Respostas revolucionárias
Mais do que história encarcerada nos círculos de especialistas, a abordagem das nacionalizações e do controlo operário no processo revolucionário português continua a fazer-se no quadro de um intenso combate político, tal como quase sempre sucede quando se fala do 25 de Abril de 1974 e das outras conquistas que ele trouxe ou para que abriu portas. Para a direita, há que limpar das memórias a derrota que sofreu com a revolução e prosseguir a recuperação, sempre inacabada, pois o que interessa é o lucro, sempre mais lucro e sempre mais privado. Para a esquerda, preservar a memória e a verdade é uma afirmação de que as respostas que a revolução encontrou para derrotar os seus inimigos foram correctas na altura e de que os caminhos de Abril precisam ser retomados, para bem do País e da esmagadora maioria dos portugueses.
Quando as principais figuras do Governo e dos partidos que o suportam vêm dizer que «a revolução trouxe benefícios políticos, mas foi um massacre para a economia» (Durão Barroso) ou que o 11 de Março de 1975 foi «o dia em que a economia portuguesa foi destruída» (Paulo Portas), é necessário contrapor-lhes que «as grandes conquistas democráticas, no que respeita às estruturas socioeconómicas (nomeadamente, as nacionalizações e a reforma agrária) não só correspondiam à criação de uma nova base de desenvolvimento, como à necessidade de medidas de defesa da economia e das liberdades alcançadas» (Álvaro Cunhal, no colóquio «25 de Abril, ontem hoje e amanhã», integrado nas comemorações dos 20 anos da revolução promovidas pelo PCP).
As nacionalizações e o controlo operário foram respostas revolucionárias. Se os beneficiários e instigadores da contra-revolução pretendem eliminá-las da história, os comunistas continuam entre os que mais firmemente se batem em sua defesa.
Monopólios e poder
Em diferentes ocasiões, o PCP apontou as ligações entre o poder económico e o regime fascista. «O golpe militar de 1926, que levou à instauração da ditadura fascista, foi preparado e executado pelas forças reaccionárias do grande capital e dos agrários», referia-se no Programa do Partido, aprovado em Outubro de 1974, no 7.º Congresso. E denunciava-se que «o objectivo foi pôr o aparelho de Estado ao seu serviço, arredar completamente do poder a pequena e média burguesia, entravar o desenvolvimento do movimento operário».
Não se pode ignorar nem esquecer que, «ao longo da sua existência, toda a política da ditadura fascista foi dirigida no sentido de apressar, com a acção compulsiva do Estado, o processo de centralização e concentração de capitais» e que, «tendo ao seu serviço o aparelho repressivo do Estado e o gigantesco aparelho de direcção, coordenação e subjugação económica que era a organização corporativa, os grandes bancos e os grandes industriais foram tomando em suas mãos o domínio de quase toda a economia nacional». A dado passo, «o capital financeiro (resultado da fusão do capital bancário com o capital industrial) tornou-se o senhor omnipotente da economia portuguesa» e «uma dúzia de grupos monopolistas, associados ao imperialismo estrangeiro, domina as riquezas e as actividades económicas». O Programa refere também que «nos últimos anos, verificou-se ainda a passagem a uma nova fase de desenvolvimento do capitalismo monopolista, o capitalismo monopolista de Estado», significando tal que «o Estado interveio em todos os aspectos da vida económica, fundiu o seu poder com o poder dos monopólios já dominantes, pôs ao seu serviço todos os meios do Estado, constituindo com eles um mecanismo único».
Para os comunistas, estava claro – e escreveram-no no Programa aprovado seis meses depois do 25 de Abril – que «a liquidação do poder dos monopólios e o desenvolvimento económico geral constituem um objectivo central da revolução democrática e nacional». Para alcançar este objectivo, entre as oito medidas apontadas, estava a «nacionalização dos bancos, das companhias de seguros, dos transportes ferroviários, aéreos e marítimos, do telégrafo e dos telefones, das minas, da produção e transporte de electricidade e outros sectores da indústria pertencentes aos grupos monopolistas».
Mas esta não era a posição prevalecente nos órgãos de poder, por muito que alguns repitam a tese da «dominação comunista». «Um dos aspectos mais característicos do desenvolvimento do processo revolucionário português é terem sido levadas a cabo profundas transformações revolucionárias sem que existisse um poder revolucionário e sem que se tivesse criado um aparelho de Estado correspondente às transformações alcançadas», refere Álvaro Cunhal, em «A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro», relatório aprovado pelo Comité Central do PCP em 1976, para o 8.º Congresso do Partido. A falta desse poder político e desse aparelho de Estado «deu uma sólida base às forças reaccionárias e conservadoras para organizarem a resistência ao avanço do processo revolucionário, recuperarem posições e passarem ao ataque».
O capítulo sobre «O poder político e a acção revolucionária» conclui com a observação de que «o processo revolucionário veio a mostrar que as liberdades se defendem destruindo o domínio e o poder dos monopólios e latifundiários, e a democracia se constrói tanto no plano político como nos planos económico e social».
Para que se desse início às nacionalizações, Álvaro Cunhal indica um conjunto de factores: «a derrota da reacção no 11 de Março, o comprometimento do grande capital na conspiração, o súbito avanço das forças revolucionárias, a luta enérgica dos trabalhadores, a acção dos militares do MFA, a aliança Povo-MFA».
O Conselho da Revolução, que substitui a Junta de Salvação Nacional após o 11 de Março, decide, nos dias 14 e 15 desse mês, nacionalizar os bancos e as companhias de seguros (excepto as sociedades estrangeiras). Mas, para tal, foi decisivo o facto de os trabalhadores da banca (como de outros sectores, mais tarde) terem tomado nas suas mãos a denúncia dos comprometimentos contra-revolucionários dos capitalistas e a exigência da nacionalização. Após o 28 de Setembro de 1974, os bancários «instituíram um efectivo controlo na banca» e, no 11 de Março, «proíbem as administrações de entrarem nas instalações» e «os delegados sindicais tomam conta das chaves dos cofres». Refere ainda Álvaro Cunhal que «no dia 13 entregam à Assembleia do MFA provas da sabotagem económica».
O processo de nacionalizações prolongou-se até ao verão de 1976 (meses depois do 25 de Novembro). «As nacionalizações abrangeram directamente 254 empresas do sector financeiro (banca e seguros), de sectores básicos industriais (siderurgia, adubos, cimentos, refinação de petróleo, construção naval, metalomecânica pesada), do sector de transportes (ferroviários, marítimos, aéreos e rodoviários), da produção, transporte e distribuição de electricidade, etc., e implicaram a participação, maioritária ou minoritária, em muitas centenas de outras empresas nacionais», elenca-se na declaração do Encontro do PCP sobre o sector empresarial do Estado, em Maio de 1988.
«Inversamente aos objectivos subjacentes às nacionalizações, as empresas públicas não foram colocadas ao serviço do desenvolvimento económico do País e dos interesses dos trabalhadores», recordou na ocasião Octávio Pato. O mesmo acabou por suceder com cerca de três centenas de empresas que, por exigência dos trabalhadores e por imposição legal, tiveram administrações nomeadas pelo Estado (empresas intervencionadas).
Apesar da intensa ofensiva ideológica, política e económica que sofreu desde 1976, o sector empresarial do Estado incluía, no final de 1986: 69 empresas públicas e quase 1200 empresas de capitais públicos e participadas (452 destas maioritariamente).
Os três erros do capital
Ao abordar o processo de nacionalizações, em «A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro», Álvaro Cunhal aponta três erros aos grandes capitalistas:
«O primeiro foi não terem acreditado na viabilidade da democracia portuguesa e terem procurado liquidá-la o mais rapidamente possível. Com esse fim começaram a sabotar a economia nacional, retiraram e exportaram fundos, cometeram toda a espécie de irregularidades e de fraudes.
«Sacavam capitais do Banco Central para os colocar nos bancos comerciais e os distribuir pelas empresas dos grupos, por familiares, por compadres, por cabeças de turco. As responsabilidades da banca comercial perante o Banco Central passaram de 9 milhões de contos, em 25 de Abril de 1974, para mais de 50 milhões de contos, em 11 de Março de 1975, o que significou a subtracção ao Estado de 41 milhões de contos.
«Enquanto tiveram a banca nas mãos, os capitalistas utilizaram-na para violar as medidas tomadas depois do 25 de Abril, com vistas a impedir a fuga de capitais. No Banco Espírito Santo (BESCL), por exemplo, foi feito em 13 de Maio de 1974 um financiamento de 65 mil contos à herança do Dr. MR Espírito Santo Silva e em 9 de Dezembro de 1974 um financiamento de 75 500 contos à Cimianto (empresa do grupo).
«As mais variadas formas foram utilizadas pelos grandes banqueiros e capitalistas para organizar a fuga de capitais. (...) Nos primeiros cinco meses de 1975, o Banco de Portugal recebeu, enviados pelos bancos de vários países, mais 600 mil contos em notas do que em igual período do ano anterior.
«O segundo erro dos grandes capitalistas foi passarem a ajudar directamente os conspiradores reaccionários e terem-se alguns tornado eles próprios conspiradores.
«O BESCL era pródigo em financiamentos às forças contra-revolucionárias e reaccionárias. O Partido do Progresso recebeu, em nome dos senhores Pessanha e Machado, 2579 contos e, em nome do senhor Deitado, 1613 contos (6 de Setembro de 1974 e 3 de Outubro de 1974), parte dos quais para pagar à Tipografia Mirandela o cartaz da “maioria silenciosa”. O Partido Liberal recebeu, em nome do senhor Araújo, 1861 contos. O CDS recebeu um financiamento de 5 mil contos (28 de Agosto de 1974). Com nomes incompletos, para disfarce, gente do PPD tinha conta aberta para sacar dinheiro ao banco, conhecendo-se levantamentos de 6 mil contos.
«O terceiro erro dos capitalistas foi continuarem a fazer vida como dantes. como se nada tivesse acontecido, como se os trabalhadores não tivessem agora a possibilidade de conhecer as suas falcatruas, os administradores continuaram a ir ao estrangeiro em passeatas pagas pelas empresas. Continuaram a receber ajudas de custo de 2 contos diários e mais. Continuaram a ordenar que bancos e outras sociedades fizessem empréstimos de milhares de contos, sem juros, às mulheres e outros familiares. Continuaram a pagar, à conta das empresas, moradias, carros, prendas de anos, almoços diários nos restaurantes mais caros. Para comprar moradias e outros bens, o Cardoso da Fundição de Oeiras desviou mais de 100 mil contos de créditos concedidos à empresa. O M. Gonçalves, como atrás se mostrou, desviou para carros, barcos de recreio e até um avião particular. J. de Brito e J. Pimenta desviaram milhões. Os Vanzellers tiraram da Ecril para as suas quintas. O regabofe do grande capital continuava depois do 25 de Abril.
«Estas três formas de actuar, em vez de conduzirem os seus autores ao sucesso, conduziram-nos ao desastre.»
Progressos e retrocessos
As nacionalizações evidenciaram as potencialidades de um sector empresarial do Estado forte, dinâmico e posto ao serviço dos trabalhadores, do povo e do País.
No Encontro do PCP sobre o sector empresarial do Estado, realizado em Maio de 1988, várias intervenções referiram progressos sociais e económicos alcançados.
Clarinda Nogueira recordou as conclusões da assembleia de organização do Partido na EPAL: «O controlo da empresa pelos trabalhadores manifestou-se, em 1978, nomeadamente, na melhor distribuição e montagem de chafarizes em bairros de lata e clandestinos» e «como tivéssemos atravessado anos de grande estiagem, restringiu-se o consumo em piscinas e regas de jardins particulares, de forma a que a água existente fosse canalizada na quase totalidade para abastecimento público».
Refere também que «a banca passou a orientar o crédito para actividades produtivas, proporcionando o progresso de muitas empresas e a manutenção e a criação de milhares de postos de trabalho», enquanto «nos seguros, foram criadas condições para que o elevado volume de poupança das famílias, retido pelas seguradoras, pudesse ser aplicado em empreendimentos de interesse nacional».
Nos transportes, «centenas de milhar de pessoas passaram a beneficiar do passe social intermodal; criaram-se muitas dezenas de novas carreiras, nomeadamente na Rodoviária Nacional e na Carris; fizeram-se chegar transportes a muitos lugares antes desprezados; fizeram-se fortes investimentos nas frotas rodoviárias e na frota fluvial da Transtejo.
A nacionalização do sector eléctrico e a formação da EDP permitiram «levar a cabo um plano de electrificação do País, através do qual em apenas seis anos se electrificou mais do que nos 20 anos anteriores. A electricidade foi levada a mais 5275 lugares e a mais de 400 mil pessoas».
Na mesma iniciativa, Jerónimo de Sousa salientou que os trabalhadores do sector empresarial do Estado «não se limitaram a alcançar mais direitos e novas regalias, manterializadas com a conquista de refeitórios, novos horários de trabalho, melhores salários, manutenção dos postos de trabalho, mais protecção e mais regalias sociais», mas «deram combate à sabotagem económica e deram uma nova e criadora dimensão à intervenção e à participação democrática na vida das empresas, através do exercício do controlo de gestão».
«A análise objectiva dos últimos 13 anos da vida política e económica portuguesa (1976-88) revela que o caminho seguido pelos vários governos e pela política de direita em relação ao SEE foi exactamente o inverso daquele que resultava da lógica de funcionamento e da necessidade de consolidação do novo sistema económico gerado pela Revolução de Abril, consagrado na Constituição de 1976 e confirmado na sua revisão de 1982», denuncia-se na resolução do encontro.
O sector empresarial do Estado acabou por ser «um alvo e um instrumento privilegiado, utilizado pelos governos nesta cruzada em favor da restauração de uma organização económica dirigida pelo grande capital». As empresas públicas, nesses anos, foram usadas para: «minorar a crise em sectores de actividade em que predominam as empresas privadas; conter artificialmente a inflação; financiar os défices externos do País; financiar os défices orçamentais do Estado e dos Fundos Autónomos; criar e desenvolver empresas e novos grupos económicos privados; servir os interesses pessoais e partidários de membros de governos e gestores».
As nacionalizações e o controlo operário foram respostas revolucionárias. Se os beneficiários e instigadores da contra-revolução pretendem eliminá-las da história, os comunistas continuam entre os que mais firmemente se batem em sua defesa.
Monopólios e poder
Em diferentes ocasiões, o PCP apontou as ligações entre o poder económico e o regime fascista. «O golpe militar de 1926, que levou à instauração da ditadura fascista, foi preparado e executado pelas forças reaccionárias do grande capital e dos agrários», referia-se no Programa do Partido, aprovado em Outubro de 1974, no 7.º Congresso. E denunciava-se que «o objectivo foi pôr o aparelho de Estado ao seu serviço, arredar completamente do poder a pequena e média burguesia, entravar o desenvolvimento do movimento operário».
Não se pode ignorar nem esquecer que, «ao longo da sua existência, toda a política da ditadura fascista foi dirigida no sentido de apressar, com a acção compulsiva do Estado, o processo de centralização e concentração de capitais» e que, «tendo ao seu serviço o aparelho repressivo do Estado e o gigantesco aparelho de direcção, coordenação e subjugação económica que era a organização corporativa, os grandes bancos e os grandes industriais foram tomando em suas mãos o domínio de quase toda a economia nacional». A dado passo, «o capital financeiro (resultado da fusão do capital bancário com o capital industrial) tornou-se o senhor omnipotente da economia portuguesa» e «uma dúzia de grupos monopolistas, associados ao imperialismo estrangeiro, domina as riquezas e as actividades económicas». O Programa refere também que «nos últimos anos, verificou-se ainda a passagem a uma nova fase de desenvolvimento do capitalismo monopolista, o capitalismo monopolista de Estado», significando tal que «o Estado interveio em todos os aspectos da vida económica, fundiu o seu poder com o poder dos monopólios já dominantes, pôs ao seu serviço todos os meios do Estado, constituindo com eles um mecanismo único».
Para os comunistas, estava claro – e escreveram-no no Programa aprovado seis meses depois do 25 de Abril – que «a liquidação do poder dos monopólios e o desenvolvimento económico geral constituem um objectivo central da revolução democrática e nacional». Para alcançar este objectivo, entre as oito medidas apontadas, estava a «nacionalização dos bancos, das companhias de seguros, dos transportes ferroviários, aéreos e marítimos, do telégrafo e dos telefones, das minas, da produção e transporte de electricidade e outros sectores da indústria pertencentes aos grupos monopolistas».
Mas esta não era a posição prevalecente nos órgãos de poder, por muito que alguns repitam a tese da «dominação comunista». «Um dos aspectos mais característicos do desenvolvimento do processo revolucionário português é terem sido levadas a cabo profundas transformações revolucionárias sem que existisse um poder revolucionário e sem que se tivesse criado um aparelho de Estado correspondente às transformações alcançadas», refere Álvaro Cunhal, em «A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro», relatório aprovado pelo Comité Central do PCP em 1976, para o 8.º Congresso do Partido. A falta desse poder político e desse aparelho de Estado «deu uma sólida base às forças reaccionárias e conservadoras para organizarem a resistência ao avanço do processo revolucionário, recuperarem posições e passarem ao ataque».
O capítulo sobre «O poder político e a acção revolucionária» conclui com a observação de que «o processo revolucionário veio a mostrar que as liberdades se defendem destruindo o domínio e o poder dos monopólios e latifundiários, e a democracia se constrói tanto no plano político como nos planos económico e social».
Para que se desse início às nacionalizações, Álvaro Cunhal indica um conjunto de factores: «a derrota da reacção no 11 de Março, o comprometimento do grande capital na conspiração, o súbito avanço das forças revolucionárias, a luta enérgica dos trabalhadores, a acção dos militares do MFA, a aliança Povo-MFA».
O Conselho da Revolução, que substitui a Junta de Salvação Nacional após o 11 de Março, decide, nos dias 14 e 15 desse mês, nacionalizar os bancos e as companhias de seguros (excepto as sociedades estrangeiras). Mas, para tal, foi decisivo o facto de os trabalhadores da banca (como de outros sectores, mais tarde) terem tomado nas suas mãos a denúncia dos comprometimentos contra-revolucionários dos capitalistas e a exigência da nacionalização. Após o 28 de Setembro de 1974, os bancários «instituíram um efectivo controlo na banca» e, no 11 de Março, «proíbem as administrações de entrarem nas instalações» e «os delegados sindicais tomam conta das chaves dos cofres». Refere ainda Álvaro Cunhal que «no dia 13 entregam à Assembleia do MFA provas da sabotagem económica».
O processo de nacionalizações prolongou-se até ao verão de 1976 (meses depois do 25 de Novembro). «As nacionalizações abrangeram directamente 254 empresas do sector financeiro (banca e seguros), de sectores básicos industriais (siderurgia, adubos, cimentos, refinação de petróleo, construção naval, metalomecânica pesada), do sector de transportes (ferroviários, marítimos, aéreos e rodoviários), da produção, transporte e distribuição de electricidade, etc., e implicaram a participação, maioritária ou minoritária, em muitas centenas de outras empresas nacionais», elenca-se na declaração do Encontro do PCP sobre o sector empresarial do Estado, em Maio de 1988.
«Inversamente aos objectivos subjacentes às nacionalizações, as empresas públicas não foram colocadas ao serviço do desenvolvimento económico do País e dos interesses dos trabalhadores», recordou na ocasião Octávio Pato. O mesmo acabou por suceder com cerca de três centenas de empresas que, por exigência dos trabalhadores e por imposição legal, tiveram administrações nomeadas pelo Estado (empresas intervencionadas).
Apesar da intensa ofensiva ideológica, política e económica que sofreu desde 1976, o sector empresarial do Estado incluía, no final de 1986: 69 empresas públicas e quase 1200 empresas de capitais públicos e participadas (452 destas maioritariamente).
Os três erros do capital
Ao abordar o processo de nacionalizações, em «A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro», Álvaro Cunhal aponta três erros aos grandes capitalistas:
«O primeiro foi não terem acreditado na viabilidade da democracia portuguesa e terem procurado liquidá-la o mais rapidamente possível. Com esse fim começaram a sabotar a economia nacional, retiraram e exportaram fundos, cometeram toda a espécie de irregularidades e de fraudes.
«Sacavam capitais do Banco Central para os colocar nos bancos comerciais e os distribuir pelas empresas dos grupos, por familiares, por compadres, por cabeças de turco. As responsabilidades da banca comercial perante o Banco Central passaram de 9 milhões de contos, em 25 de Abril de 1974, para mais de 50 milhões de contos, em 11 de Março de 1975, o que significou a subtracção ao Estado de 41 milhões de contos.
«Enquanto tiveram a banca nas mãos, os capitalistas utilizaram-na para violar as medidas tomadas depois do 25 de Abril, com vistas a impedir a fuga de capitais. No Banco Espírito Santo (BESCL), por exemplo, foi feito em 13 de Maio de 1974 um financiamento de 65 mil contos à herança do Dr. MR Espírito Santo Silva e em 9 de Dezembro de 1974 um financiamento de 75 500 contos à Cimianto (empresa do grupo).
«As mais variadas formas foram utilizadas pelos grandes banqueiros e capitalistas para organizar a fuga de capitais. (...) Nos primeiros cinco meses de 1975, o Banco de Portugal recebeu, enviados pelos bancos de vários países, mais 600 mil contos em notas do que em igual período do ano anterior.
«O segundo erro dos grandes capitalistas foi passarem a ajudar directamente os conspiradores reaccionários e terem-se alguns tornado eles próprios conspiradores.
«O BESCL era pródigo em financiamentos às forças contra-revolucionárias e reaccionárias. O Partido do Progresso recebeu, em nome dos senhores Pessanha e Machado, 2579 contos e, em nome do senhor Deitado, 1613 contos (6 de Setembro de 1974 e 3 de Outubro de 1974), parte dos quais para pagar à Tipografia Mirandela o cartaz da “maioria silenciosa”. O Partido Liberal recebeu, em nome do senhor Araújo, 1861 contos. O CDS recebeu um financiamento de 5 mil contos (28 de Agosto de 1974). Com nomes incompletos, para disfarce, gente do PPD tinha conta aberta para sacar dinheiro ao banco, conhecendo-se levantamentos de 6 mil contos.
«O terceiro erro dos capitalistas foi continuarem a fazer vida como dantes. como se nada tivesse acontecido, como se os trabalhadores não tivessem agora a possibilidade de conhecer as suas falcatruas, os administradores continuaram a ir ao estrangeiro em passeatas pagas pelas empresas. Continuaram a receber ajudas de custo de 2 contos diários e mais. Continuaram a ordenar que bancos e outras sociedades fizessem empréstimos de milhares de contos, sem juros, às mulheres e outros familiares. Continuaram a pagar, à conta das empresas, moradias, carros, prendas de anos, almoços diários nos restaurantes mais caros. Para comprar moradias e outros bens, o Cardoso da Fundição de Oeiras desviou mais de 100 mil contos de créditos concedidos à empresa. O M. Gonçalves, como atrás se mostrou, desviou para carros, barcos de recreio e até um avião particular. J. de Brito e J. Pimenta desviaram milhões. Os Vanzellers tiraram da Ecril para as suas quintas. O regabofe do grande capital continuava depois do 25 de Abril.
«Estas três formas de actuar, em vez de conduzirem os seus autores ao sucesso, conduziram-nos ao desastre.»
Progressos e retrocessos
As nacionalizações evidenciaram as potencialidades de um sector empresarial do Estado forte, dinâmico e posto ao serviço dos trabalhadores, do povo e do País.
No Encontro do PCP sobre o sector empresarial do Estado, realizado em Maio de 1988, várias intervenções referiram progressos sociais e económicos alcançados.
Clarinda Nogueira recordou as conclusões da assembleia de organização do Partido na EPAL: «O controlo da empresa pelos trabalhadores manifestou-se, em 1978, nomeadamente, na melhor distribuição e montagem de chafarizes em bairros de lata e clandestinos» e «como tivéssemos atravessado anos de grande estiagem, restringiu-se o consumo em piscinas e regas de jardins particulares, de forma a que a água existente fosse canalizada na quase totalidade para abastecimento público».
Refere também que «a banca passou a orientar o crédito para actividades produtivas, proporcionando o progresso de muitas empresas e a manutenção e a criação de milhares de postos de trabalho», enquanto «nos seguros, foram criadas condições para que o elevado volume de poupança das famílias, retido pelas seguradoras, pudesse ser aplicado em empreendimentos de interesse nacional».
Nos transportes, «centenas de milhar de pessoas passaram a beneficiar do passe social intermodal; criaram-se muitas dezenas de novas carreiras, nomeadamente na Rodoviária Nacional e na Carris; fizeram-se chegar transportes a muitos lugares antes desprezados; fizeram-se fortes investimentos nas frotas rodoviárias e na frota fluvial da Transtejo.
A nacionalização do sector eléctrico e a formação da EDP permitiram «levar a cabo um plano de electrificação do País, através do qual em apenas seis anos se electrificou mais do que nos 20 anos anteriores. A electricidade foi levada a mais 5275 lugares e a mais de 400 mil pessoas».
Na mesma iniciativa, Jerónimo de Sousa salientou que os trabalhadores do sector empresarial do Estado «não se limitaram a alcançar mais direitos e novas regalias, manterializadas com a conquista de refeitórios, novos horários de trabalho, melhores salários, manutenção dos postos de trabalho, mais protecção e mais regalias sociais», mas «deram combate à sabotagem económica e deram uma nova e criadora dimensão à intervenção e à participação democrática na vida das empresas, através do exercício do controlo de gestão».
«A análise objectiva dos últimos 13 anos da vida política e económica portuguesa (1976-88) revela que o caminho seguido pelos vários governos e pela política de direita em relação ao SEE foi exactamente o inverso daquele que resultava da lógica de funcionamento e da necessidade de consolidação do novo sistema económico gerado pela Revolução de Abril, consagrado na Constituição de 1976 e confirmado na sua revisão de 1982», denuncia-se na resolução do encontro.
O sector empresarial do Estado acabou por ser «um alvo e um instrumento privilegiado, utilizado pelos governos nesta cruzada em favor da restauração de uma organização económica dirigida pelo grande capital». As empresas públicas, nesses anos, foram usadas para: «minorar a crise em sectores de actividade em que predominam as empresas privadas; conter artificialmente a inflação; financiar os défices externos do País; financiar os défices orçamentais do Estado e dos Fundos Autónomos; criar e desenvolver empresas e novos grupos económicos privados; servir os interesses pessoais e partidários de membros de governos e gestores».