Rédea solta para despedir
Não é difícil despedir em Portugal. O Código do Trabalho do anterior governo PSD/CDS e as alterações nele introduzidas pelo Governo do PS, aliados à inoperância das autoridades fiscalizadoras, facilitaram o despedimento de milhares de trabalhadores.
O desemprego triplicou nos últimos dez anos e atinge hoje uma expressão inédita desde os tempos do fascismo. Perante as sucessivas operações de liberalização dos despedimentos, fica mais difícil provar que despedindo é que se cria emprego, como defendem os promotores de tal política.
O patronato, o Governo PSD/CDS e a UGT não estão satisfeitos e, escudados no pacto de agressão assinado com a troika estrangeira, querem tornar ainda mais fácil o despedimento por justa causa, a que até decidiram chamar «despedimento por motivos objectivos». No «acordo», contudo, o que preconizam é alargar a subjectividade e a arbitrariedade da parte objectivamente mais forte na relação laboral. Com a «modificação de alguns aspectos do regime jurídico do despedimento», relativos ao despedimento por inadaptação e por extinção do posto de trabalho, o patrão ficaria praticamente com todo o poder para despedir quando quisesse.
A inadaptação
à moda do patrão
No caso do despedimento por inadaptação, o patronato, o Governo e a UGT pretendem alterar o próprio conceito de inadaptação, dispensando a introdução de modificações no posto de trabalho. Assim, passa a ser motivo «objectivo» para despedimento «uma modificação substancial da prestação realizada pelo trabalhador, de que resulte, nomeadamente, a redução continuada de produtividade ou de qualidade, avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho ou riscos para a segurança e saúde do trabalhador, de outros trabalhadores ou de terceiros».
De uma razão concreta (a inadaptação à introdução de novas tecnologias ou outras modificações no local de trabalho) a nova troika – Governo, patronato e UGT – pretende passar para a simples invocação de «redução de produtividade ou qualidade» do trabalho prestado.
Procurando mascarar a gravidade desta norma, os signatários do «acordo» incluíram outras duas: a concessão de formação profissional (apesar de não ser exigida modificação no posto de trabalho) e a «fixação de um período de trinta dias com vista à modificação da prestação por parte do trabalhador». Esta última medida não só estabelece um prazo extremamente curto, como não valoriza nem reconhece o passado do trabalhador na empresa – para além de não ter em conta as responsabilidades patronais na organização do trabalho e na formação profissional continuada.
Simbolicamente, na primeira alínea deste ponto do «acordo», os patrões, o Governo e a UGT começam por concordar com a eliminação da obrigação de colocação do trabalhador em posto compatível.
Selectivo e discriminatório
No que respeita ao despedimento por extinção do posto de trabalho, o «acordo» prevê que «quando na secção ou estrutura equivalente da empresa haja uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico e se pretenda proceder à extinção de apenas um ou de alguns deles, deve ser atribuída ao empregador a possibilidade de fixar um critério relevante não discriminatório face aos objectivos subjacentes à extinção». Assim, não só cairiam quaisquer critérios objectivos e devidamente hierarquizados (hoje previstos na lei) como se abriria a possibilidade de o patrão elaborar critérios de selecção à medida dos trabalhadores que pretendesse despedir. «Relevante» e «não discriminatório» não passam, pois, de palavras...
Nesta situação, tal como na inadaptação, o patrão ficaria dispensado de «colocar o trabalhador em posto de trabalho compatível», o que seria completamente incompreensível num quadro de utilização de critérios gerais e objectivos.