Tribuna do XXII Congresso do PCP
Encerramos hoje, de acordo com o regulamento, a tribuna do XXII Congresso.
Batalha ideológica no seio da juventude – a prática necessária
Contrariamente ao que os doutrinários do “fim das ideologias” querem fazer a juventude acreditar, a ideologia constitui uma poderosa ferramenta de mediação da realidade e tem na sua raiz as condições objectivas e interesses de uma dada classe. Numa sociedade em que classes antagónicas possuem interesses fundamentalmente incompatíveis, a batalha ideológica é parte integrante da luta de classes e só quem beneficia com o agravamento da exploração e das injustiças pode querer que os trabalhadores e a juventude não tenham a capacidade de desmistificar as falsas representações sobre o mundo que os rodeia, criadas pela classe dominante.
Seja no local de trabalho, onde o patrão apela a uma falsa convergência de interesses entre o capital e o trabalho para justificar cortes salariais e despedimentos colectivos, ou nas escolas e faculdades, onde os órgãos de gestão estão mais interessados em fomentar as júnior empresas e o voluntarismo do que o pensamento crítico e a formação integral do indivíduo, a ofensiva ideológica permeia todos os aspectos da vida dos jovens. Todas as concepções difundidas pelo capital no seio da juventude deturpam a realidade e procuram instrumentalizar a injustiça sentida e as ambições por uma vida melhor.
A intervenção dos comunistas na batalha ideológica é determinante para dar combate à ideologia burguesa dominante e dar corpo a um conjunto distinto de valores e reflexões sobre o que deve ser a sociedade, alinhados com os interesses do povo, dos trabalhadores e da juventude e que destacam o interesse colectivo, a paz e a cooperação entre os povos.
O combate à ofensiva ideológica tem de ser multilateral. O PCP e a JCP têm de estar presentes em todas as frentes onde a batalha ideológica é travada, seja nas redes sociais, nos jornais, nas televisões ou nas estantes das livrarias, mas o factor determinante para despertar consciências é e sempre será a luta. Os jovens percebem que os comunistas são os mais firmes defensores dos seus interesses quando lutam lado a lado connosco, quando nos vêem a dar o exemplo de capacidade de organização e firmeza na luta. Sabemos pela nossa experiência centenária que é na conquista de direitos, na capacidade de travar retrocessos, em suma, que é na prática revolucionária que a consciência revolucionária se molda.
Francisco de Jesus
Defender o regime democrático
O 22.º Congresso do nosso Partido não é um congresso qualquer. Realiza-se no contexto dum avanço da direita mais agressiva, em que o alcance da eleição de Trump para a chefia da maior potência mundial não pode ser subestimado. Entre nós, à retoma do poder pela direita (“AD”) – cujos pezinhos de lã e demagogia não iludem a vontade autoritária –, junta-se a força parlamentar do Chega, agrupamento fascista contrário ao regime democrático, além da presença duma “Iniciativa Liberal” igualmente contrária à Constituição de Abril, tudo isto num quadro mediático cada vez mais reacionário.
O Partido salienta – como disse o camarada Francisco Lopes – os objetivos daqueles que “querem dar novos passos significativos no processo contra-revolucionário, para o prosseguir e intensificar, para o levar até ao fim, incluindo a subversão da Constituição”. Quer dizer, para substituir o regime atual por outro, facilitando a concentração do poder e a subalternização do Parlamento, falsificando a representação proporcional, restringindo liberdades políticas e sindicais, destruindo conquistas sociais, em suma, instaurando uma nova ditadura. É com este perigo que estamos hoje confrontados.
A Conferência Nacional realizada há dois anos, bem como numerosos documentos e intervenções partidárias, insistem com razão na necessidade de “tomar a iniciativa” e não nos limitarmos ao círculo de simpatizantes e amigos mas “chamar mais gente para trabalhar connosco”. É uma grande e será fatal ilusão pensar que se pode conquistar a maioria do povo para uma alternativa ignorando que a maior parte dos trabalhadores e da pequena burguesia se encontra entre os eleitores e apoiantes dos partidos que se situam na oposição ao fascismo e ao governo da direita, como o PS, o BE, o Livre e o PAN.
Sob o fascismo de Salazar, a superior implantação e capacidade de iniciativa do PCP nas lutas sociais nunca dispensou a necessidade de contactos e acções comuns com republicanos históricos, socialistas, anarquistas e até com dissidentes do salazarismo (como o general Delgado). Foi essa acção persistente que acabou por isolar o regime fascista e conduzir à madrugada do 25 de Abril. Hoje a tarefa que nos incumbe não é a de derrubar, mas a de defender o regime democrático. Como a própria experiência da revolução de Abril demonstrou, só a máxima concentração de forças nesse objetivo permitirá fazer recuar a ofensiva reacionária e abrir o caminho da política patriótica e de esquerda.
João Arsénio Nunes
(o autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico)
A luta comum
Portugal há muito tempo que é um país onde inúmeras culturas se encontram e, nos últimos anos, de forma mais intensa temos assistido à chegada de trabalhadores estrangeiros e das suas famílias ao país. Como tem sido observado pelo Partido, tal se deve em grande medida à necessidade do capital de grandes quantidades de força de trabalho a baixo preço.
Conhecemos a situação em que muitos dos que chegam ao nosso país se encontram, sujeitos ao sistemático desrespeito pelos seus direitos, estigmatizados e marginalizados pela política de direita que tem governado o nosso país. No entanto, cá vivem, cá trabalham e cá continuam a pôr este país a funcionar.
Ora, se o capitalismo é a causa das mais diversas formas de discriminação e opressão, como a xenofobia e o racismo, ainda as aproveita para dividir o povo e os trabalhadores, utilizando os imigrantes como cavalo de troia para a acentuação da exploração e a opressão de todos os que trabalham em Portugal. Para cimentar essa divisão, este sempre fará uso de todos os instrumentos ao seu alcance, como a promoção do individualismo, da mentira, da extrema-direita e do esbatimento do sentido de pertença de classe social.
Mas o povo português, composto por tantas misturas e diferenças, sempre teve aspirações colectivas e lutas comuns. É o sonho comum, que tem em vista o despontar de um mundo novo, que tem na sua essência, a justiça, a igualdade e o bem-estar colectivo, onde a xenofobia, o racismo e a exploração do homem pelo homem não têm lugar.
Assim, perante este sonho que é uma possibilidade real e, por outro lado, e em tensão, o recrudescimento do racismo e da xenofobia e a intensificação da exploração, a JCP, junto dos jovens trabalhadores e dos estudantes, e o PCP, como partido de todos os trabalhadores, têm a responsabilidade de organizar e mobilizar todos aqueles que vivem e trabalham no país, vítimas da mesma exploração, independemente da sua origem ou nacionalidade, para uma luta comum.
Para isso, e acrescendo à actividade já desenvolvida, é tarefa necessária e urgente de todos os militantes intensificar a actividade, estando na linha da frente e intervindo activamente nos bairros, nos locais de trabalho, nas faculdades e escolas, nos movimentos de moradores, culturais, de imigrantes e nos movimentos contra o racismo e a xenofobia, procurando aí espaços de convergência, para que, em unidade, possamos, com as nossas mãos, construir o socialismo e o comunismo.
Carolina Victorino Silva
Reflexões Dialéctico-Revolucionárias
O Mundo enfrenta um período de grande instabilidade e incerteza, consequência da natureza e contradições intrínsecas e insanáveis do sistema capitalista, que vive uma crise estrutural profunda, manifestando-se na sua ofensiva exploradora, opressora e agressiva, ameaçando a paz e a tranquilidade dos povos. O que implica uma maior exigência e responsabilidade de todos nós.
Nesse sentido, deixo algumas reflexões que julgo pertinentes e oportunas para uma abordagem contributiva durante o Congresso que se avizinha:
1 – Penso ser nosso dever e obrigação, continuar o aprofundamento e análise das causas que levaram ao colapso de um “modelo” de socialismo implantado no Leste Europeu. Avaliar o que representou esse período, seu alcance e significado, suas conquistas, limitações e insuficiências. Bem como, investigar outras possíveis causas para esse infeliz desfecho (antropológicas, conceptuais, sociológicas e outras) e as consequências que daí advieram para os povos de todo o mundo.
2 – Porque nada se pode superar sem fazer o esforço de o pensar, é estritamente fundamental analisar e caracterizar profundamente a génese e desenvolvimento do actual sistema capitalista, suas tendências de desenvolvimento e formas de alienação.
3 – Aprofundamento das questões relacionadas com a adesão à União Europeia (relação custos/benefícios), a recuperação da soberania monetária (moeda, banco central, política monetária, cambial e financeira, orçamental e bancária). Estas questões têm um peso significativo junto da opinião pública e carecem de abordagens mais precisas e esclarecedoras, evitando deturpações e manipulações sobre as posições do Partido.
4 – O Partido (e todos nós) devemos revalorizar e intensificar a articulação e conjugação na acção com outras forças progressistas e movimentos sociais, tentando encontrar pontos de evolução e convergência, num diálogo fraterno e aberto, livre de preconceitos e dogmas
5 – O Partido deverá reforçar e aperfeiçoar a divulgação e realização de cursos e acções de formação, para vencer algumas insuficiências e impreparações sentidas diariamente. A informação e formação política e ideológica é fundamental para vencer os desafios e exigências que enfrentamos nas nossas vidas.
Viva o XXII Congresso do PCP
Viva o PCP
José Manuel Fernandes
Política de unidade
As questões da unidade e da política de unidade mereceram, da parte do PCP, uma grande e particular atenção. No centro da sua intervenção e acção esteve sempre um evidenciado esforço para unir os democratas, os patriotas, as forças e organizações sociais quer durante o regime fascista, visando o seu derrube, quer depois, na defesa do regime democrático e das conquistas de Abril e na procura da concretização da alternativa ao rumo de regressão e destruição imposto por sucessivos governos, nas últimas décadas. Rumo que, hoje, o Governo da AD perspectiva aprofundar com renovados perigos.
Construir a unidade, nas várias frentes e em todos os níveis de intervenção, visando interromper a desastrosa política de direita responsável pelos muitos e graves problemas que o país enfrenta e construir uma alternativa patriótica e de esquerda que lhes dê solução (no respeito pelos valores de Abril e da Constituição da República) é o grande desafio que está expresso nas Teses do nosso XXII Congresso e que exige manter elevada a nossa iniciativa e militância.
É justa a orientação traçada para a concretização do caminho alternativo e árduos são os trabalhos que temos pela frente visando alterar a actual correlação de forças social e política. Isto exige, desde logo, trabalhar para o fortalecimento da unidade da classe operária e dos trabalhadores, das suas organizações e da ampliação da sua luta, elementos determinantes para a defesa dos seus interesses de classe e elevação da consciência social e política.
O nosso empenhamento tem de ser dirigido, também, para unir as diversas classes e camadas antimonopolistas na luta, pelas suas aspirações e direitos, pelo reforço das suas organizações e movimentos unitários, no desenvolvimento da convergência de todas as forças políticas e sociais, de todos os homens e mulheres, de todos os democratas e patriotas, com todas as personalidades que assumem verdadeira e genuinamente uma posição de ruptura com a política de direita e buscam uma verdadeira alternativa.
Convergência e alargamento da unidade com os milhares de independentes que estão connosco no seio da CDU e reforço da aliança com a ID e «Os Verdes», particularmente urgente quando temos pela frente uma batalha eleitoral de grande importância – as eleições autárquicas. Importante na construção do caminho da alternativa está o reforço do PCP com a ampliação decisiva da sua influência social, política e eleitoral.
Ana Rita Carvalhais
Transição energética e superação do capitalismo
A transição energética é uma agenda política do grande capital mundial, sem que haja ainda uma consciência generalizada disto, mesmo em sectores progressistas que não param de clamar por uma transição energética dita justa sem contestar o modelo económico vigente. As duas coisas são incompatíveis e que podem ser resumidas desta forma: O CAPITALISMO NÃO É VERDE.
O “World Economic Forum” (WEF) recomenda que se continue a gastar cada vez mais fundos públicos, não para assegurar a transição energética, mas para garantir as condições de atractividade dos investimentos dos grupos económicos nesta área. Não pretendem que os estados de forma soberana definam as suas políticas, mas sim que eles avalizem os lucros das grandes multinacionais do sector, tal como já hoje acontece.
Confirma-se assim que a transição energética serve como uma agenda política da classe dominante para responder à crise sistémica do capitalismo, assumindo um carácter escandaloso do ponto de vista da apropriação de cada vez mais recursos públicos, a que associa o desenvolvimento de tecnologias de fronteira e cujo estado de maturidade ainda não permite vislumbrá-las como alternativas sustentáveis e credíveis.
A transição energética JUSTA apenas poderá ser conseguida contra os grupos económicos e oligarquias que dominam o capitalismo mundial e que através da guerra retiram lucros monstruosos e reforçam as relações de dependência sobre os países menos desenvolvidos e ensaiam a intensificação da exploração dos trabalhadores e usurpação dos fundos públicos.
A urgência é real, colocando-se pela primeira vez o limite tangível dos recursos naturais na perspectiva do impacto significativo já na vida das actuais gerações, o que nos terá de levar para uma lógica totalmente diferente do funcionamento da economia e do aproveitamento racional dos recursos num equilíbrio orgânico entre o homem e a natureza.
A partir do consenso na comunidade científica em torno da necessidade de reduzir a intensidade carbónica da economia mundial e das suas consequências, podemos através da análise feita pelo WEF chegar à conclusão de que a transição mais premente e a mãe de todas elas é a superação do modo de produção capitalista.
Hélder Guerreiro
Frentes sociais de luta: combater a ofensiva ideológica, construir e ampliar a unidade
Vivemos tempos de acelerada proletarização e precarização do trabalho e dos trabalhadores, o que coloca a vastas camadas sociais problemas que até aqui não as atingiam desta forma. O acesso às funções sociais do Estado ou a garantia de direitos sociais básicos constitucionalmente previstos são disso exemplo. Isto torna mais urgente e necessário construir a convergência com estas camadas sociais e trabalhar para as integrar na luta, dando-lhes perspectiva de classe.
O caminho de inserção na luta destas camadas com grandes preconceitos assimilados, fruto da ofensiva ideológica em curso, apresenta grandes exigências e desafios, mas também abre grandes possibilidades de trabalho, desde logo porque partimos do concreto, do material! Este trabalho, neste momento, é uma das maiores e mais acessíveis portas (e de retorno mais imediato) para combater, consequentemente, a ofensiva ideológica em curso, alargar o trabalho de unidade e fazer as mesmas convergir com a principal luta, que é a luta dos trabalhadores. Temos por isso de ampliar as frentes sociais de luta, onde mais facilmente incorporamos os problemas sociais, que ganham grande peso e actualidade. Para tal é fundamental rever estilos de trabalho e intervenção.
A luta pelo direito à habitação é disso exemplo. Os comunistas organizaram-se e decidiram intervir nesta frente social de luta. Foi pela via da luta que colocámos nacionalmente o problema na ordem do dia. É pela intervenção dos comunistas nos movimentos unitários que temos conseguido desenvolver e ampliar essa luta e o seu carácter reivindicativo, e com isso canalizar o descontentamento para a luta com perspectiva, e de convergência crescente com a luta geral dos trabalhadores. Permitiu ainda e em grande escala alargar e esclarecer e também trazer outros ao Partido.
É por isso tarefa fundamental do Congresso definir as frentes sociais de luta prioritárias. Definir as formas de intervenção e organização dos comunistas nessas frentes sociais de luta. Definir como tarefa principal dessa intervenção o aprofundamento do trabalho unitário dentro dos próprios movimentos e entre vários colectivos que intervêm na mesma matéria. E isso obriga a afectarmos quadros, recursos e melhores estilos de trabalho à intervenção nestas frentes. Há urgentes decisões de direcção por acertar e avançar, para dar corpo às decisões políticas já tomadas, mas que o Congresso deve reforçar, sobre a intervenção nesta matéria. Este é o momento. Porque tal é ligar o Partido aos problemas reais e porque tal levará muitos a tomar Partido – o nosso Partido!
André Escoval
Academia, centro gerador e gravitacional da ideologia dominante
A noção de que a ofensiva ideológica opera a partir de uma teia de concepções que, não sendo novas, intensificam de forma mais evidente a deturpação ideológica do real ressoa em esferas tão presentes no nosso quotidiano como os currículos escolares, os padrões de entretenimento ou modos de vida social e a comunicação social (4.3). Todas estas esferas gravitam, de uma forma ou de outra, em torno da universidade e do ensino superior que, sob uma fabricada autopercepção de autonomia do pensar, se tem vindo a transformar num centro privilegiado de produção e disseminação da ideologia dominante alicerçado em profundas transformações operadas nas últimas décadas.
A empresarialização do ensino superior, a privatização da ciência, o processo de Bolonha, o estrangulamento da participação democrática e a proletarização das profissões científicas são parte da base material da qual emanam as condições para a constituição da academia como mediadora privilegiada da ideologia dominante. Apesar de não operar à margem da alteração da estrutura socioeconómica e de, pelo contrário, dessa alteração depender para expandir o seu modelo corporativo, a academia reivindica-se como a guardiã do conhecimento nos moldes, em parte, em que os comunistas a reivindicam: como serviço público, capacitada para produzir ciência fundamental e aplicada, capaz de intervir socialmente pelo bem comum, pensada como espaço de construção crítica do saber.
Mas a realidade não podia estar mais desfasada desta concepção, propositadamente veiculada por quem empresarializa o ensino e a investigação, por quem define as agendas do conhecimento, por quem entende a ciência apenas como inovação e por quem estabelece quanto vale o conhecimento como parte fundamental da construção utópica que norteia quem reproduz, por iniciativa própria ou necessidade (e contra todas as evidências), o mesmo guião.
A singularidade da academia é a de ter a produção e transmissão de conhecimento como natureza e missão. E é por isso que, inscrevendo-se numa tendência global de aprofundamento da ofensiva ideológica, é um centro simultaneamente gerador e gravitacional onde a ideologia dominante encontra terreno fértil para se ensaiar e difundir. Mas é também neste contexto que cresce a procura por uma visão mais ampla e emancipadora das contradições sociais, económicas e políticas, e o Partido é o espaço de intervenção daqueles que se vêem deslocados do rumo de mercantilização do saber e das suas consequências sociais, políticas e culturais.
Bárbara Carvalho