Jaime Serra deixa-nos o exemplo de «revolucionário de corpo inteiro»

«O percurso de vida, o seu exemplo de militante e dirigente do PCP, perdurará em todos e em cada um de nós para prosseguirmos a luta de emancipação dos trabalhadores e dos povos que o animou», assegurou Jerónimo de Sousa no último adeus a Jaime Serra, que faleceu quarta-feira, dia 9.

Jaime Serra nunca vacilou nas suas fortes convicções

O Secretário-geral do PCP falava no funeral de Jaime Serra, a meio da manhã de sábado, 12, no cemitério do Alto de São João, para onde o corpo do militante e destacado dirigente comunista seguiu a encerrar as cerimónias fúnebres, iniciadas a meio da tarde de sexta-feira, 11.

Pelo velório passaram centenas de camaradas e amigos que fizeram questão de prestar a última homenagem ao resistente antifascista, ao construtor da liberdade e de Abril, ao defensor das conquistas revolucionárias e democráticas. Alguns cumprindo mesmo períodos de «guarda de honra» junto ao caixão, coberto com a bandeira rubra do PCP, o qual só seguiu para o destino final depois de membros dos organismos executivos do Comité Central teremprocedido à «guarda de honra» final.

Muitos foram também os que estiveram no Alto de São João na derradeira homenagem a Jaime Serra, num adeus de gratidão emocionada, donde sobressaiu a férrea determinação em prosseguir o combate ao qual aquele militante comunista se dedicou integralmente. Foi por isso a vida do «revolucionário de corpo inteiro», como lhe chamou Jerónimo de Sousa, que se saudou – quando se ergueram punhos e cravos, alguns distribuídos pela família no final dos discursos; quando se gritou «PCP!» ou «25 de Abril sempre, fascismo nunca mais!»; quando a multidão cantou «Jornada», heróica de Fernando Lopes Graça com letra de José Gomes Ferreira que assenta na saudação da vida de um herói.

«Hoje, na tua morte, queremos festejar a tua vida», disse, aliás, José Serra, filho de Jaime Serra, numa breve intervenção em que destacou ainda a partilha que o pai fez, com filhos e netos, do «amor que tiveste pela vida», de «um século de vida plena», das «páginas da tua vida, alegres e tristes, páginas da tua dedicação ao Partido e aos teus camaradas, páginas da tua resistência à tortura e das audazes fugas para a liberdade, páginas da tua criatividade e engenho, páginas do teu combate contra o fascismo e pela liberdade, páginas de carinho e amor para com a tua família e pela tua companheira de sempre».

Inquebrantável

Jaime Serra foi um «combatente corajoso, firme e decidido que, em muitos e difíceis momentos da vida do nosso Partido e da luta do nosso povo mas também de outros povos, foi capaz de enfrentar as mais inauditas situações e os maiores perigos, sem por um momento quebrar ou desistir», sublinhou, por seu lado, o Secretário-geral do PCP, que recordando que Jaime Serra «foi um homem de acção que desde muito jovem tomou o partido da luta pela emancipação dos trabalhadores e pela libertação do nosso povo do jugo fascista, pela liberdade e a democracia, por uma sociedade nova, liberta da exploração do homem pelo homem», realçou igualmente que «o seu percurso de combatente incansável ao serviço dos trabalhadores e do povo é a história de uma vida cheia, tomando em mãos as mais diversificadas e importantes tarefas de direcção política e institucionais, algumas das quais envolvendo enormes riscos e grande responsabilidade, que na sua execução revelam o homem de fibra, nervos de aço e profundas convicções de revolucionário comunista».

Pontuando a sua intervenção com notas biográficas sobre Jaime Serra (ver caixa), Jerónimo de Sousa salientou ainda que o militante comunista «tomou o seu lugar na luta dos trabalhadores contra a exploração (...) numa época ao mesmo tempo dramática e exaltante. Dramática, porque o fascismo mostrava as suas garras, sucedendo-se os actos de perseguição e violência sobre o movimento operário e seus dirigentes e activistas. Exaltante, porque estes eram então tempos de um intenso e duro combate, de intensa actividade reivindicativa e revolucionária, de uma esclarecida acção sindical e política».

«Jaime Serra foi um homem que nunca vacilou nas suas fortes convicções e o regime fascista que oprimiu o nosso povo durante décadas não foi capaz de o vergar, apesar das contínuas e prolongadas sessões de tortura físicas e psicológicas, das sucessivas prisões, retomando sempre a cada evasão a linha da frente do nosso colectivo combate que haveria nessa madrugada de Abril de 1974 resgatar a liberdade e iniciar um caminho novo, ainda inacabado, de fraternidade, justiça e progresso, numa sociedade nova que queremos e não desistimos de alcançar», prosseguiu o dirigente comunista, antes de frisar que «com a Revolução de Abril em marcha, Jaime Serra desenvolverá uma multifacetada intervenção no plano partidário, dando o seu contributo nas batalhas em defesa da Revolução nascente».

«Uma intensa actividade que exercerá em todas as fases da edificação da democracia, dando uma activa contribuição para as grandes transformações democráticas e para as grandes conquistas e, depois, na luta de resistência à ofensiva de recuperação capitalista e monopolista contra Abril promovida por Governos de PS, PSD e CDS», acrescentou.

Assim, «a vida de Jaime Serra e a sua conduta de corajoso e firme revolucionário são fonte inspiradora para as gerações futuras», já que se apresentou «sempre, fosse em que condições fosse, disposto a lutar, sempre e sempre com aquela confiança dos que têm firmes convicções na justeza dos ideais que abraçou e aos quais deu sempre o melhor da sua vida de revolucionário».

Continuamos

Ora, o percurso de Jaime Serra «está ligado e tem a marca da história ímpar de um Partido que, com outros, ajudou a construir». «Este Partido centenário a quem declararam já mil vezes a morte e que mil vezes surgiu renovado, determinado e convicto encabeçando a luta dos trabalhadores e do povo. Este Partido que continua de pé, determinado, confiante e combativo a olhar e a caminhar para a frente, consciente dos perigos e dos tempos difíceis que se apresentam, mas não perdendo de vista a linha do horizonte, nem o percurso que temos de percorrer com as nossas forças e a força da nossa convicção, transportando o nosso projecto transformador e emancipador», disse também Jerónimo de Sousa, para quem se o PCP, «que conta com 100 anos de vida e um trajecto com uma história heróica e ímpar na sociedade portuguesa, chegou até aqui com a vitalidade que a sua acção e intervenção expressa na vida nacional dos nossos dias», tal se deve ao «contributo de homens como Jaime Serra, que em momento algum se deixaram intimidar e tudo enfrentaram com tenacidade e muita coragem».

Por isso, «o PCP que sempre honraste e ajudaste a construir com uma longa e dedicada militância para servir os trabalhadores, o nosso povo, a nossa luta pela liberdade, a democracia e o socialismo, não te esquecerá!», concluiu.

 

Notas biográficas

Nascido a 22 de Janeiro de 1921, em Alcântara, Lisboa, Jaime Serra foi forçado a abandonar os estudos e a trabalhar para ajudar a sustentar a família de quatro irmãos. Com 12 anos, vai trabalhar como servente na construção das novas oficinas dos caminhos-de-ferro no Barreiro e pernoita nos estaleiros da obra.

O «baptismo de fogo» de Jaime Serra acontece após a jornada de luta de 18 de Janeiro de 1934 e na sequência da prisão de um sindicalista das oficinas da CP, numa paralisação em sua defesa e na qual se envolve participando e mobilizando.

Em Janeiro de 1937, com apenas 15 anos, foi preso pela primeira vez. A partir de 1940 integra a célula do PCP no Arsenal do Alfeite, tendo sido responsável pela célula e sucessivamente da direcção do sector das Construções Navais de Lisboa.

Participou na direcção da greve das Construções Navais de Lisboa, em Abril de 1947, passando à clandestinidade em Setembro desse ano, com a sua mulher Laura e a pequena filha Maria Armanda.

Após ter passado à clandestinidade, como funcionário do PCP, integrou o Comité Local de Lisboa, em 1951 integra a Direcção do Norte e em 1952 a Direcção de Lisboa, ano em que integra o Comité Central e, posteriormente, o seu Secretariado.

Entre 1947 e 1958 foi preso por três vezes e por três vezes conseguiu fugir das cadeias fascistas, para além de outras tentativas falhadas. A quarta e última prisão ocorreu em Dezembro de 1958 e a última fuga é a histórica fuga da Fortaleza de Peniche, em 3 de Janeiro de 1960, tendo desempenhado responsabilidades na sua preparação, organização e direcção no interior da cadeia com Joaquim Gomes e Álvaro Cunhal.

Entre prisões e fugas, Jaime Serra, participa na dinamização dos combates eleitorais para a Presidência da República que o regime fascista transformou sempre em farsa e burla eleitoral, casos das candidaturas de Norton de Matos e Humberto Delgado. Num quadro de repressão brutal que atinge o Partido, continuará dedicado a esse incessante trabalho de criar e concretizar células de empresa, aprofundar a ligação às massas e dinamizar a luta.

Jaime Serra está na organização do V Congresso do PCP, em 1957, onde proferiu uma intervenção sobre a questão colonial que serviu de base à Declaração, aprovada pelo Congresso ,em que se afirma o reconhecimento incondicional do direito dos povos das colónias à imediata e completa independência. De resto, em Junho de 1962 tem destacado papel na direcção, organização e transporte (onde participou directamente) por via marítima entre Lisboa e o Norte de África, para a saída clandestina de Portugal de Agostinho Neto e Vasco Cabral, grande iniciativa de solidariedade internacionalista do PCP.

Entre 1971 e 1974 assumiu responsabilidades pela organização e direcção da ARA – Acção Revolucionária Armada. O crescente desenvolvimento da luta da classe operária e dos trabalhadores, as acções da ARA vão contribuir para aprofundar a crise do regime fascista e acelerar a acção revolucionária dos militares de Abril.

Após a Revolução de Abril de 1974, Jaime Serra desempenhou as mais variadas responsabilidades enquanto membro da Comissão Política do Comité Central, participa em todos os grandes acontecimentos do processo revolucionário, lutando pelo reforço do Partido, em defesa da aliança Povo-MFA, na dinamização da acção de massas, intervindo na batalha ideológica, na construção da unidade e convergência de todas as camadas não monopolistas e na acção institucional.

Jaime Serra foi deputado à Assembleia Constituinte e, posteriormente, à Assembleia da República pelos distritos de Setúbal e Coimbra até 1983. Foi membro do Comité Central do PCP durante 36 anos, desde 1952 a 1988. Foi membro do Secretariado do CC de 1956 a 1958, da sua Comissão Executiva de 1963 a 1970, da Comissão Política do CC alguns anos na clandestinidade e do 25 de Abril até 1988. Entre 1988 a 1996 foi membro da Comissão Central de Controlo e Quadros e posteriormente da Comissão Central de Controlo.

Jaime Serra deixa obras onde inscreve a experiência e vivência própria da luta e actividade política e partidária, editadas pelas Edições «Avante!», designadamente «Eles têm o direito de saber», «As explosões que abalaram o fascismo», «O abalo do poder» e «12 Fugas das Prisões de Salazar».

 

 



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