Novo Estatuto do SNS à medida dos privados
O Novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde do Governo do PS retrocede na afirmação e defesa do sistema público e favorece os negociantes da doença, acusa o PCP.
O Governo não quer tomar as medidas indispensáveis para a recuperação do SNS
A crítica foi expressa por Bernardino Soares, membro do Comité Central do PCP, em conferência de imprensa ontem, a propósito da publicação definitiva do diploma, passados três anos sobre a aprovação da nova Lei de Bases da Saúde. De resto, o novo Estatuto do SNS significa um recuo face aos «princípios e objectivos» daquela, e, ao «favorecer os interesses dos grupos económicos da saúde», «compromete o caminho indispensável para salvar o SNS enquanto garantia a todos os portugueses do direito constitucional de acesso aos cuidados de saúde».
O membro do Comité Central do PCP sustentou, depois, as críticas ao conteúdo de um Estatuto que «não responde às necessidades de recuperação do SNS», cujas dificuldades crescentes os comunistas atribuem à «ausência de resposta por parte do Governo do PS» e ao «mais forte ataque de sempre por parte dos partidos da direita e dos privados».
Na substância, «o novo Estatuto abre a porta a uma maior entrega da prestação de cuidados de saúde aos grupos económicos, em colisão com os princípios da supletividade e necessidade comprovada, previstos na Lei de Bases», designadamente ao permitir «a integração no SNS de prestadores de serviços privados, a cedência externa da exploração de serviços hospitalares e a possibilidade da gestão não pública de serviços do SNS».
Por outro lado, acrescentou Bernardino Soares, o diploma «não estabelece a valorização dos trabalhadores da saúde, problema fundamental do SNS e que exige resposta imediata, designadamente com a indispensável valorização das carreiras e das remunerações, para além de outras condições de trabalho»; «amplia a desresponsabilização do Ministério da Saúde e a responsabilização das autarquias locais, para além do que está previsto na legislação de transferência de competências», colocando em causa «o princípio constitucional da universalidade e igualdade no direito à saúde (...), com consequências na qualidade dos Cuidados Primários prestados às populações, em grande medida dependente dos meios financeiros muito diferenciados que cada uma das autarquias dispõe».
«O novo Estatuto», prosseguiu o dirigente comunista, «acentua a centralização e a governamentalização da gestão, a dependência do Ministério das Finanças e a ausência de participação dos profissionais de saúde», isto além de agravar «a descontinuidade do SNS» e manter «a indefinição em matérias fundamentais carenciadas de regulamentação, como a dedicação plena, a Direcção Executiva do SNS ou o enquadramento dos ACES como instituto público especial». Outro problema é que o novo Estatuto perpetua e aumenta «diferentes regimes laborais, múltiplos sistemas de incentivos, gestão e organização para a mesma realidade», agravando «sentimentos de injustiça entre os trabalhadores e a descoordenação entre unidades de saúde».
PCP não desiste
Ora, «tal como o Governo não quer tomar as medidas indispensáveis para a recuperação do SNS, também não quis fazer do novo Estatuto um instrumento de defesa dos serviços públicos e de melhoria do direito à saúde», disse ainda Bernardino Soares, que insistiu que «o Estatuto do SNS do Governo PS inclui o que é negativo e omite o que é necessário para recuperar o SNS».
«O PCP não deixará de intervir neste processo, nomeadamente com a apresentação de um Projecto de lei com o objectivo de rectificar o que de negativo este Estatuto inclui», garantiu também o membro do Comité Central, que questionado pelos jornalistas, precisou que entre as alterações pretendidas pelo PCP estão «as normas que permitem a entrega a privados de serviços públicos», a melhoria da «democraticidade nas unidades de saúde, permitindo, por exemplo a participação dos profissionais na sua gestão», ou a eliminação da «centralização e dependência do Ministério das Finanças, que continuam a ser um forte entrave à valorização do SNS».
Sobre a promulgação do novo Estatuto, com alguns alertas, por parte do Presidente da República, Bernardino Soares, concedeu na absoluta necessidade da existência do diploma, mas considerou que a reforma do SNS que está nos propósitos de Marcelo Rebelo de Sousa «não é a mesma que o PCP defende».