Em colisão com interesse nacional
O Governo ignora o drama de milhões de portugueses, sobretudo na saúde, na educação e na protecção social, construindo uma imagem do País sem qualquer correspondência com a realidade.
O programa da troika funcionou bem mas foi para os mega-bancos, para o capital financeiro
A crítica é do Secretário-geral do PCP, para quem este artifício táctico do Executivo, a par da sua recusa em renegociar a dívida e do seu alinhamento com a Alemanha no «acinte à Grécia», são sintomas de um mesmo desespero de quem luta pela «própria sobrevivência e da sua política».
No debate quinzenal de sexta-feira passada, 20, estes foram dois dos temas, estreitamente relacionados, que vieram à ribalta por iniciativa do PCP, com Jerónimo de Sousa a dar ao mote ao comparar o primeiro-ministro com a personagem Pangloss de um célebre romance de Voltaire – «Cândido, ou do Optimismo» – em que, lembrou, «tropeçando ele e o seu tutelado na miséria e na injustiça, continuava a afirmar que tudo corria às mil maravilhas, no melhor dos mundos possíveis».
Sucede porém que «quem conhece a realidade, os dramas de milhões de portugueses, sabe que essa imagem idílica não corresponde à realidade do nosso País», sublinhou o líder do PCP (ver caixa), desfazendo em pó esse «optimismo fingidor», a raiar o bacoco. Nem corresponde à necessidade que o País tem, acrescentou, de «um outro rumo, uma outra política, que aumente a nossa capacidade produtiva e a produção nacional, apoie as pequenas e médias empresas, recupere os nossos recursos, reponha o que foi extorquido ao nosso povo, nos seus salários, nos seus rendimentos, nas suas pensões e reformas». E que simultaneamente garanta que a Saúde, a Educação, a protecção social «seja parte constitutiva do direito a uma vida mais digna», alvitrou Jerónimo de Sousa, que disse ainda ter o País necessidade de mais investimento.
Sobrevivência
Ora para que tudo isto seja alcançável é que está colocada na ordem do dia, com força crescente, a questão da renegociação da dívida pública. E foi neste capítulo que as críticas do dirigente comunista subiram de tom, vendo na recusa do Governo em encetar qualquer diligência com vista à renegociação da dívida pública – secundada com a aceitação e alinhamento incondicional com as orientações da União Europeia – um factor de «colisão com o valor supremo do interesse nacional».
«Há quem lhe chame falta de coragem, há quem lhe chame subserviência por parte deste Governo. Talvez... Mas a questão central é que este Governo procura tratar da sua própria sobrevivência e da política que executa», salientou o Secretário-geral do PCP, admitindo que é este o ponto que ajuda a perceber a razão do «acinte em relação à Grécia».
«É porque lá, independentemente do desfecho, estão a tentar libertar-se das amarras e do jugo dos poderosos e dos mandantes da UE», enfatizou Jerónimo de Sousa, lembrando que, pelo contrário, em Portugal, este Governo «nunca o fará, nem sequer tentará, por opção política».
E por isso o líder do PCP questionou até onde é que este Governo – que considerou não ter «cura nem tempo, porque está já derrotado e pertence ao passado» – pretende ir, «em nome dessa sua sobrevivência política».
Capital a ganhar
Na resposta, Passos Coelho justificou a recusa do Governo em renegociar a dívida alegando que um processo dessa natureza comprometeria irremediavelmente o regresso do investimento externo.
E reiterou, taxativo, que não está de acordo com uma renegociação da dívida, insistindo que «temos uma dívida sustentável», apesar de «muito elevada».
Excluiu, por outro lado, que haja «acinte em relação à Grécia», voltando à carga com a informação de que «Portugal tem sido um país que tem contribuído activamente para a ajudar», sendo «em termos de proporção do PIB aquele que detinha mais títulos da dívida grega».
Explicações que não demoveram Jerónimo de Sousa de insistir na acusação de que há um «claro alinhamento» do Governo português com o ministro das Finanças alemão. E admitiu que «não é por acaso», aliás, que o Governo PSD/CDS-PP tenha dado mostras de contentamento perante a afirmação de Schäuble de que «Portugal é a prova de que os programas de ajustamento funcionam».
«É uma meia verdade. De facto funcionou, mas para os mega-bancos alemães, para o capital financeiro», afirmou em tom indignado Jerónimo de Sousa, fazendo notar que o mesmo já não se pode dizer em relação ao País, aos trabalhadores e ao povo português, que continuam a sofrer as consequências da política de empobrecimento e declínio nacional.