Jerónimo de Sousa crítica sacrifícios de muitos que é o bodo de alguns

Escandalosas benesses ao capital

O Secretário-geral do PCP trouxe de novo para a ordem do dia a iniquidade na distribuição dos sacrifícios, acusando o Governo de proteger e favorecer os interesses dos poderosos ao mesmo tempo que impõe terríveis sacrifícios aos trabalhadores e reformados.

Quem sofre é o povo, quem beneficia é o capital

O tema foi por si introduzido no debate quinzenal com o primeiro-ministro de sexta-feira passada a propósito do mais recente «exercício de auto-contentamento» do Governo. Dá-se a coincidência desse «auto-elogio» ocorrer no preciso momento em que centenas de milhares de trabalhadores, reformados e pensionistas receberam a notícia, através do seu recibo de vencimento, de mais um corte brutal nos seus rendimentos.

O que deixou muitos deles em estado de choque. E não era para menos, segundo Jerónimo de Sousa, face às afirmações «verdadeiramente chocantes» do primeiro-ministro de que «é agora», «agora é que vai ser», para logo a seguir, de rajada, desencadear «uma nova avalanche de cortes brutais».

A Passos Coelho exigiu por isso explicações sobre a alegada equidade na distribuição dos sacrifícios. Esse é um argumento a que o Governo cedo deitou mãos mas que a realidade desmente em absoluto, insistiu em recordar o líder comunista, exemplificando, entre outras benesses e privilégios, com os milhões de euros pagos em juros para engordar os cofres da banca, os milhões canalizados para as PPP ou para os swap, esses apoios e negócios através dos quais o Governo transfere os milhões de euros que vai extorquindo aos rendimentos do trabalho, às reformas e pensões.

Ocultação

Mas a novidade sobre o mais recente caso que ilustra esta clara opção do Governo em favor do grande capital deu-a ainda Jerónimo de Sousa ao levar a debate uma informação do Tribunal de Contas segundo a qual o Governo «ocultou benefícios fiscais no valor de 1045 milhões de euros dados às chamadas SGPS, as Sociedades Gestoras de Participações Sociais que controlam as empresas dos grandes grupos económicos».

Ou seja, assinalou, «um valor que é superior aos cortes efectuados nas pensões de reforma e nos salários da administração pública».

Daí ter perguntado a Passos Coelho como justifica este que o Governo «tenha escondido mais esta escandalosa benesse dada maioritariamente a um escasso número de grandes grupos económicos», ao mesmo tempo que impõe «pesadíssimos sacrifícios a quem trabalha ou a quem vive da sua reforma ou pensão».

A ausência de explicação do primeiro-ministro – afirmou não conhecer o documento, adiantando apenas que o Governo tem respeitado a lei, nomeadamente a lei fiscal, e ficou-se por aí - significa para Jerónimo de Sousa que «acabou essa conversa de que os sacrifícios estão a ser distribuídos equitativamente».

«Não, quem sofre é a maioria dos trabalhadores e do povo, quem beneficia é o grande capital financeiro», acusou o dirigente comunista que viria a disponibilizar ao primeiro-ministro uma cópia do referido relatório do Tribunal de Contas.

Mentiras

Jerónimo de Sousa não deu contudo o assunto por encerrado e considerou que o chefe do Governo «vai ter de responder», porquanto, justificou, esta é «uma questão de fundo». «Pode dizer que é uma opção política do Governo - que seja! -, mas não pode mentir aos portugueses quando afirma que os sacrifícios estão a ser repartidos por todos», sublinhou.

Passos Coelho viria a repetir que nunca um governo antes «exigiu tanto a quem tem mais». E bateu na tecla de que a esmagadora maioria dos pensionistas – 85% - não foi afectada pela redução das pensões. Pudera?! O que essa percentagem revela é afinal o nível intoleravelmente baixo das pensões no nosso País. Pelo que só faltava mesmo era que o Governo ainda fosse rapar nas míseras pensões de quem vive no limiar da sobrevivência porque lhe é negado o direito a ter uma velhice com dignidade.

 

Camuflar a realidade

Foi notório ao longo do debate o esforço do chefe do Governo e dos partidos da maioria para valorizar os mais recentes dados sobre o desemprego. A baixa de uma décima de Novembro para Dezembro de 2013, situando-se neste último mês nos 15,4%, e a redução registada em termos homólogos (menos 109 mil desempregados do que em Dezembro de 2012), segundo o Eurostat, foi motivo para exultação.

«Redução não significa recuperação, significa emigração», reagiu Jerónimo de Sousa, dirigindo-se a Passos Coelho, a quem lembrou que durante estes dois anos e meio, em termos líquidos, ocorreu a destruição de cerca de 300 mil postos de trabalho.

«Não jogue com as estatísticas, fale da realidade», instou o Secretário-geral do PCP, convicto de que o primeiro-ministro fizera «um exercício estatístico que não corresponde à realidade que vivemos».

Na réplica, o primeiro-ministro viria a reconhecer que houve e há emigração mas alegou que no segundo e terceiro trimestres do ano passado houve uma «estabilização do número de activos e que apesar disso o desemprego desceu».

E repetiu que os «resultados são «importantes», que mostram que o «País está a crescer desde o segundo trimestre do ano passado» e que o «desemprego também tem vindo a decrescer, não tanto quanto desejaria, mas está a descer». Para ser rigoroso, deveria ter dito também que esse emprego entretanto criado corresponde maioritariamente a horários semanais muito reduzidos, precários e mal pagos.

Nas mãos do povo

Sem observação do líder comunista não passou, entretanto, a referência de que o País não voltará ao que era nem à «riqueza ilusória». Jerónimo de Sousa quis saber exactamente a que se referia Passos Coelho e daí a pergunta: «Estava a falar de quem? Quem é que viveu acima das suas possibilidades? Foram os reformados e pensionistas? Foram os trabalhadores do sector privado? Foram estes que viveram acima das possibilidades ou, pelo contrário, foram aqueles que têm particulares responsabilidades na crise e que o Governo, como se verifica pela nota do TC, continua a engordar, exigindo sempre sacrifícios aos mesmos do costume e que nunca viveram acima das possibilidades?»

Perante o que disse ser a clara e «livre opção» assumida pelo Governo – por sacrificar o povo em favor dos poderosos – , o líder comunista concluiu assim que «isto só lá vai com a demissão deste Governo, com uma ruptura com esta política». E daí ter deixado um conselho ao primeiro-ministro: «não faça planos para mil anos, pois, quem decide, quem tem a última palavra, é sempre o povo. E essa opção há-de sair-lhe cara».

 



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