No quinto centenário de Camões, poeta do povo e da pátria

O PCP deu início, na sexta-feira, em Lisboa, ao programa de comemorações do quinto centenário do nascimento de Camões, com uma sessão político-cultural que contou com a presença de Paulo Raimundo.

No Jardim do Coreto, no coração de Carnide, centenas de pessoas assistiram à sessão político-cultural

No Jardim do Coreto, no centro de Carnide, as cadeiras foram poucas para os participantes na iniciativa.

«Camões, poeta do povo num mundo em mudança» foi o lema escolhido pelo Partido para o seu programa, que encontrou eco nas palavras do Secretário-Geral: «Camões é o poeta do “todo mundo é composto de mudança / tomando sempre novas qualidades”, versos de dimensão dialéctica, avançados para a época, numa altura em que o desenvolvimento das forças sociais não permitia, ainda, pôr em causa a ordem senhorial».

Citando Álvaro Cunhal, Paulo Raimundo lembrou que o poeta «não é a voz da reacção e do colonialismo», mas, sim, «do nosso povo, dos lusíadas, da insubmissão ante os privilégios, do progresso social e científico, da nação portuguesa, num elevado sentido humanista».

Quanto a esta questão, o dirigente comunista sublinhou que «foi num País e num mundo em mudança que Camões escreveu Os Lusíadas, aí espelhando as grandes contradições de um pensamento, de uma realidade em transformação» onde se projectava já um «novo sistema social, em crescente confronto com a velha ordem feudal da servidão da gleba». Surgia então, recordou, «terreno propício ao desenvolvimento do espírito crítico, da experimentação e da procura do novo, que levava ao questionamento do adquirido por séculos de pensamento dogmático».

Perante este novo mundo aberto pelas Navegações, destacou, «aguçavam-se os sentidos, as capacidades de descrição e raciocínio. Aguçava-se a experimentação», unindo continentes, descobrindo novas terras, ilhas, mares, rotas, estrelas «e, até, novos céus», acabando com ideias falsas.

Falsas concepções
O Secretário-Geral do PCP lembrou a manipulação e instrumentalização da obra camoniana pelo fascismo que, «procurando cobertura ideológica ao seu regime opressivo, a utilizou como instrumento de propaganda ao nacionalismo fascista e ao colonialismo». Ainda hoje, frisou, esta obra é utilizada por aqueles que pretendem fazer do poeta e do seu quinto centenário palco para a promoção de ideias e concepções retrógradas, reaccionárias, chauvinistas, racistas, xenófobas e neocolonialistas.

Paulo Raimundo destacou diversos elementos da obra camoniana, que serão reflectidos no programa comemorativo do PCP para o seu quinto centenário

«Cá estamos», disse, «para dar combate a essas pretensões e objectivos», porque «Camões e a sua obra não podem ser associados ao nacionalismo fascista, nem à brutal exploração de outros povos desencadeada pelas classes dominantes durante séculos, à escravatura e ao tráfico, às guerras de submissão e conquista, dos que submetiam, também, o povo português ao seu domínio».

Muito pelo contrário, e de acordo com o dirigente comunista, «Camões é o poeta da aventura portuguesa nos oceanos, das trocas comerciais e culturais, da descoberta mútua dos povos europeus, asiáticos, africanos, americanos, das relações entre povos até então separados», não sendo, portanto, o poeta do obscurantismo, mas do Renascimento, «época de exaltação das realizações humanas».

«Camões é», confirmou, «um poeta do novo pensamento filosófico e científico, que as classes dominantes, as forças reaccionárias de então, procuraram reprimir e conter, nomeadamente através da Inquisição».

Poeta do povo
Para Paulo Raimundo, Camões não é o poeta dos poderosos ou dos privilegiados do seu tempo, nem foi um protegido do poder. Foi, sim, o «poeta do povo e da pátria portuguesa, que denunciava as injustiças e desigualdades».

Luísa Baptista lembrou a importância do estudo de Camões entre os jovens

Na juventude
Na sua intervenção, Luísa Baptista, estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, valorizou a obra de Camões e, em particular, a necessidade do seu estudo entre os jovens, referindo os seus «elementos de resistência à cultura dominante» e de «construção de identidade cultural, nomeadamente, logo na juventude, através da Escola Pública».

Para a estudante, o estudo da obra camoniana é uma forma dos jovens tomarem «proveito das suas palavras, na óptica do humanismo e do progresso social e científico», contribuindo para a formação de jovens críticos, conscientes e comprometidos com os valores da democracia. Objectivos que, salientou, são inseparáveis da valorização da «Escola Pública, Democrática, Inclusiva e de Qualidade por que lutamos», uma escola que deve carregar o espírito da mudança presente nos versos de Camões.

Originalidade e influência
Em sentido semelhante interveio o escritor e professor universitário José António Gomes, que classificou Camões como «património do povo e, como tal, aos filhos desse povo, aos filhos dos trabalhadores, não pode ser negado o acesso qualificado à escrita do maior poeta nacional».

Sobre Os Lusíadas, destacou a sua originalidade: não só por ser a primeira epopeia escrita por alguém que viveu poucas décadas após aquilo que narra, mas, também, por representar o «crepúsculo de um género», desviando-se do seu modelo clássico (por exemplo, com a utilização de vários heróis).

José António Gomes sublinhou a influência e originalidade da obra do poeta

«Ao debruçar-se, crítica e melancolicamente até, sobre um Império que se constrói, engrandece e declina, põe assim em causa os códigos do género, desta e doutras formas, mormente pela intromissão do discurso lírico em diversos passos do texto», afirmou.

José António Gomes sublinhou, ainda, a ideia de «um Camões enriquecedor do idioma» (recuperando uma ideia de Fernando Venâncio, num ensaio de 2017).

O professor vincou a decisiva contribuição do poeta para a «adultez e renovação da língua literária em Portugal, enquanto instrumento de expressão e de sedução – quer com a ousadia e a complexidade da sua sintaxe, em sofisticado conúbio com a métrica e ritmos do verso, quer com a beleza e arrojo das suas perífrases, hipérboles e paradoxos, sem esquecer a refinada tessitura musical e, principalmente, a frequência de achados expressivos», bem como a originalidade metafórica e metonímica, o recurso a formas, tropos, expressões, temas e motivos com influência dos modelos clássicos greco-latinos e do Renascimento.

José António Gomes lembrou, a relação entre Camões e o tema do amor, classificando-o como «um poeta em que a pulsão de Eros alcança energia expressional insuperável, que não se dissocia da dimensão erotizante da própria linguagem, em seus múltiplos recursos». E sentenciou que a «força-motriz de toda a sua escrita é, pois, o amor».

O professor recuperou, ainda, de Óscar Lopes, o que considerou ser uma síntese magistral sobre o poeta, que citou: «Camões foi com certeza um nobre de pequena classificação, um cavaleiro, a quem as ordens mais baixas não merecem a história em que Fernão Lopes as contempla, embora com respeito das “leis iguais, constantes / que aos grandes não dêem o dos pequenos”, com o desprezo daqueles que estendem a lisonja, “por contentar o Rei, no ofício novo, / a despir e roubar o pobre povo”, e muito convicto do princípio de “que se pague o suor da servil gente”».

José António Gomes sublinhou, também, outros aspectos relevantes da obra de Camões, como como a sua influência sobre outros poetas ou expressões populares como «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades» ou «vi, claramente visto».

Programa diversificado
O PCP participa, nas comemorações, com um programa próprio, que teve início com esta sessão e se prolongará ao longo de 2024 e 2025, num diversificado conjunto de actividades comemorativas, entre as quais: expressões concretas nas edições da Festa do Avante!; uma exposição sobre a vida e obra do poeta, que circulará pelo País e será inaugurada no Porto, a 20 de Dezembro de 2024; a realização de debates sobre temas da obra camoniana; a organização, a 31 de Maio de 2025, de uma iniciativa nas diversas vertentes da grande dimensão cultural de Camões; e o desenvolvimento de uma linha editorial própria, com um número da revista Vértice dedicado a este quinto centenário e a edição de Os Lusíadas – antologia temática e texto crítico, de António Borges Coelho.

As comemorações serão encerradas com a realização de um colóquio sobre Camões, a sociedade do seu tempo e a actualidade da sua mensagem na valorização da língua e literatura portuguesas, como elementos constitutivos da identidade nacional e da cultura como factor de emancipação individual, social e nacional.

 

Momentos culturais

A sessão, que foi apresentada pela estudante Estefânia Rebelo, membro da JCP, contou com um belíssimo momento cultural dividido em três partes que se interpuseram às intervenções.

Susana Gaspar e Fausto Neves

Num primeiro, contou-se com uma bela e tocante actuação da soprano Susana Gaspar com o pianista Fausto Neves, que interpretaram os sonetos de Camões «Sete anos de pastor Jacob servia», «Alma minha gentil, que te partiste» e «Oh! Como se me alonga de ano em ano», a partir da obra 27 do catálogo Lopes-Graça/Romeu Pinto da Silva.

António Olaio

Seguiu-se a emocionante declamação de estrofes do poema camoniano «Oitavas. A D. António de Noronha», levada a cabo pelo actor António Olaio.

Marco Oliveira

Por fim, o cantautor Marco Oliveira levou a palco excertos de «Pois meus olhos não cansam de chorar», «Os bons vi sempre passar» e «Se de saudade» (além de um poema de Sophia de Mello Breyner), com sua virtuosa interpretação musical à guitarra.

 



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