Enorme avanço civilizacional
Passaram cinco anos sobre o quadro legal que despenalizou a interrupção voluntária da gravidez e que constituiu um avanço extraordinário na defesa dos direitos das mulheres, nomeadamente dos direitos sexuais e reprodutivos, pondo termo à inaceitável criminalização até aí existente e a esse flagelo transformado em grave problema de saúde pública que era o aborto clandestino.
Olhando a aplicação da lei neste período, para o PCP, o balanço é «muito positivo», não obstante, entre outros constrangimentos, a ofensiva contra o Serviço Nacional de Saúde, a fragilidade dos cuidados de saúde ou o deficiente incremento da educação sexual.
Foi essa leitura da realidade que a deputada comunista Paula Santos levou a plenário, sexta-feira passada, no debate sobre esta matéria suscitado por uma petição da Federação Portuguesa pela Vida dinamizada com o intuito claro de alterar a regulamentação da lei do aborto no que se refere aos benefícios legais dados às mulheres que o praticam.
Em bom rigor o objectivo por si visado, embora não assumido abertamente, é «andar para trás e voltar aos tempos do aborto ilegal», segundo Paula Santos, que expressou de forma clara o distanciamento da sua bancada face a estas posições vindas de «forças conservadoras e reaccionárias» a quem acusou de nunca terem aceitado o resultado do referendo que pôs fim a esse grave problema de saúde pública e de tudo continuarem a fazer para tentar «reverter a lei».
«Durante cinco anos foram inúmeras as mistificações e as demagogias para tentarem criar entraves à aplicação da lei, ignorando as consequências do aborto clandestino», criticou Paula Santos, recusando, por exemplo - entre outros argumentos que desmontou -, que possa associar-se o número de IVG por opção da mulher à redução da natalidade do País. Classificou mesmo de hipocrisia tal associação, sublinhando que os factores que explicam a baixa natalidade são outros, em particular «o desemprego, a precariedade, os baixos salários, as dificuldades no acesso à habitação, o desrespeito pelos direitos da maternidade e paternidade, os cortes no abono de família e noutros apoios sociais».
Hipocrisia
Por si contestadas foram ainda outras posições retrógradas veiculadas neste debate pelas bancadas da maioria governamental, em particular do PSD, que, pela voz de Conceição Bessa Ruão, desfiou uma série de «pontos» que disse merecerem «reflexão» para uma reavaliação da lei. A deputada laranja numa intervenção muito culpabilizadora das mulheres falou, nomeadamente, do «aborto repetido como método contraceptivo» e mostrou-se favorável a «equacionar a aplicação de taxas moderadoras» às mulheres reincidentes. Também Teresa Caeiro, pelo CDS-PP, defendeu que a aplicação da lei tem de ser «avaliada, monitorizada, adaptada e corrigida».
Em sentido contrário foi ainda Paula Santos quando considerou «inaceitável» qualquer cobrança de taxas moderadoras na realização da IVG, assinalando que a sua introdução representaria «um retrocesso» e uma dificuldade no acesso das mulheres aos cuidados de saúde.
Heloísa Apolónia, de «Os Verdes», por seu lado, considerou também que «há limites para a hipocrisia», defendendo que as pessoas fazem a opção de não ter filhos porque não podem» e não porque não queiram, dissociando por completo esta questão da baixa taxa de natalidade.