Encenação a partir de falso diálogo

Chantagem não passou!

Em vários momentos do debate foi perceptível a preocupação do Governo e da bancada parlamentar que o suporta em imputar aos partidos da oposição a responsabilidade pelo que designaram de «recusa ao diálogo» e a «entendimentos».

A mai­oria ab­so­luta foi cen­su­rada nas urnas

Logo após a indigitação do primeiro-ministro para formar o elenco governativo, José Sócrates aludiu várias vezes ao tema, «para memória futura», segundo as suas palavras, e outros lhe seguiram as pisadas, designadamente o ministro da Economia, Vieira da Silva.
Tratava-se do primeiro acto numa encenação onde o importante era deixar a ideia de que o Governo, «de espírito aberto», era o defensor acérrimo do diálogo, enquanto a oposição, essa, apenas estava interessada em erguer barreiras e criar dificuldades.
Vitimização para render a prazo, nomeadamente perante um eventual cenário de eleições antecipadas. Francisco Assis, líder da bancada do PS, no seu discurso, depois de muito falar de «espírito aberto para a negociação», acabou por confessar que «governar não significa desistir e muitas vezes implica romper», garantindo que o «Governo tem um programa, um projecto e uma linha de rumo para o País».
Tudo somado, o que parece resultar é que o PS não retirou as ilações devidas do voto popular expresso em Setembro último. É que o Governo ganhou eleições mas não dispõe de maioria, não podendo, por conseguinte, agir como se a tivesse. A verdade é que a maioria absoluta foi censurada nas urnas pelos portugueses, que deram assim uma responsabilidade acrescida ao Parlamento.
«Apesar da legitimidade que o povo lhe deu para governar, num quadro de forte bipolarização, recusou-lhe a legitimidade para governar a seu belo prazer, como fez no mandato anterior», observou o Secretário-geral do PCP na primeira ronda de perguntas, após a intervenção de abertura do primeiro-ministro, a quem lembrou que «o povo conferiu também à Assembleia da República a legitimidade não só de fiscalizar mas de legislar, como por exemplo na questão dos professores».
Jerónimo de Sousa acusou ainda o chefe do Governo de fazer «vista grossa em relação à perda da maioria absoluta», assinalando que «suavizou a arrogância, utilizou até à exaustão o verbo dialogar com todos, mas não a partir de uma nova política». Apresentou-se a diálogo, concluiu, «no essencial, no que é estruturante, partindo da mesma política conduzida nos últimos quatro anos e que conduziu o País ao estado em que se encontra».

Agitar o fan­tasma das elei­ções

«A intervenção do ministro da Economia conforma a estratégia de chantagem que o Governo e o PS querem usar no debate político desta legislatura. Porque a única coisa que preocupa o PS é dizer como disse o primeiro ministro várias vezes, “para memória futura”, que o acordo que fizeram, idêntico à esquerda e à direita, não foi aceite por nenhum partido da oposição», sublinhou o presidente do Grupo Parlamentar comunista, no final do primeiro dos dois dias de debate, interpelando o ministro Vieira da Silva.
Para Bernardino Soares, tudo veio ao de cima quando dois elementos da bancada do PS, em momentos diferentes, vieram a terreiro dizer qualquer coisa semelhante a isto: «acautelem-se senão haverá eleições e poderemos voltar a ter maioria absoluta». E concluiu: «o que o primeiro-ministro e os ministros dizem por meias palavras a bancada do PS diz com as palavras todas».
«Nós dizemos ao senhor ministro, desta bancada, que estaremos aqui para lutar por aquilo que consideramos que é justo; não estaremos aqui para aceitar a continuação de uma política que a perda da maioria absoluta revela que não é aquela que os portugueses querem que continue», rematou.
Mais tarde, em declarações aos jornalistas, Jerónimo de Sousa voltaria ao tema para acusar «ministros e deputados socialistas de tentarem chantagear a oposição com a possibilidade de eleições antecipadas, e afirmou que as propostas do PCP são construtivas e não moções de censura.


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