A Festa: provocações, omissões e deturpações
COMUNICAÇÃO SOCIAL Dez dias depois, qual a ideia que alguém que nunca foi à Festa do Avante! tem do maior acontecimento político-cultural do País?
As caricaturas sobre a Festa não podem estar mais longe da realidade
Excluindo os muitos meios online que a tratam nas suas múltiplas expressões, o trabalho da comunicação social nacional tende a ignorar tudo o que está para lá das editorias de política, quando não se cingem apenas à agenda do Secretário-geral ou à simples provocação.
As provocações
Não sendo novo, as notícias negativas sobre a Festa surgiram de forma intensa. Na sexta-feira, o Jornal de Negócios, que habitualmente ignora a Festa, trouxe à primeira página uma notícia sobre alegados prejuízos recorrentes, insinuando que o PCP teria algo a esconder.
Isto depois das notícias sobre a proibição de um livro que, afinal, foi um entre tantos que não tiveram espaço na Festa. Ainda que esclarecido, o caso serviu para a SIC pedir opinião (e mentindo) a visitantes, de livro na mão, sobre a proibição, que afinal não existia.
Na segunda-feira, o Correio da Manhã fez a primeira referência de primeira página, mas a notícia, repleta de insinuações de crime, não era a Festa, sim um óbito. Quando a autópsia confirmou o que o jornal sabia antes de publicar – que a morte teve causas naturais – já não houve lugar a chamada de primeira página.
A última surgiu no passado fim-de-semana, com a segunda vez em muitos anos em que a Festa foi chamada à primeira página do Expresso: e, como da última, para relatar alegadas agressões. Aliás, o semanário destaca-se por negar a dimensão e valor cultural e político da Festa: tom insultuoso, perseguição e difamação gratuitas são a linha editorial que a cegueira anticomunista repete, ano após ano.
Com isto, quem nunca foi à Festa pode muito bem pensar que lá há mortos, feridos e, ainda por cima, para dar prejuízo. Mas, quem já lá entrou, como é o caso de tantos responsáveis editoriais, sabe que esta caricatura não podia estar mais longe da realidade.
As omissões
Mesmo face às reentrés de outros partidos a que, desajustadamente, a comunicação social equipara a Festa, a desigualdade de tratamento é gritante. A sua dimensão global foi ocultada antes, durante e depois. Dez notas de imprensa sobre novidades deste ano deram zero notícias na comunicação social nacional. Apenas a TSF e o JN deram visibilidade à construção assente na militância e, no caso da SIC e da TVI, nem através da saudação do Secretário-geral aos construtores a mostraram.
Pelo contrário, na festa do Pontal, do PSD, um torneio de futebol durante a manhã permitiu peças televisivas e, no caso da SIC (que não deu um segundo do comício da Festa do Avante! em directo), a declarações de Rui Rio e Fernando Negrão em directo. No ciclo de debates do BE, uma intervenção de Marisa Matias teve mais destaque que os 70 debates que ocorreram na Festa, omitidos por quase todos, com excepção da Antena 1.
Nos três dias da Festa, regista-se a ausência de antecipações, ao contrário do que aconteceu com iniciativas de outras partidos. Há um caso que foge à regra, mas que só pode entrar no capítulo das provocações: uma peça da TVI, durante a manhã, a partir da notícia dos prejuízos.
Apenas a RTP
De todos os orgãos de comunicação social nacionais que trataram a Festa, a RTP merece particular destaque, não por ter feito algo extraordinário, mas por ter sido o único que cumpriu os mínimos que se exigem. Só a RTP fez antecipação da Festa na sexta-feira, com vários directos no terreno e peça no Jornal da Tarde. Só a RTP fez directos do acto de abertura e do comício. Só a RTP tratou a vertente cultural, com várias entrevistas a artistas que participaram na Festa. Só a RTP abriu um noticiário com o comício da Festa. Só a RTP abriu espaços de comentário dedicados ao comício.
Isto, repita-se, é o mínimo que se deve exigir a um orgão de comunicação social que cumpra a sua função, mas não foi o que aconteceu com os restantes. A Festa esteve ausente das primeiras páginas dos jornais: em quatro chamadas, três foram sobre prejuízos, óbito e agressões.
As deturpações
Se a Festa é abordada como se fosse uma iniciativa de reentré de um qualquer partido, a forma como é tratada mediaticamente é muito diferente das restantes iniciativas também no conteúdo das peças. Veja-se como saíram propostas das reentrés do PS ou do BE.
Das intervenções do Secretário-geral durante a Festa, foram sintetizadas duas ideias pela imprensa: as afirmações sobre o posicionamento face ao PS e sobre o Orçamento do Estado para 2019. No sábado, uma declaração sobre os direitos de pais e crianças foi ignorada em detrimento de uma reacção ao que um dirigente do PS disse, de visita à Festa. As muitas propostas avançadas pelo PCP, não só através do Secretário-geral como dos múltiplos momentos políticos da Festa, foram ocultadas e secundarizadas, até face a agendas de terceiros.
A par disto, há diferenças nas abordagens e imagens. Depois de um Verão a acompanhar a situação na ferrovia nacional, o Público fez duas peças «fora da caixa» sobre o comboio especial fretado pelo PS para a sua reentré e sobre o comboio da Festa, uma das novidades da edição deste ano. Mas enquanto a primeira fala numa «viagem perfeita», em que «tudo correu como previsto», a segunda está repleta de insinuações, com referência a «reclamações», «sobrelotação» e falta de «ar condicionado». A peça, ridícula e preconceituosa, é um hino ao que de pior motiva um certo tipo de «jornalismo».
A diferença não está, portanto, apenas nos 17 minutos de directo que a SIC dedicou a Rui Rio na Universidade de Verão do PSD (que teve notícias diárias), mas também nas imagens de Costa ou Cristas a dançar – em contraste com imagens de rostos fechados no comício da Festa ou fotografias em que o Secretário-geral surge sozinho, ainda que tivesse à sua volta muitos milhares de pessoas.
Como Jerónimo de Sousa referiu no acto de abertura, não é preciso sequer olhar para o comício, mas apenas para aquele momento para se perceber a dimensão incomparável da Festa. Mas para quem a viu de casa, pela comunicação social (como aconteceu com parte dos jornalistas, que a trataram sem lá ter estado), essa imagem não chegou.