• Comemorações populares do 25 de Abril

Festejar é resistir

A Comissão Organizadora das Comemorações Populares do 25 de Abril dá diversas razões para festejar os 30 anos da Revolução dos Cravos, nomeadamente combater a precariedade e os despedimentos, o aumento da fome e da pobreza, a manutenção de direitos adquiridos, defender a Segurança Social e o Serviço Nacional de Saúde. Publicamos o apelo à participação na íntegra. Em Lisboa, a manifestação inicia-se às 15h30 no Marquês do Pombal e segue para o Rossio.
A revolução do 25 de Abril celebra trinta anos. Trinta anos de liberdade que foram o período mais estável que o País viveu em democracia institucionalizada. Os que nasceram naquela data, ou os que na altura ainda eram crianças, são hoje homens e mulheres na plenitude da sua existência. Não conheceram, por conseguinte, a ditadura, os malefícios da servidão e do exílio, nem as prisões arbitrárias, o lápis censório e o subdesenvolvimento cultural e social generalizado. Tudo o que sabem a respeito dessa época lhes chegou relatado, de forma indirecta, pelos mais velhos, ou através da informação que recolheram, sempre em segunda mão. Importa, por isso, que os valores de Abril lhes sejam apresentados e transmitidos com fidelidade, para que, não obstante as eventuais provações do presente, confiem em que haverá sempre oportunidades redentoras a justificar um continuado empenhamento no futuro do País.
Independentemente dos distanciamentos geracionais e das diferenças de mentalidade, importa reconhecer que o melhor da juventude estudantil e trabalhadora nunca se recusou a participar nas principais lutas em prol dos interesses colectivos. Se hoje o seu modo de reagir perante as vicissitudes da política nem sempre se assemelha à resposta dos que conheceram directamente o fascismo, a assimilação do sistema democrático tornou-se, em contrapartida, para os mais novos, tão natural como o ar que respiram. Esta não será, por conseguinte, a par da descolonização, uma das menores aquisições do 25 de Abril.
A rotina democrática tende, no entanto, a provocar, em numerosos cidadãos, um certo distanciamento das questões políticas, fazendo com que os movimentos de maior amplitude que ocorrem na vida colectiva do País escapem, por vezes, à sua percepção imediata. Nos últimos trinta anos Portugal mudou e a realidade de hoje não tem comparação com a do passado. A democracia frutificou, e em quase todos os domínios, o progresso alcançado relativamente a 1974 foi espectacular. Mas apesar disso, existe paralelamente um clima bastante generalizado de insatisfação, pela consciência de que se ficou, não apenas, aquém do desejável, mas sobretudo, longe do que teria sido possível atingir. Na dialéctica entre fluxos e refluxos do progresso, entre avanços e recuos sociais, alguns dos patamares que se julgaram adquiridos foram entretanto destroçados, mormente nos últimos anos em que a direita conquistou o poder. Contribuiu para isso a debilidade do País, mal apetrechado para resistir às crises da conjuntura económica europeia, e sobretudo a complacência dos seus dirigentes perante os modelos de exploração neoliberal que, no fundo, reacordavam e iam ao encontro de uma antiga tradição do capitalismo português.

Em maré baixa

Os arquétipos económicos de uma produção assente em baixos salários e em tecnologias ultrapassadas encontraram apoio e enquadramento político em esquemas proto-ideológicos abusivamente retirados das noções de competitividade, de modernidade; da suposta excelência do privado sobre o público, da libertação da sociedade civil, do menos Estado, melhor Estado e outras retóricas do género, repetidas, interpretadas e distorcidas até à náusea, de molde a preparar os espíritos para a boa nova da perda ou restrição de direitos já adquiridos, tanto no plano cívico e social, como nos domínios da cultura e do ambiente. A produção legislativa já aprovada ou em gestação, designadamente no âmbito do direito do trabalho, dos serviços e funções sociais do Estado, propende nesse sentido. Sobre a cabeça dos cidadãos está suspensa, e cada vez mais ameaçadora, a espada de Damócles da precariedade, com o aumento da fome e da pobreza, com o inerente risco de despedimentos expeditos a remeterem para a inactividade sem perspectivas e para o aumento dramático do desemprego; do acesso economicamente restritivo aos últimos graus de ensino; e do progressivo esvaziamento da Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde.
Estamos melhor que em Abril de 1974? Estamos! Mas, no contexto da história desde então percorrida, caímos agora numa maré baixa que se arrasta penosamente. Vai dar muito trabalho concertar o mal feito, mas a democracia possui um considerável poder regenerativo. A ideia de que o regime democrático está a ser objecto de uma deriva, que procura reduzi-lo a um formalismo gerador de autoritarismos, é cada vez mais pressentida por todos os que prezam a liberdade, tenham ou não conhecido na pele a ditadura.
Reabilitar, por conseguinte, as instituições da democracia; assegurar que o Parlamento controla de facto o Governo e não o inverso; prover os tribunais com melhores condições de funcionamento; velar para que o princípio do interesse público se sobreponha sempre ao do interesse privado; pautar a política estrangeira pela estrita autonomia e não subordinação às conveniências dos outros; participar activamente no aprofundamento da construção europeia, com realce para a coesão e convergência social dos países que a integram; combater firmemente o terrorismo em qualquer dos seus planos, sem para isso, cercear os direitos fundamentais dos cidadãos; não dar tréguas tanto ao racismo como à xenofobia, à intolerância religiosa ou ideológica; todo este conjunto de objectivos será razão bastante para que, trinta anos após a revolução dos cravos, aqueles que não descrêem duma sociedade mais solidária e mais justa, aqueles que amam verdadeiramente a paz, se devam integrar nas celebrações populares do 25 de Abril, e assim colectivamente afirmarem a sua vontade de nunca baixar os braços. A todos se apela a que, por civismo e por homenagem ao Movimento das Forças Armadas, que deverá este ano ser especialmente evocado, participem nas diversas manifestações previstas, as quais em Lisboa, como habitualmente, terão o seu auge, a partir das 15h30, no desfile entre a Praça do Marquês de Pombal e o Rossio.


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Respostas revolucionárias

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