• A democracia política

Fascismo, Abril, os partidos, o Partido

José Casanova
Sublinha-se aqui, do vasto conjunto de importantes conquistas da revolução de Abril, a instituição da democracia política na qual é reconhecido o papel dos partidos políticos, considerados como um dos elementos organizativos fundamentais dos diversos interesses sociais e das correntes de opinião e da participação democrática nos órgãos do poder.
Para o PCP tratou-se de ver alcançado não apenas um objectivo próprio, pelo qual havia lutado durante décadas, mas também de ver concretizado o pluralismo partidário, que considerava ajustado à realidade nacional e que constituía um dos seus objectivos programáticos desde o tempo do fascismo. Recorde-se que o Estado democrático, representativo e participado, defendido no Programa do PCP, integra a «liberdade de constituição de partidos e outras associações, sem interferência nem necessidade de autorização prévia das entidades públicas». Este conceito, aparentemente incontestável e susceptível de merecer um muito generalizado acordo e apoio é, na realidade, contestado e objecto de profundos desacordos - pelo menos quando se trata do reconhecimento desses direitos ao PCP... E assim tem sido sempre: antes e depois do 25 de Abril.
A luta do PCP pela sua existência enquanto partido comunista e português, tem sido uma luta longa, difícil, muitas vezes cheia de perigos. A ditadura fascista surgida na sequência do golpe militar de 28 de Maio de 1926, ordenou a dissolução de todos os partidos políticos e criou um sistema de partido único. Dos partidos então existentes, apenas o PCP não acatou a ordem: nos primeiros tempos, sem condições para a resistência que se impunha, o Partido procurou organizar e fortalecer a sua capacidade de intervenção e, em 1929, com Bento Gonçalves e a reorganização, iniciou uma actividade clandestina, primeiro irregular mas que, especialmente a partir da reorganização de 1941/1942, criaria condições para uma permanente e intensa actividade antifascista que prosseguiria até ao 25 de Abril de 1974. Com essa reorganização, o PCP passou a ser «um grande partido nacional, a principal força da Resistência, a força organizadora, propulsora e orientadora da luta popular». E assim se impôs como o grande partido da resistência ao fascismo - aglutinador dos vários sectores democráticos e antifascistas graças a uma política de unidade na qual os interesses da luta contra a ditadura se sobrepunham, sempre, aos estritos interesses partidários - o grande partido da luta pela democracia, pela liberdade, pela defesa dos interesses da classe operária, dos trabalhadores, do povo e do País, pela independência e soberania nacionais; enfim, o único partido que se opunha ao partido único. De tal forma que, a dada altura, a designação de O Partido - utilizada pelos antifascistas comunistas e não comunistas - bastava para o identificar. Por tudo isto, o PCP foi o alvo preferencial e prioritário da repressão fascista.

Um papel fun­da­mental

Nos dias que se seguiram ao 25 de Abril, o general Spínola – com cheiros a fascismo no pingalim e no monóculo e argumentando que o Programa do MFA apenas admitia «associações políticas, possíveis embriões de futuros partidos políticos» (formulação que ele próprio lograra impor no Programa) - tentou proibir o Partido, a actividade dos comunistas, o Avante! com a foice e o martelo... Tentativa gorada: o povo nas ruas conquistando e em simultâneo exercendo a liberdade, as bandeiras comunistas colorindo de liberdade as praças e as ruas, traziam consigo a força de décadas de resistência, uma força que varreu as veleidades de general contra-revolucionário.
Nos tempos posteriores e até ao tempo actual, o PCP desempenhou um papel fundamental: na luta pelas conquistas da revolução e na luta pela defesa dessas conquistas, no combate permanente à política de direita e na procura da criação de condições para a implementação de uma política de esquerda.
Por isso mesmo, continuou a ser alvo de múltiplas, diversificadas e fortes ofensivas.
As leis dos partidos e do seu financiamento – aprovadas em 24 de Abril de 2003 pelo PSD, pelo PS e pelo CDS-PP, e consideradas como positivas pelo Presidente da República – são, ainda e de novo, chispas desse ancestral ódio de classe ao PCP. Neste caso, trata-se de - através de duas leis profundamente antidemocráticas, carregadas de iniludíveis sinais fascizantes e disparadas cirurgicamente contra o PCP - procurar atingir a capacidade de intervenção do Partido, a sua estrutura orgânica, a sua força, a sua influência. Trata-se de tentar impor ao PCP o figurino que mais convém aos partidos seus adversários. Trata-se, em resumo, de mais uma tentativa de, desta vez por via da lei, transformar o PCP num partido igual aos que são todos iguais.
Ora, a história da luta antifascista, do processo revolucionário e da contra-revolução, mostra e confirma a singularidade do papel do PCP na sociedade portuguesa – um partido que foi, é e quer continuar a ser, diferente dos que são todos iguais.
Com efeito, pelo seu projecto, pela sua prática, pelo seu funcionamento interno, o PCP - não obstante as permanentes tentativas de o liquidar ou domesticar – é, desde que existe e por direito conquistado, esse partido diferente. Quando foi o único dos partidos então existentes a rejeitar a dissolução ordenada pelo fascismo, o PCP estava a ganhar o direito a ser diferente dos que, acatando a ordem fascista, optaram por ser todos iguais. E assim continuou a ser no tempo novo de Abril, no tempo dos avanços revolucionários, das conquistas que colocaram Portugal no primeiro plano da modernidade em toda a Europa; e no tempo da contra-revolução de Abril, até hoje.
E assim continuará a ser no futuro.


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