A grande greve dos pescadores de Matosinhos foi há 60 anos
HISTÓRIA «Ao fim de 70 dias de greve, grande vitória dos pescadores de Matosinhos», gritava a manchete do Avante! n.º 278, de Junho de 1959, ou seja, há exactamente seis décadas.
O papel do PCP foi determinante para o êxito da greve
Há 60 anos culminava uma das mais longas lutas de uma classe profissional durante a ditadura fascista. Uma luta vitoriosa para a qual foram decisivas a unidade, a coragem, a solidariedade e a confiança, e que, tendo sido iniciada em Matosinhos, rapidamente se espalhou aos pescadores de outras localidades, nomeadamente Murtosa, Espinho, Afurada, Vila do Conde e Póvoa de Varzim.
Não foi a primeira luta que estes pescadores travaram no decorrer da ditadura fascista. A exploração, a miséria e a fome obrigaram-nos a inúmeras e criativas formas de luta ao longo dos anos que antecederam 1959. A última havia decorrido em 1957, pelo direito ao descanso ao domingo e pela pausa para almoço e foi, também ela, coroada de êxito.
Estamos, portanto, a referir-nos a uma camada profissional experiente no ponto de vista da luta de classes, cujas vicissitudes próprias da actividade faziam fortalecer a unidade. Para além disso, era uma classe com ligações muito directas a outras camadas operárias, nomeadamente a conserveira, sendo normal numa mesma família haver elementos ligados à pesca e outros a trabalharem nas fábricas de conservas.
Greve construída a pulso
Desde Outubro de 1958, e depois em pleno defeso do período de pesca, em que não existia qualquer rendimento para os pescadores (por não haver peixe, não havia, também, rendimento para as operárias conserveiras), os elementos mais decididos e combativos promoveram um conjunto de reuniões em que prepararam as reivindicações que consideraram justas face à fome e miséria que marcava as suas vidas. Desenvolviam-se em torno de quatro eixos: 40 por cento do valor do pescado; 20 escudos de pensão quando o pescado fosse acima de 1000 escudos; quatro cabazes de pescado nos casos em que o barco vendesse mais de 50 cabazes e o direito a receber Abono de Família, como já acontecia na indústria e para o qual os pescadores já descontavam.
Com o passar do tempo cresceu a convicção de que seria possível alcançar as reivindicações. Chegados a 9 de Abril, primeiro dia de pesca da sardinha após o defeso de Inverno, os armadores, como era habitual, convocaram os pescadores para a matrícula, em que ficariam definidas as condições contratuais de remuneração. Conscientes de que algo se passava, tentaram dividir os pescadores por vários locais de matrícula, dispersos. Perante isto, os pescadores decidiram acorrer em massa, com as suas mulheres, a um só local onde, em unidade, recusaram as matrículas com as antigas condições.
Ficou famosa a palavra de ordem «ou 40% ou nada!» Nos dias seguintes este movimento foi-se repetindo. Avançava a consciência de que eram os armadores que precisavam dos pescadores e avançou, também, o movimento às localidades já referidas.
Resistir e avançar
Desde o início da greve o fascismo procurou reprimir a luta e subjugar os pescadores. Na Capitania, o capitão do porto, ao serviço dos armadores, convocou dezenas de vezes os pescadores para os ameaçar no caso de não aceitarem as velhas condições de trabalho. Chamou a PSP, a GNR e a PIDE para reprimir concentrações e manifestações. A PIDE tentou infiltrar-se no movimento. Mas depararam-se sempre com a coragem de quem não tem nada a perder, chegando os pescadores, de acordo com relatos da época, a «correr com eles à paulada e à pedrada».
Com o avançar dos dias era crescente a fome entre os corajosos grevistas, mitigada através de um amplo movimento de solidariedade de classe, em que os operários e trabalhadores de todo o País fizeram chegar aos pescadores parte dos seus parcos rendimentos. Algumas camadas de intelectuais e estudantes do Porto contribuíram com dinheiro e géneros. Neste movimento de solidariedade foi fundamental a estrutura clandestina do PCP e os apelos do Partido para alimentar a corrente de solidariedade.
Sem resultados imediatos, crescia uma certa ideia de impasse. Como sair duma situação em que os pescadores não aceitam as velhas condições de trabalho e os armadores não cediam às reivindicações? Mais uma vez foi determinante o papel do PCP: a partir do trabalho junto das massas, de diversos comunicados da Direcção Regional do Norte e de um comunicado do Secretariado do Partido datado de 9 de Maio, deu-se a palavra de ordem que os pescadores tomaram como sua: avançar com mobilizações de massas para junto das instituições ligadas à pesca. Dia a dia as concentrações cresceram e a 3 de Junho, perante mais de 3500 pescadores e famílias, alguns armadores informaram que – finalmente – aceitavam as reivindicações!
O fascismo ainda tentou travar a vitória, proibindo os armadores de ceder às exigências dos pescadores e aumentando a repressão violenta sobre as massas e com prisões, mas perante a firmeza com que se deparou no dia 20 de Junho os pescadores foram convocados à Capitania e lá foram lidas as novas condições de matrícula que correspondiam ao que era reivindicado.
Exemplo inspirador
A vitória dos pescadores de sardinha de Matosinhos e de outras localidades do Norte determinou um significativo aumento do rendimento destes trabalhadores. Significou também um salto na consciência social e política de muitos trabalhadores da região. O seu exemplo perdurou e inspirou muitas outras lutas da classe operária.
Como noutros momentos, foi provado que mesmo nas mais adversas condições, perante um governo fascista que não hesitava em levar por diante a mais bárbara repressão foi possível, através da luta organizada, neste caso ao longo de 70 dias de greve e com um Partido Comunista forte e presente no seio das massas, avançar na conquista de rendimentos e direitos.
Os setenta e um dias da greve vitoriosa dos pescadores, como é referido no relatório elaborado pela Direcção Regional do Norte do Partido, os pescadores «sabiam que não estavam sós, transformaram as suas debilidades físicas, motivadas pela fome, em força moral e venceram».