A indignação já passou... ?
A indignação com as declarações de Christine Lagarde, que encheu os noticiários não há muito tempo, foi sol de pouca dura. Para trás ficou aquela erupção de irreverência que levou altos responsáveis do Governo, do PS, do PSD, do Chega e da IL, a porem de lado o tom submisso e reverente, tão comum quando se trata de instituições do capitalismo internacional, substituindo-o, momentaneamente, pela chamada voz grossa. O BE, talvez inspirado pela recente presença de Roberta Metsola, chegou mesmo a propor que a senhora banqueira – figura sem qualquer legitimidade democrática – viesse ao órgão de soberania Assembleia da República para que esta ouvisse das boas, em alto e bom som.
Lagarde escolheu Sintra para responsabilizar os trabalhadores e os salários, não só pela inflação, como pelas medidas gravosas que o BCE e a UE estão a impor, designadamente o brutal agravamento das taxas de juro. Não foi bonito e mereceu resposta. Mas não deixa de ser curioso que, nas múltiplas reacções que se seguiram, tenha estado ausente, com excepção do PCP, qualquer observação crítica em relação ao euro e aos impactos da perda da soberania monetária. É que convém não esquecer: o grande poder do BCE face ao nosso país está no facto de Portugal estar amarrado às regras do euro.
Esta foi uma indignação sem qualquer consequência e para consumo interno. Dias depois, as propostas do PCP para a habitação – que colocavam os lucros dos bancos a arcar com o agravamento das taxas de juro – eram chumbadas por muitos dos indignados com Lagarde e nem Governo nem Banco de Portugal tomaram qualquer posição firme contra o agravamento das taxas de juro (novo aumento previsto para final de Julho).
Não é a primeira vez que o nosso povo tropeça com a arrogância da sr.ª banqueira. Ela foi uma das personagens da troika (FMI) durante o Pacto de Agressão. E o discurso à frente do BCE não mudou. O ataque aos salários e aos direitos laborais, aos serviços, ao investimento e às empresas públicas são as opções do capital a que Lagarde dá voz.
Antes com a crise financeira (ou melhor, capitalista) de 2008, depois com a pandemia, agora com a inflação e depois se verá, a receita é, e será sempre a mesma. E tudo isto confirma que há uma ruptura que tem que ser feita, uma mudança de fundo que transforme as afirmações de Lagarde em coisa do passado.