Traição consumada
Do radicalismo verbal inicial contra o pacote laboral, a UGT escreveu na passada semana mais uma triste página da sua história ao juntar-se ao patronato na aceitação das «alterações» que o Governo introduziu no Código do Trabalho.
Todos os que assinaram o «compromisso» dizem-se contra o código
Depois de uma inicial – real ou simulada? – oposição ao pacote laboral do Governo PSD/PP aquando da apresentação do anteprojecto, em Julho de 2002, a UGT acabou, na passada quinta-feira, por aceitar o «compromisso tripartido» do Governo, ao lado dos patrões. Pelo meio ficam meses marcados por afirmações contraditórias – entre si e com os actos praticados.
A UGT – que foi a primeira central sindical a falar da necessidade de uma greve geral –, aceitou 72 alterações do Governo (ver texto nesta página), embora afirme manter a sua posição de que o Código do Trabalho continua «inaceitável». A fim de justificar a sua adesão ao «compromisso tripartido» proposto pelo Governo para ser assinado por confederações patronais e sindicatos, a UGT considera o conjunto das alterações «claramente favorável» aos trabalhadores, afirmando corresponder às suas reivindicações. Para a União Geral de Trabalhadores, o Governo aceitou propostas suas em todas as nove áreas que esta central sindical considera fundamentais.
Citado pelo Jornal de Notícias, o presidente da Associação Empresarial de Portugal, Ludgero Marques, admitiu que a proposta do Governo de apoiar financeiramente sindicatos e de reconhecer representatividade a sindicatos minoritários tenha sido um factor decisivo para o sim da UGT.
O ministro do Trabalho, Bagão Félix, entendeu a posição da UGT como um acordo nas matérias essenciais, considerando que as que ficam de fora não são fundamentais. Com a adesão da UGT ao «compromisso tripartido», o ministro apressou-se a afirmar que este facto mostra o que sempre disse, que não é nem o ministro dos trabalhadores nem dos patrões.
Também o primeiro-ministro, Durão Barroso, manifestou a sua satisfação pelo acordo conseguido, que considerou uma «plataforma de convergência». O CDS-PP juntou-se ao coro de elogios feitos à UGT por ter aceite, juntamente com a CIP e demais confederações patronais, o «compromisso» proposto pelo Governo. Com esta adesão, a margem de manobra da UGT para demonstrar a sua alegada oposição ao pacote laboral ficou muito mais reduzida.
Igual aos patrões
A posição desta central sindical é em tudo semelhante à das confederações patronais, que sempre procuraram cultivar uma mal disfarçada imagem de desacordo com as medidas propostas pelo Governo em matéria laboral. Apesar de alguns descuidos, sobretudo do presidente da CIP Francisco Van Zeller – que, em muitas declarações à imprensa manifestou acordo geral com o pacote laboral –, a confederação da indústria afirmou-se sempre contrária ao anteprojecto de Código de Trabalho, que dizia ser limitado e insuficiente. Considerando que se avançou no período de concertação social, a CIP insiste que considera a proposta «francamente insatisfatória».
A Confederação do Comércio de Portugal (CCP) afina pelo mesmo diapasão. Fazendo muitas críticas ao pacote laboral e ao processo de concertação, os patrões do comércio baseiam as suas críticas igualmente na alegada limitação da legislação contida. Vasco da Gama, secretário-geral, da confederação, afirmou que, com o tempo, houve recuos que «desvirtuaram as principais virtualidades que o código poderia ter», numa inédita concordância com a proposta inicial.
Também a CAP se manifesta descontente com o pacote laboral por não contemplar o sector agrícola.
Se, no que respeita às afirmações, apenas o Governo parece estar de acordo com o pacote laboral, nas acções a realidade é outra bem diferente: tanto a UGT como os principais representantes dos patrões aderiram ao «compromisso tripartido».
As «melhorias» do Governo
Os defensores, mais ou menos envergonhados, da proposta de lei de Código do Trabalho baseiam a sua posição na consideração de que a «proposta de acordo tripartido», apresentada pelo Governo, contém avanços e melhorias de conteúdo em matérias consideradas «muito importantes». A CGTP discorda e cita alguns exemplos representativos de como tudo não passa de uma manobra.
Quanto às matérias consideradas inovadoras, a CGTP destaca:
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As matérias relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho limitam-se a proceder à transcrição, parcial, do decreto lei em vigor, o qual transpõe para a lei nacional a directiva comunitária;
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Relativamente à formação profissional, transcreve-se parcialmente o acordo sobre formação e emprego, celebrado entre o Governo e os parceiros sociais, e cuja aplicação se encontra por fazer;
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Introduz-se um artigo novo que visa, alegadamente, compatibilizar a vida profissional com a vida familiar, mantendo-se, no articulado do Código de Trabalho, o mesmo regime de flexibilidade discricionariamente utilizado pelas entidades patronais e a possibilidade de alteração unilateral, sem pré-aviso, dos horários de trabalho, o que, segundo a CGTP, retira qualquer efeito prático àquele artigo;
Sob a epígrafe «autonomia e independência», é introduzido o princípio de que o Estado passa a poder financiar as estruturas sindicais e patronais, nos termos previstos em legislação especial. A CGTP, na resolução aprovada no conselho nacional do passado sábado, afirma que «não troca direitos dos trabalhadores por financiamentos do Estado».
Para além das novas matérias incluídas, o Governo procedeu a algumas alterações – que a UGT se apressou a considerar recuos em matérias fundamentais. Quanto à CGTP, considera-as mais do mesmo. Eis alguns dos supostos recuos:
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Mantém-se a tentativa de excluir as pausas do tempo de trabalho;
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É mantida a possibilidade de realização de horários de 12 horas por dia até às 60 horas semanais;
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Fragiliza-se o princípio do tratamento mais favorável, estruturante do direito do trabalho, tendo o Governo mantido integralmente a sua posição;
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Os contratos a prazo continuam a ter como limite temporal seis anos;
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Mantém-se o conceito de trabalho nocturno (entre as 22 horas de um dia e as 7 do dia seguinte) bem como a diminuição da retribuição do trabalho nocturno e por turnos;
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Em matéria de despedimento individual, é mantido o princípio da não reintegração:
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Os direitos de personalidade continuam regulados de forma a restringir o seu exercício no local de trabalho;
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O direito à greve continua a ser afectado, nomeadamente pelo aumento do período de pré-aviso, pela manutenção das cláusulas de «paz social» e pela intervenção do Governo nos serviços mínimos;
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O princípio da caducidade é mantido integralmente;
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Muitas matérias importantes continuam remetidas para regulamentação posterior.