Uma viragem decisiva
«Rumo à Vitória, as Tarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional», debatido no dia 29 de Novembro, em Évora, ocupa um lugar cimeiro na obra teórica de Álvaro Cunhal.
Elaborado em 1964, «Rumo à Vitória» constituiu o relatório político aprovado numa reunião do Comité Central realizada nesse mesmo ano. Discutido durante cerca de um ano pelos militantes e pelas organizações do Partido, serviu de base à preparação do VI Congresso do Partido, realizado em Setembro de 1965 – o último na clandestinidade –, dando origem ao Programa do PCP em vigor até ao XII Congresso, realizado em 1988.
Depois de Diamantino Dias ter introduzido o debate, Maria da Piedade Morgadinho, membro da Comissão Central de Controlo do PCP, considerou este livro de «leitura indispensável», sobretudo para as novas gerações, tendo em conta as tentativas existentes de «branqueamento e até valorização da ditadura fascista» e de «reescrever a história», falsificando-a e apagando o papel dos comunistas na resistência antifascista.
Após a violenta repressão desencadeada a seguir às jornadas de luta de 1958, nas eleições-burla para a Presidência da República, o movimento antifascista português, em 1959, sofreu um sério refluxo, lembra Maria da Piedade. Mas, para esse refluxo, terá também contribuído a existência no Partido de concepções erradas e o desvio de direita que se desenvolveu nomeadamente a partir de 1956, expresso na Resolução Política do V Congresso: aqui se depositam esperanças «numa modificação da situação política em Portugal através de um processo de desagregação automática do fascismo».
Nos anos de 1958 e 1959, o Partido sofre grandes revezes: 40 dos seus funcionários são presos, mais de uma dezena membros do Comité Central; 20 casas clandestinas são assaltadas, entre elas uma tipografia regional. Só depois das fugas de Peniche, em Janeiro de 1960, e de Caxias, em Dezembro de 1961, acabaria por recuperar para a luta cerca de 20 quadros com experiência de trabalho e firmes política e ideologicamente.
>Luta de massas, o único caminho
Em 1961, na reunião do Comité Central que elegeu Álvaro Cunhal secretário-geral, o PCP corrige a sua linha política e repõe «o levantamento nacional» como via para o derrubamento do fascismo.
Aliás, a questão do levantamento nacional, da insurreição nacional, da via armada como perspectiva revolucionária do movimento antifascista para o derrubamento do fascismo não era uma questão pacífica entre as forças democráticas e mesmo no seio do Partido. Muitos defendiam a instauração de um regime democrático mantendo as estruturas sócio-económicas do capitalismo e acreditavam «na queda automática da ditadura». Os sectores esquerdistas, por seu lado, considerando a ditadura «agonizante», defendiam a «luta armada imediata e acções de carácter terrorista que desencadeassem um processo armado generalizado».
«Rumo Vitória» tem a importância de chamar a atenção para as condições objectivas e subjectivas da situação existente, insistindo na necessidade do desenvolvimento da luta de massas em todas as frentes. Diz mesmo: «uma insurreição não se decreta ao sabor do mero desejo daqueles que pretendem conquistar o poder», «se as condições não estão maduras, nenhuns apelos da vanguarda à luta armada conseguirão desencadear a insurreição», pois «as massas não a acompanharão».
Analisando aprofundadamente a sociedade portuguesa nos anos 60, este livro é essencial para a compreensão do 25 de Abril e de toda a complexidade do processo revolucionário português, da sua interrupção e do avanço da contra-revolução até aos nossos dias, diz Maria da Piedade Morgadinho.
Enfim, «Rumo à Vitória», como o seu autor pretendia, «caracteriza a situação portuguesa, precisa os objectivos da revolução democrática e nacional, trata de forma mais aprofundada a via para o derrubamento da ditadura fascista, define as tarefas do Partido».
25 de Abril no horizonte
Em «Rumo à Vitória» Álvaro Cunhal analisa com rigor a situação do capitalismo em Portugal e procede à caracterização de classe da ditadura. «A ditadura fascista é a ditadura dos monopólios associados ao imperialismo estrangeiro e dos latifundiários». Estes, com o Estado «inteiramente ao seu serviço, dominam toda a vida nacional, exploram desenfreadamente a classe operária, arruínam e expropriam as classes médias, põem todos os recursos materiais ao seu serviço».
Esta definição rigorosa permite-lhe desenvolver no relatório ao VI Congresso questões como a do Estado e da unidade das forças antifascistas e concluir que a revolução portuguesa teria de ser necessariamente «democrática e nacional». Democrática, porque acabaria com a ditadura fascista e instauraria um regime democrático, nacional porque poria termo ao domínio imperialista sobre Portugal e ao domínio colonialista de Portugal sobre outros povos, assegurando a verdadeira independência do País.
Álvaro Cunhal detém-se ainda sobre a evolução da situação a nível internacional que, favorável à luta do povo português, contribuiu também para a aprofundar a crise geral da ditadura na década de 60, princípios da década de 70. Destaca, porém: «nenhum povo oprimido pode esperar que a sua libertação venha do estrangeiro», tem que «libertar-se pelas suas próprias mãos».
A questão do Estado é também central da revolução democrática e nacional que o livro aponta pois, como diz, seria «erro fatal» se o movimento nacional antifascista tomasse apenas conta da máquina do Estado «pronta» e não criasse e organizasse uma nova máquina de Estado. A ser assim, diz, manter-se-ia «o poder dos monopólios e dos latifundiários (...), uma política de exploração das classes trabalhadoras e de liquidação das classes médias, uma política de opressão e regressão».
Abordando ainda a questão das alianças sociais, da unidade e da organização das forças antifascistas, e definindo como aliados da classe operária o campesinato, a pequena burguesia urbana, sectores da média burguesia e da intelectualidade, Álvaro Cunhal lembra, contudo, que num tal movimento «existem necessariamente diferenças de pontos de vista e até algumas divergências sérias», a experiência mostra, porém, «que, se se fica esperando acordo em tudo para depois se começar a marchar em comum, nunca mais se marcha».
No quadro das forças políticas antifascistas, o PCP é, ainda, apontado como factor decisivo para o triunfo da causa democrática. Mas para isso necessita de «uma sólida unidade ideológica», que combata concepções e tendências políticas e ideológicas erradas, de direita ou de esquerda. A batalha ideológica «em defesa dos princípios do marxismo-leninismo» e de uma «justa orientação» é, assim, considerada tarefa essencial do Partido
Maria da Piedade sublinha, por fim, o facto de «Rumo à Vitória» defender já então, após o derrube da ditadura, a constituição de um Governo Provisório e a participação do PCP nesse governo. Como condição para essa participação colocava, não a aceitação do seu próprio Programa – por cuja concretização continua contudo a empenhar-se –, mas apenas a instauração das liberdades democráticas e a realização de eleições livres para uma Assembleia Constituinte.
Aliás, em 1964, quando este relatório foi elaborado, Álvaro Cunhal alertava também já para as consequências negativas para Portugal de uma eventual adesão ao Mercado Comum. Agora, infelizmente confirmadas!
Depois de Diamantino Dias ter introduzido o debate, Maria da Piedade Morgadinho, membro da Comissão Central de Controlo do PCP, considerou este livro de «leitura indispensável», sobretudo para as novas gerações, tendo em conta as tentativas existentes de «branqueamento e até valorização da ditadura fascista» e de «reescrever a história», falsificando-a e apagando o papel dos comunistas na resistência antifascista.
Após a violenta repressão desencadeada a seguir às jornadas de luta de 1958, nas eleições-burla para a Presidência da República, o movimento antifascista português, em 1959, sofreu um sério refluxo, lembra Maria da Piedade. Mas, para esse refluxo, terá também contribuído a existência no Partido de concepções erradas e o desvio de direita que se desenvolveu nomeadamente a partir de 1956, expresso na Resolução Política do V Congresso: aqui se depositam esperanças «numa modificação da situação política em Portugal através de um processo de desagregação automática do fascismo».
Nos anos de 1958 e 1959, o Partido sofre grandes revezes: 40 dos seus funcionários são presos, mais de uma dezena membros do Comité Central; 20 casas clandestinas são assaltadas, entre elas uma tipografia regional. Só depois das fugas de Peniche, em Janeiro de 1960, e de Caxias, em Dezembro de 1961, acabaria por recuperar para a luta cerca de 20 quadros com experiência de trabalho e firmes política e ideologicamente.
>Luta de massas, o único caminho
Em 1961, na reunião do Comité Central que elegeu Álvaro Cunhal secretário-geral, o PCP corrige a sua linha política e repõe «o levantamento nacional» como via para o derrubamento do fascismo.
Aliás, a questão do levantamento nacional, da insurreição nacional, da via armada como perspectiva revolucionária do movimento antifascista para o derrubamento do fascismo não era uma questão pacífica entre as forças democráticas e mesmo no seio do Partido. Muitos defendiam a instauração de um regime democrático mantendo as estruturas sócio-económicas do capitalismo e acreditavam «na queda automática da ditadura». Os sectores esquerdistas, por seu lado, considerando a ditadura «agonizante», defendiam a «luta armada imediata e acções de carácter terrorista que desencadeassem um processo armado generalizado».
«Rumo Vitória» tem a importância de chamar a atenção para as condições objectivas e subjectivas da situação existente, insistindo na necessidade do desenvolvimento da luta de massas em todas as frentes. Diz mesmo: «uma insurreição não se decreta ao sabor do mero desejo daqueles que pretendem conquistar o poder», «se as condições não estão maduras, nenhuns apelos da vanguarda à luta armada conseguirão desencadear a insurreição», pois «as massas não a acompanharão».
Analisando aprofundadamente a sociedade portuguesa nos anos 60, este livro é essencial para a compreensão do 25 de Abril e de toda a complexidade do processo revolucionário português, da sua interrupção e do avanço da contra-revolução até aos nossos dias, diz Maria da Piedade Morgadinho.
Enfim, «Rumo à Vitória», como o seu autor pretendia, «caracteriza a situação portuguesa, precisa os objectivos da revolução democrática e nacional, trata de forma mais aprofundada a via para o derrubamento da ditadura fascista, define as tarefas do Partido».
25 de Abril no horizonte
Em «Rumo à Vitória» Álvaro Cunhal analisa com rigor a situação do capitalismo em Portugal e procede à caracterização de classe da ditadura. «A ditadura fascista é a ditadura dos monopólios associados ao imperialismo estrangeiro e dos latifundiários». Estes, com o Estado «inteiramente ao seu serviço, dominam toda a vida nacional, exploram desenfreadamente a classe operária, arruínam e expropriam as classes médias, põem todos os recursos materiais ao seu serviço».
Esta definição rigorosa permite-lhe desenvolver no relatório ao VI Congresso questões como a do Estado e da unidade das forças antifascistas e concluir que a revolução portuguesa teria de ser necessariamente «democrática e nacional». Democrática, porque acabaria com a ditadura fascista e instauraria um regime democrático, nacional porque poria termo ao domínio imperialista sobre Portugal e ao domínio colonialista de Portugal sobre outros povos, assegurando a verdadeira independência do País.
Álvaro Cunhal detém-se ainda sobre a evolução da situação a nível internacional que, favorável à luta do povo português, contribuiu também para a aprofundar a crise geral da ditadura na década de 60, princípios da década de 70. Destaca, porém: «nenhum povo oprimido pode esperar que a sua libertação venha do estrangeiro», tem que «libertar-se pelas suas próprias mãos».
A questão do Estado é também central da revolução democrática e nacional que o livro aponta pois, como diz, seria «erro fatal» se o movimento nacional antifascista tomasse apenas conta da máquina do Estado «pronta» e não criasse e organizasse uma nova máquina de Estado. A ser assim, diz, manter-se-ia «o poder dos monopólios e dos latifundiários (...), uma política de exploração das classes trabalhadoras e de liquidação das classes médias, uma política de opressão e regressão».
Abordando ainda a questão das alianças sociais, da unidade e da organização das forças antifascistas, e definindo como aliados da classe operária o campesinato, a pequena burguesia urbana, sectores da média burguesia e da intelectualidade, Álvaro Cunhal lembra, contudo, que num tal movimento «existem necessariamente diferenças de pontos de vista e até algumas divergências sérias», a experiência mostra, porém, «que, se se fica esperando acordo em tudo para depois se começar a marchar em comum, nunca mais se marcha».
No quadro das forças políticas antifascistas, o PCP é, ainda, apontado como factor decisivo para o triunfo da causa democrática. Mas para isso necessita de «uma sólida unidade ideológica», que combata concepções e tendências políticas e ideológicas erradas, de direita ou de esquerda. A batalha ideológica «em defesa dos princípios do marxismo-leninismo» e de uma «justa orientação» é, assim, considerada tarefa essencial do Partido
Maria da Piedade sublinha, por fim, o facto de «Rumo à Vitória» defender já então, após o derrube da ditadura, a constituição de um Governo Provisório e a participação do PCP nesse governo. Como condição para essa participação colocava, não a aceitação do seu próprio Programa – por cuja concretização continua contudo a empenhar-se –, mas apenas a instauração das liberdades democráticas e a realização de eleições livres para uma Assembleia Constituinte.
Aliás, em 1964, quando este relatório foi elaborado, Álvaro Cunhal alertava também já para as consequências negativas para Portugal de uma eventual adesão ao Mercado Comum. Agora, infelizmente confirmadas!