O que falta não é uma nova lei
O Parlamento aprovou sexta-feira, 6, com os votos favoráveis do PSD, PS e CDS-PP, a proposta de lei do Governo para o cinema e audiovisual. Para o PCP, que se absteve (PEV e BE também), esta é uma «má» iniciativa legislativa.
Governo corta na Cultura para dar à Banca
O Governo o que pretende é «ganhar tempo» para não abrir os concursos, acusou o deputado comunista Miguel Tiago, que deixou no debate a garantia de que a sua bancada tudo fará em sede de especialidade para que venham a ser introduzidas alterações no sentido da responsabilização do Estado.
«O financiamento das artes e da cultura é da responsabilidade directa do Estado», insistiu em sublinhar o deputado do PCP, que, sem deixar de admitir algum grau de complementaridade através da «afectação de outras receitas» (nomeadamente as obtidas através de taxas de incidência específica), recusou no entanto em absoluto que o «financiamento ao cinema independente seja sujeito às receitas da publicidade dos circuitos comerciais».
O Governo fala no seu diploma em alargar as fontes de financiamento, prevendo uma maior participação do sector audiovisual em investimento directo e indirecto, reforçado com os operadores de serviços de televisão por subscrição e com os operadores de serviços audiovisuais.
Embora o Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) continue a conceder apoio financeiro à produção de cinema, o respectivo orçamento mantém-se dependente das receitas da taxa de exibição de quatro por cento sobre a publicidade paga pelos anunciantes nos canais televisivos.
Violar a lei
No debate, o secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, voltou entretanto a bater na tecla de que o incumprimento da lei actual é devido à falta de verbas do ICA, assegurando que a nova proposta permitirá pôr termo à «situação de subfinanciamento permanente» verificada nos últimos anos.
O que ele não disse é que essa falta de verbas, traduzida num corte de 100 por cento no apoio à produção cinematográfica, não corresponde «a uma fatalidade» mas, ao invés, a «uma opção deste Governo».
«Esses cortes resultam do incumprimento da Lei do Cinema em vigor e são utilizados como elemento de chantagem para a aceitação de uma nova lei», denunciou Miguel Tiago, antes de lembrar que o ICA há muito que «vive exclusivamente da cobrança de taxas, apesar da ilegalidade dessa situação».
O deputado do PCP, não poupando na crítica, considerou ainda que o Executivo de Passos Coelho e Paulo Portas ao não cumprir a lei, ao faltar aos compromissos, congelar apoios já aprovados e cancelar a abertura de concursos para novos apoios, colocou em «agonia, em asfixia, todo um sector, um vasto conjunto de indivíduos e colectivos que produz arte e cultura».
Reafirmada pelo PCP com todas as letras foi ainda a posição de que o cinema, a produção e a criação, tal como a sua fruição, «são direitos independentes do mercado de entretenimento», cuja existência deve ser assegurada pelo «financiamento estável por parte do Estado».
«Queremos que os impostos de quem trabalha sejam aplicados em cinema, em arte e cultura, e não em bancos e na salvação de criminosos e agiotas», sustentou o parlamentar comunista, lembrando que só os oito mil milhões de euros utilizados pelo Governo para tapar os buracos da banca davam para 530 anos de apoio à produção artística.
Por uma nova política
Reafirmada com grande ênfase pela bancada comunista no debate foi ainda a ideia de que na origem das dificuldades do sector está exclusivamente a política do Governo e não a falta de uma nova lei.
«Não é por falta de lei que o ICA não paga o que deve aos realizadores e produtores», que «o Governo não abre os concursos», que «a quase totalidade das curta-metragens portuguesas não tem apoios do ICA», ou que «o cinema português não passa nas salas de cinema, não entra no circuito de distribuição a não ser através de privados, associações e empresas, clubes e cineclubes», sumariou Miguel Tiago, antes de manifestar a certeza de que o problema reside, sim, na «subserviência à troika e ao pacto de agressão».
Uma política, bem vistas as coisas, que faz da cultura e dos direitos à fruição e criação artísticas «um luxo para quem pode pagar», tal como faz do cinema «apenas um mercado de entretenimento reservado às grandes produtoras e nas mãos do monopólio da distribuição».
Programa de emergência
Entregue pela bancada do PCP na última sexta-feira, no mesmo dia em que a proposta de lei do Governo esteve em debate, foi um projecto de resolução (com plena actualidade, independentemente do evoluir do outro processo legislativo), preconizando a rápida criação de um programa de emergência para apoio à produção cinematográfica.
Nele é defendido, por outro lado, o pagamento imediato pelo Governo dos valores correspondentes a compromissos assumidos pelo ICA relativamente a projectos aprovados e já em curso.
Com a apresentação do seu diploma, como referiu Miguel Tiago, o PCP cria «as condições para que a AR não seja colocada na condição de braço administrativo do Governo» e possa discutir o conteúdo das propostas por este apresentadas, alargando essa discussão e ouvindo designadamente «os agentes do sector, os interessados, os profissionais, os criadores, cineastas, técnicos e organizações representativas».