no Avante!, no Camponês e na Via Latina e o Guia do Recenseamento para as eleições das juntas de freguesia de 1971, de José Henriques Varela, as lutas pela ferrovia do nordeste transmontano (desde 1903 até à data, com a presença consequente dos comunistas como prova a reprodução de tantos materiais) e dos vitivinicultores pela Casa do Douro; quatro esculturas que levaram mais arte às regiões – cravos, símbolos comunistas e estrela, muito usadas nas brincadeiras das crianças; pórticos identificativos de regiões usando técnicas de bordados e ourivesaria; e ainda, a contradição deste tempo contra a qual todos os povos são chamados a intervir: mais de 160 milhões de pessoas lançadas na pobreza enquanto a duplicação das fortunas dos dez homens mais ricos atinge 1300 milhões de dólares por dia.
O eclético e exigente programa do Palco Paz (ver aqui) levou os visitantes a encher o belo campo verde fronteiro ou as sombras do arvoredo lateral, mesmo com a Cidade Internacional, a Juventude, o 25 de Abril, o 1.º de Maio, o Avanteatro, o Cinavante ali tão perto.Combinando qualidade e diversidade o programa seguiu além do entretenimento e contou com cerca de três centenas de artistas que levaram cante, poesia, oficinas – gaitas, adufes e danças –, música de intervenção, popular, instrumental e filarmónica. Aplaudiram-se cantadores cujo rigor no trajar camponês remonta a uma origem funda ao mostrarem a distinção social existente até Abril lhe pôr termo e remeter ao passado velho que importa conhecer para não mais tornar; poetas populares que levam às rimas o que vêem e sentem; coros mistos com vozes de tessituras várias interpretando cantigas populares ou na escrita dos compositores e, por vezes, surpreendendo ao apresentarem em forma musicada uma poesia conhecida; conjuntos com repertório próprio que elevando as potencialidades dos instrumentos criam efeitos densos e electrizantes, e outros que reinterpretam ou transformam canções conhecidas ou ouvidas pela primeira vez, algumas centenárias que tal como hoje extraem das lutas comuns e dos conflitos de classe o sentido nunca desgastado das palavras, avivam o sonho pela construção da sociedade nova e estimulam o gosto pela intervenção, e artistas aliando oficinas e espectáculos.
Com espaço próprio, o fado contou com 22 fadistas, oito músicos, pedidos de canta mais um e muitos aplausos. A abertura e fecho, feitos com o fado intitulado Marcha do Jornal Avante!, cujo refrão junto de xailes e do contorno de uma guitarra portuguesa fez parte do cenário e podia ser seguido, motivando os visitantes a juntarem as suas vozes à voz deixada em gravação por Fernando Farinha – autor da letra e da música. Neste espaço foi apresentado o 30.º Caderno Vermelho. Na proximidade, livros e objectos usados e de colecção e um sai-sempre.
A animação de rua por centenas de músicos de várias idades dos Tocá Rufar, Bombos de Niza e Gaiteiros de Bravães surpreendia à sua passagem. Ritmo, melodia e coordenação dos tocadores uníssonos à sinalética do maestro e à interligação ao conjunto provaram o trabalho insistente até tocarem versões transformadas de temas tradicionais, rock e pop, mostrando com a sua prática a música direito de todos. Com o Zé do Burrinho e o Xico Ovelha (do Ao Luar Teatro), dupla estreante na Festa, as gargalhadas soaram altas. O trato fino com que na peça unplugged on tour trataram os problemas do dia-a-dia não permitiu trair quem pelas suas singularidades está retratado no guião original ou pela rápida improvisação dos actores também foi incluído nos três espectáculos feitos.
Debates e solidariedade
Nas esplanadas das regiões discutiu-se o Mundo e a resistência dos povos em oito momentos de Solidariedade e o País em 15 debates, centrados nas realidades, desconstruindo preconceitos e servindo ao esclarecimento sobre as posições tomadas pelo Partido, desafiando todos a lerem a imprensa e os materiais editados pelos comunistas, a serem consequentes na discussão, a perguntar e a voltar a perguntar as vezes necessárias, a deporem de viva voz, sobre temas inquietantes e provocadores, porque o ganho está em viver com verdade e a perda em depender das notícias-de-pensamento-único-cuja-pretensão-é-fazer-entrar-a-pior-ilusão-na-vida-de-todos.
Produtos regionais
Reunidos os grupos – muitos contam quatro gerações –, sobre os tabuleiros o conteúdo dos pratos e das tigelas revela bem o périplo feito pelas padarias, tasquinhas, pastelarias, adegas e restaurantes regionais. Nas cozinhas os produtos de cada terra são transformados em refeições leves ou de tacho agradando a quem come peixe, carne, marisco, vegetariano, sem glúten ou lactose. A multiplicidade de sopas e caldos, petiscos, ‘pratos principais’, doces, frutas, sumos, vinhos, bolos, licores, digestivos e espumantes exclusivos das ilhas e do continente torna incomparável a oferta levada que dá fama e reconhecimento a cada região. Para o visitante estreante toda a selecção de produtos juntamente com o artesanato até pode parecer, em um primeiro momento, uma mania dos comunistas mais novos ou atenuar da saudade dos mais velhos. Seguindo tal possibilidade na liberdade da escrita, essa ideia apenas pode perdurar até se deparar com debates, exposições e murais – sim! vêm ao caso –, porque neste tempo, como em outros, a riqueza gastronómica e o vasto património de saber e fazer de mão-cheia intrinsecamente portugueses não podem e não devem estar desligados das lutas e anseios pelo aumento da produção nacional, da urgência e necessidade da protecção da terra, do mar e das espécies, da valorização e do respeito pelos produtores e trabalhadores – garantias da soberania alimentar e produtiva do nosso País, sempre defendida pelo Partido.
Com vista para a baía, um palco, uma praça, as sombras naturais e as erguidas em ligação com a natureza somam na qualidade do território ocupado pelas regiões, como por toda a Festa. A limpeza e a concepção convidam a repor energias, com os mais pequenos a fazerem sestas tranquilas e em vários locais – como no Palco Paz – ao som dos grilos a cantar, ao final de cada dia.
Ao soarem os acordes da bela Carvalhesa ouve-se o apelo para deixar o recinto. Novos e velhos iguais, como diz Ary, confluem para as portas. É um mar de visitantes a descer ou a subir ruas, a deixar praças, a dar mais um abraço, a brindar outra vez e a afirmar que volta (há lá melhor apreço?) porque na 46.ª Festa viveram como o sonho é construído em vida, mantendo a identidade de cada região e das populações.
Alta, a bandeira sonhada, ondula. Nas portas ouve-se «Bom regresso a casa. Saúde. Até para o ano, camaradas!»