Verdade, a quanto obrigas
O erro de paralaxe sucede quando o ângulo de observação faz incorrer em erro o sujeito: transposto para o jornalismo, equivale a tratar determinada matéria de acordo com os preconceitos de quem o faz. Num quadro mediático dominado por meia dúzia de grupos económicos e «fazedores» de opinião que lhes são fiéis, é algo recorrente quando se trata de noticiar sobre as forças com projecto alternativo. Mas, como reza a citação latina, «errar é humano, persistir no erro...».
Um episódio que ilustra bem este erro comum teve amplo espaço mediático na última semana, a propósito do anúncio do último conjunto de candidatos da CDU às eleições de 6 de Outubro. «Revolução silenciosa em modo refinado», «afastar nomes de peso», «despedimento com distinção», dizia a rádio pública a propósito de vários «nomes de peso» que são primeiros candidatos por círculos eleitorais onde a CDU não elegeu há quatro anos, ou mesmo «baixa de peso, aqui sem disfarce», no caso de Faro.
Um erro próprio de quem não entende nem quer entender o que é uma força que vale pelo seu colectivo, que decide de forma colectiva, que encara os cargos públicos como uma tarefa sem benefício pessoal de quem a desempenha. Tudo isto recheado com uma dose farta de cinismo, elevando a bestiais a deputados que, em tantos casos, antes nem bestas eram: deputados cujo trabalho em defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País foi caricaturado, deturpado, silenciado e ocultado ao longo de largos anos. E acima de tudo, não escapam ao propósito mal disfarçado de diminuir a decisão audaciosa da CDU de colocar deputados e ex-deputados com trabalho reconhecido como primeiros candidatos em círculos onde não elegeu, afirmando o objectivo não só de reforçar onde elege, mas também de disputar a eleição nos restantes círculos.
Um silenciamento a que também esteve votada, até à última semana, a intervenção do PCP com vista à continuidade do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/ Esquerda Verde Nórdica no Parlamento Europeu. Depois de décadas em que a sigla GUE/NGL só aparecia em anos de eleições para o Parlamento Europeu (e sempre, passando uma imagem descaracterizada do carácter confederal grupo), eis que, de repente, alguém soprou intriga ao ouvido dos chefes da imprensa.
A partir de fontes anónimas e do encomendado e prestimoso tweet de Ana Gomes, começou a circular o boato: «o PCP vetou o nome de Marisa Matias para presidente do GUE/NGL». Assim, sem mais. Um boato que, depois de passado pela máquina de lavar desinformação em que estão transformados alguns órgãos de comunicação social, passaria a facto e verdade incontestáveis. De tal forma que em poucas horas, e mesmo depois dos esclarecimentos prestados pelo PCP sobre as normas de funcionamento do grupo – numa saudável tentativa pedagógica e didática a que outros cirurgicamente se escusaram –, estava aberta uma nova época da modalidade de eleição de alguns comentadores: o tiro ao PCP.
Depois de levar com a chancela de qualidade dos paladinos da luta contra as fake news, pode parecer inglório explicar o óbvio: se as decisões se tomam por consenso, este não faltou só a Marisa, mas a todos e qualquer um dos restantes deputados. Como diz o povo, a verdade é como o azeite; a nós, cabe fazê-lo vir à tona.