O inferno na terra
Sete mil empresas trabalham na área florestal, correspondendo a mais de 170 mil postos de trabalho. Grande parte está afectada devido aos incêndios. Será uma das graves consequências económicas, sociais e ambientais dos fogos.
Portugal é o 3.º país da UE onde o sector florestal tem mais peso no PIB
A terra está preta, deserta, exausta. Do solo surgem os troncos queimados das árvores, mais escuros do que as poucas copas que permanecem presas aos ramos. A vegetação rasteira desapareceu completamente.
Esta é a paisagem durante quilómetros e quilómetros, entrecortada por casas dispersas, aldeias ou vilas que, graças ao esforço das populações e dos bombeiros, sobreviveram incólumes aos incêndios. Incólumes não será, devido às grandes consequências económicas, sociais e ambientais dos grandes fogos. Na Chamusca, Joaquim Emídio, de 55 anos, comenta, com as lágrimas nos olhos, que nunca mais verá a sua terra como era, porque serão precisos 30 anos para repor a floresta do concelho.
Mação, tarde de quinta-feira. Ao longe, vê-se uma espessa nuvem de fumo, larga e escura. É mais um incêndio. Ainda há pouco tempo uma nuvem igual dominava aqui o céu. É o inferno na terra. As fagulhas já assentaram, mas o cheiro a queimado permanece e agarra-se à roupa, ao cabelo, à pele, ao nariz.
A senhora Maria entra na sua casa, destruída pelo fogo. Nada lhe resta, nem sequer as duas cabras que lhe davam o leite para fabricar o queijo que semanalmente vendia no mercado. Esse era o seu único sustento. E agora, como fará? Não sabe, apenas lhe apetece chorar, recuar no tempo, não para quando tinha 20 anos, apenas quatro semanas, quando ainda nem sequer se ouvia falar de incêndios.
Queria regressar à sua casa, às suas cabras, à sua vida. Mas não pode – e dá mais um passo no que restou do seu lar. Reconhece os restos dos pratos na cozinha, a caixa da televisão na sala, os vasos das plantas no quarto. E recomeça a chorar.
À volta da casa está tudo escuro, num cenário que se repete em diversas zonas dos distritos da Guarda, de Castelo Branco, de Portalegre, de Setúbal, de Leiria, de Coimbra e de Faro.
Milhares de hectares
Em Portugal, todos os anos, milhares e milhares de hectares de mata e floresta são consumidos pelo fogo. Em média, anualmente, os números indicam que são mais de 100 mil os hectares fustigados pelo flagelo. Entre 1980 e 2000, mais de dois milhões de hectares do território foram percorridos por incêndios.
No ano passado foram 117.294 hectares de floresta que desapareceram do mapa, o que representou um acréscimo relativamente a 2001, em que foram devastados 106.592 hectares.
Este ano, segundo uma estimativa oficial avançada anteontem, a superfície já ardida rondará os 215 mil hectares, uma área quase equivalente à do Luxemburgo mas que estará muito aquém da dimensão real da tragédia, segundo vários técnicos e especialistas, que apontam para cerca de 300 mil hectares. Quinze pessoas morreram e 41 foram detidas por suspeita de fogo posto.
Trinta e sete por cento do território continental português é ocupado pela floresta. O sector privado possui 87 por cento, os baldios 10 por cento e o Estado os restantes três. Portugal é o terceiro país da União Europeia onde o sector florestal tem mais peso no PIB. Números de 1999 indicam que sete mil empresas trabalham na área florestal, correspondendo a mais de 170 mil postos de trabalho.
No entanto, apesar da sua importância, a floresta não é bem tratada. Não existe uma política de ordenamento florestal, grande parte da Lei de Bases da Política Florestal não é aplicada, bem como os planos regionais de ordenamento e gestão florestal. Os arvoredos não são limpos com frequência e em grande parte são dedicados à monocultura de resinosas, árvores propícias à deflagração e propagação dos fogos. As florestas são alvo dos especuladores urbanísticos e dos promotores da floresta industrial de crescimento rápido, ao mesmo tempo que os agricultores e os pastores foram progressivamente sendo expulsos das terras agrícolas e florestais. Todos estes factos confundem-se com as causas dos incêndios, a que se soma a falta de meios humanos e de combate adequados e a dispersão dos que existem.
Esta é a paisagem durante quilómetros e quilómetros, entrecortada por casas dispersas, aldeias ou vilas que, graças ao esforço das populações e dos bombeiros, sobreviveram incólumes aos incêndios. Incólumes não será, devido às grandes consequências económicas, sociais e ambientais dos grandes fogos. Na Chamusca, Joaquim Emídio, de 55 anos, comenta, com as lágrimas nos olhos, que nunca mais verá a sua terra como era, porque serão precisos 30 anos para repor a floresta do concelho.
Mação, tarde de quinta-feira. Ao longe, vê-se uma espessa nuvem de fumo, larga e escura. É mais um incêndio. Ainda há pouco tempo uma nuvem igual dominava aqui o céu. É o inferno na terra. As fagulhas já assentaram, mas o cheiro a queimado permanece e agarra-se à roupa, ao cabelo, à pele, ao nariz.
A senhora Maria entra na sua casa, destruída pelo fogo. Nada lhe resta, nem sequer as duas cabras que lhe davam o leite para fabricar o queijo que semanalmente vendia no mercado. Esse era o seu único sustento. E agora, como fará? Não sabe, apenas lhe apetece chorar, recuar no tempo, não para quando tinha 20 anos, apenas quatro semanas, quando ainda nem sequer se ouvia falar de incêndios.
Queria regressar à sua casa, às suas cabras, à sua vida. Mas não pode – e dá mais um passo no que restou do seu lar. Reconhece os restos dos pratos na cozinha, a caixa da televisão na sala, os vasos das plantas no quarto. E recomeça a chorar.
À volta da casa está tudo escuro, num cenário que se repete em diversas zonas dos distritos da Guarda, de Castelo Branco, de Portalegre, de Setúbal, de Leiria, de Coimbra e de Faro.
Milhares de hectares
Em Portugal, todos os anos, milhares e milhares de hectares de mata e floresta são consumidos pelo fogo. Em média, anualmente, os números indicam que são mais de 100 mil os hectares fustigados pelo flagelo. Entre 1980 e 2000, mais de dois milhões de hectares do território foram percorridos por incêndios.
No ano passado foram 117.294 hectares de floresta que desapareceram do mapa, o que representou um acréscimo relativamente a 2001, em que foram devastados 106.592 hectares.
Este ano, segundo uma estimativa oficial avançada anteontem, a superfície já ardida rondará os 215 mil hectares, uma área quase equivalente à do Luxemburgo mas que estará muito aquém da dimensão real da tragédia, segundo vários técnicos e especialistas, que apontam para cerca de 300 mil hectares. Quinze pessoas morreram e 41 foram detidas por suspeita de fogo posto.
Trinta e sete por cento do território continental português é ocupado pela floresta. O sector privado possui 87 por cento, os baldios 10 por cento e o Estado os restantes três. Portugal é o terceiro país da União Europeia onde o sector florestal tem mais peso no PIB. Números de 1999 indicam que sete mil empresas trabalham na área florestal, correspondendo a mais de 170 mil postos de trabalho.
No entanto, apesar da sua importância, a floresta não é bem tratada. Não existe uma política de ordenamento florestal, grande parte da Lei de Bases da Política Florestal não é aplicada, bem como os planos regionais de ordenamento e gestão florestal. Os arvoredos não são limpos com frequência e em grande parte são dedicados à monocultura de resinosas, árvores propícias à deflagração e propagação dos fogos. As florestas são alvo dos especuladores urbanísticos e dos promotores da floresta industrial de crescimento rápido, ao mesmo tempo que os agricultores e os pastores foram progressivamente sendo expulsos das terras agrícolas e florestais. Todos estes factos confundem-se com as causas dos incêndios, a que se soma a falta de meios humanos e de combate adequados e a dispersão dos que existem.