Não esquecemos Mário Castrim, pela obra e pelo exemplo

CENTENÁRIO Na sessão pública que assinalou os cem anos do nascimento de Mário Castrim, o Secretário-geral do PCP asseverou que este intelectual comunista e cidadão exemplar não será esquecido.

Mário Castrim foi membro do PCP desde a década de quarenta

O salão do Centro de Trabalho Vitória, em Lisboa, com lotação reduzida devido às precauções sanitárias, recebeu dezenas de pessoas – camaradas, amigos, familiares e leitores de Mário Castrim –, ao fim da tarde de sexta-feira, 31 de Julho, para uma sessão breve mas muito expressiva, promovida conjuntamente pelo PCP e as Edições Avante!.

Na sua intervenção, Jerónimo de Sousa começou por recordar um episódio vivido com Mário Castrim em 1996, «ano em que o PCP me atribuiu a responsabilidade de representar a nossa candidatura às eleições presidenciais».

Para preparar «uma entrevista na televisão, dirigida por dois jornalistas de nomeada», «solicitou-se o contributo de Mário Castrim e foi aprazada uma conversa na Soeiro Pereira Gomes». O encontro ocorreu «de pé, à entrada, já que [Castrim] dispensou qualquer sala» para o realizar.

«Muito sério questionou-me: “Disseram-me que precisas da minha ajuda para te confrontares com dois jornalistas profissionais que estão ali para ganhar o seu salário. E tu, que vens de onde vens, que confrontas os teus adversários na Assembleia da República, transportando o saber da fábrica, precisas da minha ajuda? Passa bem, camarada!” E foi-se embora.» – contou Jerónimo de Sousa, comentando que, «passada a surpresa, percebi a lição e o ensinamento», «correu bem a entrevista, e outras tantas que se seguiram, alicerçadas no que era e no que sabia, com aquela confiança partilhada pelo Mário Castrim, com o ideal e o projecto do seu Partido de sempre – o Partido Comunista Português».

O Secretário-geral do PCP observou que «a usura do tempo, por vezes, leva ao esquecimento», «mas Mário Castrim não será esquecido», «naturalmente, pela sua obra intelectual», e «acima de tudo, pelo cidadão lutador que foi numa vida toda, exemplo de coragem e determinação, que nos marcou e nos dá força, nestes tempos tão exigentes e complexos».

Castrim, «membro do Partido desde a década de quarenta do século passado, foi o último camarada a encontrar-se, num encontro clandestino, com José Dias Coelho, posteriormente ao qual o escultor, pintor e dirigente do Partido viria a ser assassinado a tiro pela PIDE», assinalou Jerónimo de Sousa.

Em breves notas biográficas, referiu que o homenageado «foi o primeiro crítico de televisão, permanentemente em risco e sujeito ao implacável “lápis azul” da Censura, para além de todas as ameaças da repressão existentes no período do regime fascista».

Por outro lado, «conhecido pelo seu humor cáustico, não se relevaram as suas obras dirigidas às crianças e jovens carregadas de ternura».

«Pedagogo, poeta, crítico, jornalista, nunca abdicou das suas fortes convicções, sendo certo que a vida melhor que teve foi a partir da Revolução de Abril, das suas transformações, realizações e conquistas». Castrim «esteve presente na fase de resistência à ofensiva contra Abril, as suas conquistas e os seus valores» e «deu um valioso contributo para a formação democrática e humanista de várias gerações».

Jerónimo de Sousa citou a nota de pesar em que o Sindicato dos Jornalistas afirmou que Mário Castrim «ficará na nossa memória como homem culto e lúcido cidadão comprometido com o seu tempo e fiel às suas convicções».

«Frágil de saúde, tinha a têmpera do lutador, do intelectual revolucionário» e foi «ao longo de décadas o mais antigo colaborador do Avante!, enviando os seus poemas semanalmente e até ao fim da sua vida», disse ainda o Secretário-geral, que dirigiu «uma saudação particular» à «companheira de vida» de Mário Castrim, «a escritora Alice Vieira, que quis estar presente nesta iniciativa».


Relatos dos próximos

Na sessão, dirigida por Manuel Rodrigues, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP e director do Avante!, foram convidados a intervir Correia da Fonseca e Alice Vieira.

Escritor, jornalista e crítico de televisão, que há largos anos marca presença nas páginas do Avante!, com a rubrica «TVisto», Correia da Fonseca reafirmou «enorme admiração e estima» por Mário Castrim e o «muito que lhe fiquei a dever», salientando que «foi, ao longo da minha vida, um mestre que me ensinou uma boa parte do que eu julgo saber».

Admitiu que, «quando o Mário morreu [15 de Outubro de 2002], eu percebi que me tinha passado a faltar um elemento essencial do meu quotidiano, e ainda não me recuperei do choque que essa verificação me motivou».

Afirmou-se «certo, convencido», de que quantos «beneficiaram da sua generosidade, da sua amizade, da sua inteligência, da sua cultura, vão viver com o Mário o resto das suas vidas, o Mário vai viver nelas e estará vivo enquanto por aqui andarmos». «Para cada um de nós, o Mário, pelos seus méritos, por todas as suas qualidades múltiplas, tornou-se imortal, e é essa imortalidade que aqui é fundamental eu vir assumir, repetir, proclamar», concluiu.

Alice Vieira começou por assinalar também que «as pessoas lembram» Mário Castrim, apesar de não estar entre nós há quase 18 anos. Jornalista (reformada) e escritora, companheira de Mário Castrim mais de 34 anos, desde 1968, contou, a provar essa afirmação, os inúmeros telefonemas recebidos «a lembrar o dia» e as conversas extraordinárias que tivera, bem como os textos publicados nas redes sociais, agora, ou referências recentes em programas de televisão.

Como «era amigo das pessoas», não importando «ideias, partidos», teve «amizades improváveis». Era «profundamente comunista e profundamente católico», o que também se vê na sua obra, como Alice Vieira ilustrou, de seguida, lendo o poema «Viagem Através de uma Tipografia Clandestina», publicado no Avante!, e ainda estrofes de poemas das «Viagens em Casa» e do «Livro dos Salmos».

Ilustrou, com um caso, «a pessoa doce e suave» que era Mário Castrim. «Dava-se muito bem com as crianças, tinha muita paciência para elas» e, contou, quando os amigos pequeninos iam às festas de anos dos filhos, lá em casa, «ele fazia tanta coisa que eles não se queriam ir embora».

No enterro, onde esteve muita gente da televisão, Alice Vieira recordou que ouviu o então director de programas da RTP dizer a uma rádio que o Mário «era dos nossos, aquilo que ele queria era uma televisão boa, certa, culta».Urgente

 

Camarada

na frente de combate

ensina-me a

escrever versos

 

Camarada

com os salários em atraso

ensina-me a

escrever versos

 

Camarada

que passas as férias trabalhando

na Festa do Avante!

Ensina-me a escrever versos

 

Camarada

que estendes o punho

e não a mão em concha

ensina-me a escrever versos

 

Ensinai-me

os segredos

pois sinto que os meu versos

me escapam entre os dedos

 

Poema de Mário Castrim,

incluído no livro «Mais Poemas do Avante!»,

lido por Jerónimo de Sousa

no final da sua intervenção

Do Avante!

À entrada, numa banca, os participantes puderam adquirir os dois livros de poemas de Castrim, publicados pelas Edições Avante!: «Poemas do Avante!», de 1998, e «Mais Poemas do Avante!», de 2020.

Como foi recordado na sessão, Mário Castrim (nome profissional usado na escrita por Manuel Nunes da Fonseca) foi durante décadas um regular colaborador do nosso jornal.

Os versos seleccionados para os dois livros foram publicados na rubrica «Gazetilha», sob o pseudónimo Ignotus Sum, até 3 de Fevereiro de 1994, sendo a última edição, uma semana depois, assinada já como Mário Castrim. Esta foi a assinatura dos versos publicados na secção «Pontos Naturais», iniciada a 17 de Fevereiro de 1994 e que permaneceu até 29 de Agosto de 2002.

Entre 29 de Abril de 1982 e 28 de Março de 1991, Mário Castrim também escreveu para o Avante! críticas de televisão, na secção «a TV», assinando com o pseudónimo Ulisses.




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