O lucro e o direito à saúde

Filipe Diniz

A Oxfam elaborou um notável relatório (https://www.oxfam.org/en/research/sick-development) sobre hospitais privados operando na busca do lucro em diversos países do Sul. Embora aborde realidades diferentes das do nosso país, há lições a registar. Sobretudo numa altura em que recrudesce a ofensiva contra o SNS e em defesa da crescente privatização dos cuidados de saúde.

É bem conhecida a realista (e desavergonhada) afirmação de que o negócio da saúde apenas fica atrás do negócio da guerra. O relatório sublinha que boa parte desses hospitais são financiados por governos europeus e pelo Grupo Banco Mundial, pela via de DFI (instituições de financiamento do desenvolvimento, na sigla inglesa). O objectivo não é cuidar da saúde, é construir a mais alta factura e assegurar que esta é paga.

Diz o relatório: «muitos desses hospitais estão sistematicamente a explorar e a abusar de pacientes e a recusar-lhes cuidados de saúde, a causar dificuldades, sofrimento e empobrecimento». Os exemplos referidos vão do sequestro de pacientes – incluindo já defuntos – até que seja paga a factura; à recusa de tratamentos; ao prolongamento injustificado de internamentos; a obrigar o pagamento a pessoas com direito a assistência gratuita; à enorme desproporção entre o que cobram e os rendimentos dos pacientes. Só um exemplo: na Índia um parto por cesariana custa a uma grávida situada nos 10% mais pobres 16 vezes o seu rendimento anual. O lucro na saúde exacerba todas as desigualdades.

Regista o relatório que o trajecto deste financiamento segue uma tortuosa via que passa por paraísos fiscais (Jersey, mas sobretudo as Ilhas Maurícias). Não dá que pensar? As proximidades entre o negócio da guerra e o da doença não residirão só no volume dos lucros.

Para nós, a questão permanece cristalina: defender e reforçar o SNS. Sem ele nunca haveria direito de todos à saúde.



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