Fartura de uns é miséria de muitos
Sob a voz da indignação e do protesto popular, que nessa manhã se fez ouvir no espaço fronteiro às escadarias da AR, a maioria PSD/CDS-PP aprovou sexta-feira, isolada, na generalidade, o OE para 2014.
Governo age como conselho de administração do capital
A imagem diz desse profundo divórcio que separa este Governo dos trabalhadores e do povo, sobre quem faz recair, implacável, as consequências da sua política de classe ao serviço dos interesses do capital financeiro e dos grandes grupos económicos.
«Este é o pior Orçamento do Estado para os trabalhadores e as famílias desde a assinatura do pacto de agressão» e, com ele, «o Governo agrava a opção de espoliar os trabalhadores e os reformados dos seus direitos e rendimentos para poder continuar a garantir os lucros e as rendas ao grandes capital», afirmou o deputado comunista Paulo Sá, indo assim ao âmago desta política orçamental que é a «fartura de uns à custa do desastre e da miséria de outros».
Jerónimo de Sousa sublinhara já no arranque do debate que este OE, articulado com a reconfiguração do Estado desenhada por Paulo Portas, revela bem a vontade do Governo de querer um «Estado mínimo» para os trabalhadores e o povo e um «Estado máximo» para os senhores do capital.
Servir o capital
E por isso a bancada comunista acusou o Governo de agir «como um conselho de administração do grande capital» para, ao arrepio da Constituição, procurar concretizar essa velha aspiração da direita de «reconfigurar o Estado à medida dos interesses da banca e dos grandes grupos económicos, à custa dos rendimentos dos trabalhadores e dos seus direitos sociais».
E esta é, verdadeiramente, a questão de fundo que perpassa no OE e que faz dele uma peça fundamental, mais uma, do projecto político mais amplo e definitivo que anima o Governo no sentido de ajustar o Estado em moldes que assegurem, como sublinhou o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, o «controlo da riqueza por uma meia dúzia de poderosos e que tenha condições de impor a exploração de quem trabalha, negando-lhes direitos económicos, sociais e laborais».
Passos Coelho procurou negar motivações ideológicas nas suas opções, nomeadamente nos cortes propostos no OE, afirmando que o Governo apenas quer reduzir a despesa do Estado para lhe «dar sustentabilidade».
Mas a formação comunista demonstrou ser esse um embuste de todo o tamanho. Com efeito – no que é uma vez mais revelador da natureza das opções e prioridades vertidas no OE –, enquanto, por um lado, se acentua a linha de corte dos salários e pensões, redução das prestações sociais, ataque ao SNS e à Escola Pública, destruição de emprego e confisco fiscal aos trabalhadores e famílias, por outro lado, em paralelo, há uma apropriação da riqueza nacional pela banca e grandes grupos económicos, através dos juros da dívida pública, das privatizações, das PPP, dos benefícios fiscais, dos contratos SWAP especulativos, da baixa de impostos por via da reforma do IRC.
Vender ilusões
Confirmado pelo debate foi, ainda, o falhanço de todos os objectivos alegados para a assinatura do pacto de agressão, objectivos que na perspectiva do PCP mais não são do que a «fachada» que encobre «um programa político de fundo que os subscritores do pacto continuam a querer esconder», como denunciou João Oliveira.
E por isso Governo e maioria tudo fizeram para desviar a atenção dos problemas, criar a ilusão de que mais à frente melhores dias virão, que não é a hora para «desperdiçar os sacrifícios», que não faltam «indicadores positivos». Falaram do «comportamento das exportações», da produção industrial», da «melhoria dos índices de confiança», do «2.º trimestre de crescimento». Chegaram ao ponto de proclamar, como Luís Montenegro (PSD), que este é o «orçamento da esperança», «amigo do investimento e do relançamento da actividade económica», que «protege os mais vulneráveis».
Exercício de hipocrisia e ilusionismo que os deputados comunistas trataram de desmontar, sublinhando, por exemplo, que em 2014 o País estará, sim, é mais dependente do exterior económica e financeiramente, que a dívida aumentará para mais de 200 000 milhões de euros, que a meta de 4% para o défice não passa de miragem, sem falar na ainda maior destruição de emprego (17,7%).
Tal como estilhaçado foi o cenário macroeconómico traçado no OE, com Miguel Tiago a considerar que se baseia em pura «fantasia». Mostra-o, exemplificou, as exportações, cujo incremento está a ser suportado em larga medida pelos combustíveis saídos da refinaria de Sines, produção que tenderá a estagnar devido a estar perto do limite da capacidade.