Libertar SNS da Lei dos Compromissos para remover obstáculo no direito à saúde
DIREITOS A chamada Lei dos Compromissos está a pôr em causa a adequada prestação de cuidados de saúde. A denúncia é do PCP, que desafiou os restantes partidos na AR a mudar a lei para «remover este obstáculo».
É preciso dotar o SNS do financiamento adequado
LUSA
«É preciso criar um regime excepcional para o SNS, de forma a salvaguardar o que é mais relevante, a saúde e a vida dos utentes», afirmou, dia 12, no Parlamento, a deputada comunista Paula Santos.
Um projecto de lei do PCP nesse sentido está entretanto já agendado para o dia 6 de Março, tendo por objectivo libertar da aplicação da lei dos compromissos e dos pagamentos em atraso rubricas como a aquisição de medicamentos, de produtos químicos e farmacêuticos, de material clínico e dispositivos médicos, bem como investimentos financiados por fundos comunitários e investimentos com cabimentação orçamental nas unidades de saúde que integram o SNS».
Paula Santos, que levou o assunto ao plenário da Assembleia da República numa declaração política em nome da sua bancada, mostrou-se convicta de que da mesma maneira que foi possível excepcionar a aplicação da lei para as autarquias, também no caso do SNS será possível excepcionar a aquisição de bens e serviços e a realização de investimentos que lhe são fundamentais. Assim «haja vontade e coragem política», considerou, lembrando que dos administradores aos profissionais de saúde, passando por várias entidades, é largamente consensual entre todos a ideia de que «esta lei não se deve aplicar à saúde».
E bem se compreende porquê se se atender a que há hospitais que estão impedidos de adquirir medicamentos devido precisamente à lei dos compromissos e dos pagamentos em atraso.
Cuidados de saúde em causa
«Nas últimas semanas o Tribunal de Contas recusou o visto prévio para a aquisição de medicamentos essenciais para o tratamento do cancro, do HIV/SIDA, da artrite reumatóide, da doença rara de Fabry», realçou Paula Santos, assinalando que em todos os acórdãos daquele órgão o argumento foi sempre a falta de fundos disponíveis para a assumpção de novos compromissos, nos termos da referida legislação.
Segundo a parlamentar do PCP, terão sido já recusados pelo Tribunal de Contas, desde 2017, cerca de 40 contratos apresentados por hospitais – destinados à aquisição desde medicamentos, alimentação, tratamento de roupa e outros serviços vários, até à realização de investimentos imprescindíveis -, criando dessa forma fortes constrangimentos ao seu funcionamento. E mais grave ainda, sublinhou, é o facto de essas recusas de visto poderem mesmo vir a comprometer o acesso dos doentes aos cuidados de saúde de que precisam e a que têm direito.
É assim claro, para o PCP – e para esse facto alertou logo que a lei dos compromissos foi imposta pelo governo PSD/CDS -, que tal legislação não é compatível com o funcionamento nem a missão dos estabelecimentos de saúde que integram o SNS.
É a própria Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares que diz «não ser possível cumprir os espartilhos daquela lei e assegurar os cuidados de saúde a que os doentes têm direito», lembrou Paula Santos, exigindo por isso ser necessário dotar o SNS não só do «financiamento adequado para assegurar o direito constitucional à saúde», como também remover obstáculos como é o da lei dos compromissos e dos pagamentos em atraso, de molde a permitir o funcionamento dos serviços públicos de saúde e assegurar que nenhum doente fique privado dos cuidados de saúde ou de terapêutica a que tem direito.
Problema sistémico
O deputado do PSD Álvaro Almeida considerou que o problema «não está na lei dos compromissos» mas sim na «falta de fundos disponíveis», alegando, numa alusão ao último governo de que o seu partido fez parte, que nessa altura não ocorreram situações similares.
Argumento que Paula Santos contestou vivamente lembrando as responsabilidades que PSD e CDS têm «por aquilo que está a acontecer».
É que, anotou, já em 2013 (a lei dos compromissos é de 2012) foram 11 as unidades hospitalares que não cumpriram a lei, número que cresceu no ano seguinte para 18, elevando-se em 2015 para 42 e para 49 em 2016; em 2017 foram 10, em 2018 foram 50 e em 2019 foram 28. Ou seja, estamos perante um problema que, tal como o Tribunal de Contas refere, é «sistémico». E, nessa medida, a «exigir resolução», o que passa pela «não aplicação da lei ao SNS», sublinhou a deputada do PCP.
Os critérios que devem definir o funcionamento e a missão dos hospitais «não devem ser de natureza economicista», «devem ser critérios clínicos, de vantagem para a saúde dos doentes», insistiu Paula Santos, rejeitando práticas que «impedem os hospitais de adquirirem medicamentos que são fundamentais para o tratamento».
E sobre a questão do financiamento, fez questão de recordar ao deputado laranja que no tempo do Governo (PSD/CDS) este foi o «campeão» do subfinanciamento, «com cortes brutais que impediram o funcionamento do SNS».
Sublinhada, por último, foi a ideia de que o «problema não está resolvido», sendo essa a razão, aliás, pela qual o PCP «coloca a necessidade de um «financiamento adequado», «plurianual», para a «contratação de mais trabalhadores», para assegurar a todos «médico de família, enfermeiro de família».