A grande evocação da Revolução de Abril
Depois de uma abertura a convidar à dança com os escaldantes ritmos africanos de Tito Paris, «Ary, Lisboa e o povo» foi mais do que um estrondoso espectáculo na noite de sexta-feira. Aproveitando as modernas condições que o Palco 25 de Abril proporcionou através dos dois écrans de vídeo gigantes, o espectáculo que fechou a primeira noite da Festa do PCP foi um marcante acontecimento de música, cultura e pedagogia para as dezenas de milhar de espectadores que enchiam o recinto.
A emoção e o sentimento de tantos milhares de homens e mulheres que fizeram questão de estar presentes nesta homenagem sentida ao poeta da Revolução de Abril, era evidente em milhares de rostos que são memória viva do que foi realmente o 25 de Abril, porque a Atalaia foi, é e sempre será ponto de encontro e de convívio para os antifascistas.
Cândido Mota fez as apresentações, lembrando a importância que teve e tem o poeta e os seus poemas para o esclarecimento dos trabalhadores portugueses antes, durante e depois da Revolução. Após o esclarecimento das ausências de Carlos do Carmo, no Brasil, e de Camané, doente, foi perante milhares de olhos, uns saudosos da companhia do grande poeta e camarada militante, outros - muitos milhares de jovens - tomando conhecimento pela primeira vez da genialidade da obra, do tom inconformista da sua voz e, através dela, da verdadeira história da revolução dos cravos, das suas consequências positivas para o povo português, que o fado arrebatou as consciências de um público totalmente rendido ao espectáculo. Não sem antes, e logo no início, ter-se visto ou revisto José Carlos Ary dos Santos, nos écrans gigantes, com todo o seu fulgor, a recitar «Poeta castrado não!».
A partir daqui, o fado tomou conta da noite, primeiro através da voz mágica de Paula Oliveira, que começou por interpretar um ex-libris de Ary, «Um homem na cidade», seguindo-se «Cavalo à solta».
Acompanhada por Bernardo Moreira no contrabaixo, Rodrigo Gonçalves no piano, Bruno Pedroso na bateria e João Moreira no trompete, Paula Oliveira foi a primeira voz a usufruir da potência e qualidade do palco principal da Festa deste ano. Continuou depois o fado de saudade da casa no Campo Grande em Lisboa com «A minha velha casa», este interpretado por Pedro Moutinho com grande sentimento, reflectindo a mágoa de um memorável poema que reflecte o deambular pelas ruas de Lisboa à noite de um amante da cidade, com um refrão adornado por um fantástico «amor Avante que faz do tempo apenas um instante».
Após mais três fados que convidam à reflexão, Moutinho interpretou um mais animado «Fado dos azulejos» acompanhado por Ricardo Parreira na guitarra portuguesa, José Almiro Nunes na guitarra clássica e João Penedo no contrabaixo.
Foi a continuação de um espectáculo sempre marcado por uma forte carga emocional onde o público ia recordando e cantando em coro com os artistas ou deixando-se ficar em silêncio para interiorizar a voz da seguinte fadista: Kátia Guerreiro - com Paulo Valentim na guitarra portuguesa, João Veiga na viola clássica e Rodrigo Serrão no contrabaixo - lembrou que «Quando Lisboa anoitece como veleiro sem velas», a cidade transforma-se em magia nos versos incomparáveis do homenageado, vinte anos após a sua morte.
Depois, num ritmo mais gingão, foi a vez das guitarras que vieram acompanhar a fadista animarem um público totalmente rendido ao espectáculo com «Tenho uma Rosa Vermelha», terminando esta parte com um «Retrato de amigo» cheio de ternura.
O dedilhar das guitarras, graças aos écrans vídeo, pôde ser visto a pormenor através de uma realização excepcional, a uma grande distância do palco que, devido à proximidade da imagem, gerou um intimismo que fez do Palco 25 de Abril uma enorme casa de fados ao ar livre. Talvez mesmo a maior que o País já viu.
Com «Menina de olhar sereno raiando pela manhã», foi a vez de se enternecerem os corações de todas as idades, que receberam em silêncio os acordes de «Estrela da tarde», desta feita interpretado por Paula Oliveira acompanhada por Bernardo Moreira no contrabaixo, Rodrigo Gonçalves ao piano, Bruno Pedroso na bateria e João Moreira no trompete.
Amigo pessoal de Ary dos Santos durante a vida do poeta, Paulo de Carvalho maravilhou a audiência com cinco temas que são talvez das mais consagradas obras do poeta: Ao «O cacilheiro», em homenagem ao tradicional barco que liga Cacilhas a Lisboa, seguiu-se a «Balada para uma boneca de capelista», «O homem das castanhas», «Os putos» que parecem bandos de pardais à solta como na Festa, e, por fim, um esperado «Lisboa menina e moça», cantado em coro por milhares e milhares de vozes de todas as idades.
As portas que Abril abriu
Mas a homenagem ainda ia a meio e o que se seguia foi algo nunca antes visto, pelo menos por muitos dos milhares de jovens que, de olhar curioso e orelhas despertas, iam assimilando os sons e as imagens de tempos tão mal contados nas escolas portuguesas: a Revolução do 25 de Abril de 1974.
Uma introdução de Cândido Mota explicando o papel do poeta na revolução e a sua importância para o combate antifascista do Partido Comunista Português «abriu o apetite» para o que se seguiu: dividido em trechos, o poema «As portas que Abril Abriu» foi intercalado com canções revolucionárias e imagens da libertação dos presos políticos das cadeias de Marcelo Caetano, dos dias da revolução com grande ênfase para os acontecimentos daquela madrugada com que todos sonhavam, e sempre ao sabor do poema de Ary, com as imagens do primeiro 1.º de Maio em liberdade nas ruas de Lisboa.
Na parte final, viam-se muitas lágrimas de emoção que misturavam a saudade com a revolta por Abril estar ainda por cumprir. Mas os últimos versos - que nunca é demais relembrar - devolveram de novo a esperança àquelas faces com a mesma força com que sempre o fez: «E se esse poder um dia o quiser roubar alguém, Não fica na burguesia, Volta à barriga da mãe. Volta à barriga da terra que em boa hora o pariu. Agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu», ouviu-se da voz que, no fim, reaparece para reafirmar a sua condição de militante comunista do PCP através do poema «Tomar partido», onde o poeta - que até os seus direitos de autor ofereceu ao PCP - afirma a sua condição assumida de poeta militante.
Logo a seguir ao vídeo onde Ary «toma partido», deu-se a já famosa apoteose de dança, alegria, luz e cor, dançando ao som da «Carvalhesa». Numa alegria eufórica, o público soube fechar com «chave de ouro» a primeira noite de Festa, seguida por vivas ao PCP.
Cândido Mota fez as apresentações, lembrando a importância que teve e tem o poeta e os seus poemas para o esclarecimento dos trabalhadores portugueses antes, durante e depois da Revolução. Após o esclarecimento das ausências de Carlos do Carmo, no Brasil, e de Camané, doente, foi perante milhares de olhos, uns saudosos da companhia do grande poeta e camarada militante, outros - muitos milhares de jovens - tomando conhecimento pela primeira vez da genialidade da obra, do tom inconformista da sua voz e, através dela, da verdadeira história da revolução dos cravos, das suas consequências positivas para o povo português, que o fado arrebatou as consciências de um público totalmente rendido ao espectáculo. Não sem antes, e logo no início, ter-se visto ou revisto José Carlos Ary dos Santos, nos écrans gigantes, com todo o seu fulgor, a recitar «Poeta castrado não!».
A partir daqui, o fado tomou conta da noite, primeiro através da voz mágica de Paula Oliveira, que começou por interpretar um ex-libris de Ary, «Um homem na cidade», seguindo-se «Cavalo à solta».
Acompanhada por Bernardo Moreira no contrabaixo, Rodrigo Gonçalves no piano, Bruno Pedroso na bateria e João Moreira no trompete, Paula Oliveira foi a primeira voz a usufruir da potência e qualidade do palco principal da Festa deste ano. Continuou depois o fado de saudade da casa no Campo Grande em Lisboa com «A minha velha casa», este interpretado por Pedro Moutinho com grande sentimento, reflectindo a mágoa de um memorável poema que reflecte o deambular pelas ruas de Lisboa à noite de um amante da cidade, com um refrão adornado por um fantástico «amor Avante que faz do tempo apenas um instante».
Após mais três fados que convidam à reflexão, Moutinho interpretou um mais animado «Fado dos azulejos» acompanhado por Ricardo Parreira na guitarra portuguesa, José Almiro Nunes na guitarra clássica e João Penedo no contrabaixo.
Foi a continuação de um espectáculo sempre marcado por uma forte carga emocional onde o público ia recordando e cantando em coro com os artistas ou deixando-se ficar em silêncio para interiorizar a voz da seguinte fadista: Kátia Guerreiro - com Paulo Valentim na guitarra portuguesa, João Veiga na viola clássica e Rodrigo Serrão no contrabaixo - lembrou que «Quando Lisboa anoitece como veleiro sem velas», a cidade transforma-se em magia nos versos incomparáveis do homenageado, vinte anos após a sua morte.
Depois, num ritmo mais gingão, foi a vez das guitarras que vieram acompanhar a fadista animarem um público totalmente rendido ao espectáculo com «Tenho uma Rosa Vermelha», terminando esta parte com um «Retrato de amigo» cheio de ternura.
O dedilhar das guitarras, graças aos écrans vídeo, pôde ser visto a pormenor através de uma realização excepcional, a uma grande distância do palco que, devido à proximidade da imagem, gerou um intimismo que fez do Palco 25 de Abril uma enorme casa de fados ao ar livre. Talvez mesmo a maior que o País já viu.
Com «Menina de olhar sereno raiando pela manhã», foi a vez de se enternecerem os corações de todas as idades, que receberam em silêncio os acordes de «Estrela da tarde», desta feita interpretado por Paula Oliveira acompanhada por Bernardo Moreira no contrabaixo, Rodrigo Gonçalves ao piano, Bruno Pedroso na bateria e João Moreira no trompete.
Amigo pessoal de Ary dos Santos durante a vida do poeta, Paulo de Carvalho maravilhou a audiência com cinco temas que são talvez das mais consagradas obras do poeta: Ao «O cacilheiro», em homenagem ao tradicional barco que liga Cacilhas a Lisboa, seguiu-se a «Balada para uma boneca de capelista», «O homem das castanhas», «Os putos» que parecem bandos de pardais à solta como na Festa, e, por fim, um esperado «Lisboa menina e moça», cantado em coro por milhares e milhares de vozes de todas as idades.
As portas que Abril abriu
Mas a homenagem ainda ia a meio e o que se seguia foi algo nunca antes visto, pelo menos por muitos dos milhares de jovens que, de olhar curioso e orelhas despertas, iam assimilando os sons e as imagens de tempos tão mal contados nas escolas portuguesas: a Revolução do 25 de Abril de 1974.
Uma introdução de Cândido Mota explicando o papel do poeta na revolução e a sua importância para o combate antifascista do Partido Comunista Português «abriu o apetite» para o que se seguiu: dividido em trechos, o poema «As portas que Abril Abriu» foi intercalado com canções revolucionárias e imagens da libertação dos presos políticos das cadeias de Marcelo Caetano, dos dias da revolução com grande ênfase para os acontecimentos daquela madrugada com que todos sonhavam, e sempre ao sabor do poema de Ary, com as imagens do primeiro 1.º de Maio em liberdade nas ruas de Lisboa.
Na parte final, viam-se muitas lágrimas de emoção que misturavam a saudade com a revolta por Abril estar ainda por cumprir. Mas os últimos versos - que nunca é demais relembrar - devolveram de novo a esperança àquelas faces com a mesma força com que sempre o fez: «E se esse poder um dia o quiser roubar alguém, Não fica na burguesia, Volta à barriga da mãe. Volta à barriga da terra que em boa hora o pariu. Agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu», ouviu-se da voz que, no fim, reaparece para reafirmar a sua condição de militante comunista do PCP através do poema «Tomar partido», onde o poeta - que até os seus direitos de autor ofereceu ao PCP - afirma a sua condição assumida de poeta militante.
Logo a seguir ao vídeo onde Ary «toma partido», deu-se a já famosa apoteose de dança, alegria, luz e cor, dançando ao som da «Carvalhesa». Numa alegria eufórica, o público soube fechar com «chave de ouro» a primeira noite de Festa, seguida por vivas ao PCP.