Ataque à liberdade de criação artística
A desresponsabilização do Estado na área da Cultura está a atingir níveis inimagináveis, estando neste momento a pôr em causa a própria liberdade de criação. Exemplo disso é o apoio às artes, cuja situação assume já «contornos verdadeiramente dramáticos».
Governo olha a cultura como um negócio
O alerta é do PCP, que levou este tema recentemente a plenário numa declaração política onde acusou o Governo de olhar a cultura como um mero negócio motivado apenas pela obtenção do máximo lucro.
«Este lógica neoliberal de mercantilização transforma em negócio e em lucro o que antes eram direitos dos cidadãos ou aspectos fundamentais de uma concepção pluri-dimensional da democracia», sublinhou o deputado comunista João Oliveira, rejeitando por completo esta visão em que a importância da cultura na sociedade é medida em «função do seu contributo para o PIB».
É esta perspectiva, aliás, que explica a contínua desvalorização a que a cultura tem sido votada, como bem o testemunha o facto de o Orçamento do Estado para 2011 ser o segundo mais baixo desde que há Ministério da Cultura, só superado negativamente pelo de 2010 que ficará para a história como aquele que nesta área teve a mais baixa execução orçamental de sempre.
Cortes que estão a pôr em causa a liberdade de criação artística, segundo João Oliveira, já que é disso mesmo que se trata quando se «estrangula financeiramente as estruturas de criação» sob a alçada directa do Governo ou que são por si apoiadas.
É isso que resulta dos cortes de 23 por cento decididos unilateralmente pela ministra da Cultura em contratos já celebrados com estruturas com apoios quadrianuais, a pretexto de que sem esses cortes as restantes estruturas não poderiam dispor de apoios, argumento este que João Oliveira classificou de «inaceitável chantagem».
Redução dos montantes e do número de estruturas abrangidas pelos apoios que não poderá deixar de ter graves consequências no futuro, como alertou João Oliveira, com projectos a «não chegar a ver a luz dos palcos», com «artistas, técnicos e criadores a ser empurrados para o desemprego sem terem sequer acesso à protecção social garantida à generalidade dos trabalhadores».
Visão mercantilista
Vários foram os exemplos dados pela bancada comunista que mostram bem quer a visão mercantilista do Governo sobre a cultura quer a contínua linha de desvalorização a que a mesma é votada.
Lembrada por João Oliveira foi a dependência de empreitadas públicas ou de negócios no âmbito do chamado turismo cultural a que está sujeita a preservação e valorização do património cultural e imaterial, tal como o património edificado.
A promoção do livro e da leitura, cada vez mais sujeita aos interesses dos grupos editoriais, ou a concentração numa única grande empresa criada pelo Governo de três teatros nacionais, uma orquestra, um coro e a única companhia nacional de bailado são também testemunhos desta política de desresponsabilização do Estado e de sub-financiamento das actividades culturais, que mais não são, como assinalou João Oliveira, citando Joaquim Benite, director da Companhia de Teatro de Almada, do que «uma censura financeira à liberdade de criação».
PS ignora Constituição
Em resposta à deputada Inês Medeiros, que acusara o PCP de atribuir ao Governo «intenções maléficas», João Oliveira convidou-a a clarificar de uma vez por todas qual a posição da bancada do PS quanto à responsabilidade do Estado na definição da política cultural. «Concorda ou não com o texto da Constituição que responsabiliza o Estado por garantir a todos os cidadãos o acesso à fruição e criação cultural?», questionou, observando que se tal fosse esclarecido «mais facilmente as pessoas poderiam fazer as suas opções políticas, nomeadamente no momento do voto».
E sobre a transferência dos centros de decisão para as autarquias, como propôs a deputada do PS, deu o exemplo do CEDREV, Centro Dramático de Évora, alvo de uma redução de 70 mil euros por via dos 23 por cento de corte do Ministério da Cultura. E lembrou ainda que a isto acresce uma dívida de 130 mil euros da autarquia do PS, ou seja, acusou, «com a perspectiva do Governo o que sucede é que não só as autarquias têm escassez de meios como as que são do PS não têm intenção de cumprir os compromissos que assumem».
Contestada por João Oliveira foi também a afirmação da deputada do PS de que o PCP é contra a descentralização. «A senhora não deve conhecer o contributo do PCP logo a seguir ao 25 de Abril para que esse movimento de descentralização ocorresse», referiu, lembrando, a propósito, entre tantos exemplos, o contributo dado nesse sentido pelo encenador Mário Barradas, militante comunista falecido no ano passado.