O «banco de horas» é lixo
Das medidas do «acordo» sobre horários de trabalho, destaca-se a imposição dos «bancos», para facilitar o objectivo patronal de impor as 12 horas por dia e as 60 horas por semana. Este condenável retrocesso no agravamento da exploração merece ainda maior repúdio, porque hoje se pode produzir mais em menos tempo e um milhão de pessoas está no desemprego.
O que se impõe, do ponto de vista social, e é possível, do ponto de vista da evolução científica e tecnológica, é o prosseguimento do processo histórico de redução progressiva do horário de trabalho, sem perda de salário. A redução dos horários de trabalho é um elemento de progresso civilizacional e um meio indispensável de combate ao desemprego.
Mas os «parceiros», neste «acordo» de retrocesso, querem fazer exactamente o contrário: desregular e prolongar os horários de trabalho, aumentando o desemprego, infernizando a vida aos trabalhadores e comprometendo o tempo da vida pessoal e familiar, nomeadamente de acompanhamento dos filhos. Todas as alterações pretendidas visam colocar a maior parte possível do tempo do trabalhador na absoluta dependência das necessidades das empresas e da vontade discricionária do patrão.
Rasgar o embrulho
Também nesta matéria, as declarações de princípio procuram ocultar os verdadeiros objectivos das medidas que patronato, Governo e UGT subscrevem. Na abertura deste capítulo (pág. 39 do texto do «compromisso»), até se declara que «a prestação laboral desenvolve-se dentro de um período temporal limitado, com vista a estabelecer uma compatibilização entre a realização profissional do trabalhador e a sua vida pessoal e familiar» e que «os tempos de repouso são fundamentais para a recuperação física e psíquica do trabalhador, constituindo valores fundamentais garantidos na Constituição».
Para melhor saberem o que vão contrariar de seguida, até lembram que «a Directiva 2003/88/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, estabelece medidas adequadas à melhoria do ambiente de trabalho, a fim de preservar a saúde e a segurança dos trabalhadores».
A hipocrisia e a má consciência de que já demos conta noutras áreas são notórias até na ressalva que procura fundamentar as alterações. Depois de assinalarem, como se fosse pura ciência, que «o atual contexto do mercado de trabalho exige às empresas uma capacidade cada vez mais elevada de adaptação às necessidades de uma economia globalizada», apresentam o seu real objectivo: «moldar o regime do tempo de trabalho a estas necessidades, possibilitando uma melhor utilização dos recursos». Quando falam da redução do pagamento do trabalho suplementar, são ainda mais precisos, quando acordam ser necessário «aproximar os valores devidos em caso de prestação de trabalho suplementar daqueles que são aplicados em países concorrentes». Estes países não são identificados, ao contrário do que sucedia quando outros governos e os mesmos «parceiros» prometeram a aproximação às médias da União Europeia.
Ou seja, a organização do tempo de trabalho que defendem no «acordo» visa oferecer aos patrões e às empresas mais tempo de trabalho por menos dinheiro, procurando a aproximação para os níveis de «países concorrentes» desse ponto de vista.
Apesar de todas as campanhas ideológicas, tal objectivo ainda é altamente reprovado pela sociedade e, em especial, pela parte da sociedade que é o alvo principal das medidas: os trabalhadores. Por isso, a «prenda» vem com um «embrulho» bonito, para que mais facilmente seja aceite por quem vai sofrer os seus efeitos.
Quem redigiu ou aceitou o «acordo» afirma reconhecer que «a adaptabilidade do tempo de trabalho deve igualmente salvaguardar a existência de períodos de repouso e conciliar-se com o desenvolvimento e a protecção do trabalhador, valorizando para esse efeito o papel da negociação colectiva», pelo que deve «estabelecer-se uma organização do trabalho que atenda ao princípio geral da adaptação do trabalho ao homem». As medidas propostas teriam efeitos totalmente contrários, caso chegassem a ser aplicadas.
Que mais querem?
Desde 2009, após a revisão promovida pelo governo do PS, a legislação laboral permite que as empresas recorram a «bancos de horas» para conseguirem o aumento do período normal de trabalho até quatro horas dia, 60 horas por semana e 200 horas por ano. Para procurar responder à forte contestação que na altura esta alteração suscitou, o Código do Trabalho exige, contudo, que o «banco de horas» seja tratado num instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (tal como todas as matérias da «adaptabilidade», definidas nos artigos 203.º e seguintes da Lei 7/2009, publicada em Fevereiro).
A generalidade dos sindicatos da CGTP-IN recusou incluir nos IRCT o inferno do «banco de horas». Nalguns sectores, isso tem sido aceite por sindicatos da UGT, mas apenas pode ser aplicado aos associados destas estruturas... Perdida a batalha, as organizações patronais e aqueles que lhes fazem as leis persistem no objectivo.
O «acordo» acrescenta duas vias ao regime actual, que já admite 12 horas por dia e 60 horas por semana.
Surge um «banco de horas» individual, para cuja concretização bastaria que empresa e trabalhador chegassem a acordo (fazendo de conta que, perante o patrão ou as chefias da empresa, o trabalhador, individualmente considerado, não fica muito mais vulnerável do que numa negociação colectiva conduzida pelo seu sindicato). Seria assim permitido um aumento do período normal de trabalho até duas horas diárias, 50 semanais e 150 horas anuais.
Aparece também um «banco de horas» grupal, a que ficariam sujeitos todos os trabalhadores de uma equipa, secção ou unidade económica, desde que já estivessem nesse regime horário 60 ou 75 por cento do pessoal das mesmas (a percentagem é menor se o banco resultar de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho). Com isto, procuram precaver-se contra focos de resistentes e facilitar a aplicação por via de sindicatos dóceis.
Afinal, em que se traduz a «adaptação às necessidades de uma economia globalizada»? Em períodos de acréscimo de trabalho, as empresas poderiam exigir o prolongamento do horário, sem remuneração, porque haveria um «acerto», reduzindo a carga horária em períodos de diminuição de encomendas.
Por ano, o «banco» poderia significar 25 sábados de trabalho consecutivo durante seis horas (no «acordo» também é aumentado este limite) – e gratuito porque a empresa não o iria remunerar, mas apenas trocar por horas de não-trabalho noutros dias.
Mas o «banco de horas» não teria obrigatoriamente apenas este efeito. Na prática, conjugando esta medida com a «agilização» da dispensa de comunicações à Autoridade para as Condições do Trabalho, a empresa poderia exigir aos seus trabalhadores o alargamento desregrado do tempo de trabalho. Em troca, ofereceria apenas uma incerta perspectiva de compensação em tempo, com base em médias semestrais ou anuais.
Para quem subscreveu o «acordo», o aumento dos lucros das empresas justifica que a vida dos trabalhadores e das suas famílias abandone o ritmo diário e semanal e passe a ser regulada em períodos médios de seis meses ou um ano.
Seis horas sem intervalo
Actualmente (segundo o artigo 213.º do Código do Trabalho), a jornada laboral deve ser interrompida para descanso, de modo a que não haja mais de cinco horas de trabalho consecutivo.
O «acordo» pretende aumentar este limite para seis horas, prevendo já os casos em que o período de trabalho possa exceder 10 horas (em situações de «adaptabilidade», como o «banco de horas» ou o «horário concentrado»).
Horas extras em promoção
No «acordo» os «parceiros» afirmam que procuram «aproximar os valores devidos em caso de prestação de trabalho suplementar daqueles que são aplicados em países concorrentes, assegurando contudo a adequada compensação do trabalhador pelo esforço acrescido inerente a este tipo de prestação».
Começariam, para isso, por eliminar o descanso compensatório, uma medida «com carácter imperativo, relativamente a IRCT ou contratos de trabalho».
Logo a seguir, iriam reduzir para metade todos os montantes pagos a título de acréscimo pela retribuição de trabalho suplementar, fosse ele prestado em dia útil, em dia de descanso semanal (obrigatório ou complementar) ou em dia feriado. Para que nada escape à regra e contrariando, mais uma vez, esparsas declarações em que a contratação colectiva parece ser valorizada, acordaram já que esta promoção iria valer também para os montantes que foram objecto de negociação, de acordo e de publicação e que, por vontade das partes, constam de IRCT ou contrato de trabalho.
Dizem que, neste último caso, o corte de 50 por cento valeria só por dois anos. E dizem também que, passados estes dois anos, os valores anteriores não voltariam automaticamente a entrar em vigor, pelo contrário: garante-se aos patrões que o meio-preço ficaria a vigorar para além desses dois anos, desde que o limite de 50 por cento que viesse a ser imposto pela lei não fosse alterado na contratação colectiva.
Se estas medidas fossem contempladas em lei, isso iria de facto diminuir gravemente o direito ao descanso e à justa compensação do esforço acrescido que representa o trabalho suplementar.
Sete dias roubados
Em férias e feriados, os «parceiros» querem que sete dias de trabalho sejam retirados aos trabalhadores e oferecidos aos patrões.
Para justificar o roubo de «três a quatro» dias feriados, o acordo invoca «os compromissos assumidos no Memorando de Entendimento» e o ensejo de «contribuir para o reforço da competitividade das empresas».
Para eliminar três dias de férias que, tentando aliviar a pressão da luta, foram em 2003 incluídos no Código do Trabalho como majoração por assiduidade, argumentam que «o período de férias que decorre da legislação actual não se adequa à promoção da competitividade da nossa economia, sendo conveniente a sua aproximação aos países congéneres». Precavendo qualquer excepção – e de novo subvertendo a contratação colectiva que dizem valorizar –, os autores, beneficiários e cúmplices do «compromisso» querem que este roubo nas férias se aplique também às «majorações introduzidas em IRCT ou contrato de trabalho após a entrada em vigor do Código do Trabalho» de 2003.
Aos patrões seria ainda oferecido o prémio das pontes. No «acordo» defende-se que, sempre que os feriados coincidirem com uma terça ou quinta-feira, «o empregador pode decidir proceder ao encerramento, total ou parcial, do estabelecimento ou da empresa nos dias de ponte, com consequente desconto no período de férias ou mediante compensação futura pelo trabalhador». Não seria mais do que um novo caso de férias obrigatórias decididas pelo patrão.
Fiscalização «agilizada»
Ao tratar da fiscalização das condições de trabalho e do papel da ACT, no «acordo» é defendido «um quadro de funcionamento» que «agilize os deveres de comunicação das empresas». Estas ficariam sem a obrigação actual de comunicarem o horário de trabalho, um eventual acordo de isenção de horário, ou mesmo o seu regulamento interno.
Mantendo-se a obrigação de divulgar informação na empresa, ficaria dificultada a verificação pela ACT.
Esta dispensa de apresentação abrangeria documentos que têm também um importante papel, como meios de contra-prova da veracidade daquilo que é divulgado na empresa.
A experiência comprova que o facto de as empresas terem vindo a enviar cada vez menos informações à ACT não trouxe qualquer melhoria ao desempenho desta. Tal processo, pelo contrário, tem convivido com uma crescente estagnação na actividade da ACT, a par da perda de eficácia e visibilidade. Mas estas preocupações não couberam no «acordo».