Droga imperial

Jorge Cadima

Durante os 21 de ocupação do Afeganistão pelos EUA a produção e venda de ópio dispararam

Nesta semana de Cimeira da NATO, a propaganda imperialista atingiu níveis tão baixos que já pouco surpreende. Mas por vezes ainda provoca espanto. É o caso dum artigo do auto-proclamado Instituto pela Paz dos Estados Unidos (USIP, 8.6.23) com o título: «A proibição bem sucedida do ópio pelos talibãs é má para o Afeganistão e para o Mundo».

O USIP é uma entidade criada pelo Congresso [Parlamento] dos EUA. Incomoda-lhe que, no país onde se produzia 85% (CNN, 29.9.21) do ópio mundial, os talibãs a tenham quase erradicado, «podendo aproximar-se da redução em 90% do cultivo já alcançado pelos talibãs aquando da anterior proibição do ópio em 2000-2001». Esse foi o ano antes da invasão pelos EUA. Durante os 21 anos de ocupação pelos EUA a produção e comercialização do ópio – do qual se faz a heroína – bateu todos os recordes (Afghanistan Opium Survey 2020, UNODC).

O que incomoda a USIP? «A proibição impõe enormes custos económicos e humanitários aos afegãos e deverá estimular ulteriormente a vaga de refugiados». Isto é dito, com desfaçatez, por uma entidade do país que invadiu e ocupou militarmente durante duas décadas o Afeganistão, provocando centenas de milhares de mortos e feridos e (segundo a Agência da ONU para os Refugiados, UNHCR, em Julho de 2021) mais de 2 milhões de refugiados no exterior e mais de 3,5 milhões de desalojados dentro do país. É dito, com desfaçatez, por uma entidade do país que, ao abandonar o Afeganistão, numa derrota humilhante, confiscou os 7 mil milhões de dólares que o Estado afegão tinha em instituições financeiras nos EUA, mesmo sabendo que «metade de toda a população afegã precisa de auxílio humanitário» (Washington Post, 17.8.21). Pensar-se-ia que os EUA ficariam contentes com um eficaz combate à droga já que, nos EUA, houve 109 680 mortes por overdoses só em 2022 e «mais de um milhão de pessoas já perderam as suas vidas para os opióides legais ou o fentanil» (Financial Times, 31.5.23). Mas não. Estranho? Nem por isso.

O imperialismo tem um longo historial do uso da droga como arma para destruir os países que quer controlar, como fonte de super-lucros, como forma de financiamento das suas operações secretas e como forma de controlo social nos seus próprios países. Basta pensar nas Guerras do Ópio contra a China, nas guerras da França e EUA no Sudeste Asiático, no financiamento dos exércitos contra-revolucionários ao serviço do imperialismo, da América Latina ao Extremo Oriente, no desastre nas ruas de grandes cidades dos EUA. A literatura é abundante. E as vozes de revolta no interior do sistema também.

O dinheiro da droga é hoje indispensável ao sistema financeiro capitalista. Títulos um pouco ao calhas: «Sistema bancário mundial é um ‘sonho para quem lava dinheiro’» (Financial Times, 26.5.98); «Dinheiro da droga salvou os bancos na crise global [de 2008], alega conselheiro da ONU. O chefe da [UNODC] diz que 352 mil milhões de dólares em receitas criminosas foram na prática lavados por instituições financeiras» (Guardian, 13.12.09); «Bancos ocidentais ‘lucram milhares de milhões do tráfico de cocaína colombiana’» (Guardian, 2.6.12). Percebe-se que a USIP ache «má» a erradicação do ópio no Afeganistão. Estão em causa os seus «valores».




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