Propaganda e realidade

Pedro Guerreiro (Membro do Secretariado)

São cada mais as vozes que, em­bora não dei­xando de se po­si­ci­onar em con­so­nância com os ob­jec­tivos e a po­lí­tica do im­pe­ri­a­lismo, vão su­bli­nhando que a si­tu­ação in­ter­na­ci­onal não está a evo­luir con­so­ante os in­tuitos dos EUA e dos seus mais pró­ximos se­quazes, entre os quais se des­tacam UE e a NATO.

Há que de­nun­ciar e dar com­bate à po­lí­tica dos EUA, da UE e da NATO

En­tenda-se que o seu efé­mero as­sumo de cons­ci­ência se di­rige so­bre­tudo àqueles que, ébrios de pro­pa­larem até à exaustão e à ir­ra­ci­o­na­li­dade a pro­pa­ganda de guerra e o dis­curso de ódio, percam a noção ob­jec­tiva da re­a­li­dade e ve­nham a acordar num mundo que, afinal, não é feito à sua me­dida. Na ver­dade, há ra­zões para per­ceber os seus re­ceios.

Apesar dos in­tensos es­forços le­vados a cabo pelo im­pe­ri­a­lismo – ou seja, da uti­li­zação de toda a sua pa­nó­plia de pressão, ameaça, chan­tagem e agressão contra todos quantos con­si­dere re­cal­ci­trantes, veja-se a ir­ri­tação de Ma­cron re­la­ti­va­mente a países afri­canos –, são muitos os países que re­jeitam ser ar­ras­tados para a es­ca­lada de guerra e de con­fron­tação ins­ti­gada e le­vada a cabo pelos EUA, a UE e a NATO no mundo. Múl­ti­plos e di­ver­si­fi­cados fac­tores estão sub­ja­centes no po­si­ci­o­na­mento destes países, entre os quais se en­con­tram não só todo o le­gado de co­lo­ni­a­lismo, como a ac­tual re­a­li­dade de im­po­sição de re­la­ções de­si­guais, senão mesmo ne­o­co­lo­niais e de au­tên­tica ra­pina, por parte das po­tên­cias im­pe­ri­a­listas em re­lação a de­zenas e de­zenas de povos no mundo.

O que os EUA e as as grandes po­tên­cias da UE temem é que estes povos – muitos dos quais con­quis­taram a sua in­de­pen­dência com o mo­vi­mento na­ci­onal li­ber­tador que levou à der­ro­cada dos im­pé­rios co­lo­niais na se­gunda me­tade do sé­culo XX – possam afirmar ca­mi­nhos de de­sen­vol­vi­mento que rompam com dé­cadas de re­la­ções fun­da­men­tal­mente de­pen­dentes e con­di­ci­o­nadas às po­tên­cias reu­nidas no G7, con­ti­nu­ando a di­ver­si­ficar e a apro­fundar re­la­ções mu­tu­a­mente van­ta­josas com ou­tros países, com base em prin­cí­pios tão fun­da­men­tais como os da so­be­rania e do res­peito mútuo.

Diá­logo e ne­go­ci­ação

Para além de com­provar que, por mai­ores que sejam as di­fi­cul­dades e os obs­tá­culos, é não só ne­ces­sário, como pos­sível, en­cetar um ca­minho de diá­logo que con­tribua para uma so­lução ne­go­ciada do con­flito, o re­cente acordo al­can­çado entre a Rússia, a Ucrânia, a Tur­quia e as Na­ções Unidas re­la­ti­va­mente à ex­por­tação de ce­reais e fer­ti­li­zantes co­loca pre­ci­sa­mente em evi­dência o papel e a afir­mação dos in­te­resses dos países que não se querem ver en­re­dados na hi­pó­crita e in­te­res­seira trama or­ques­trada pelos EUA e a UE, que im­põem san­ções não só vi­sando atingir a eco­nomia da Rússia, como a dos países que de­sen­volvem re­la­ções com esta.

Ao con­trário do que a ge­ne­ra­li­dade dos meios da co­mu­ni­cação so­cial in­ten­ci­o­nal­mente pro­pa­gan­deiam, este acordo não abrange apenas a ex­por­tação de ce­reais ucra­ni­anos, in­clui igual­mente o le­van­ta­mento dos con­di­ci­o­na­mentos à ex­por­tação de ce­reais e fer­ti­li­zantes russos re­sul­tantes das san­ções im­postas pelos EUA e a UE, e que atingem um sig­ni­fi­ca­tivo nú­mero de países, in­cluindo aqueles que deles mais ur­gen­te­mente ne­ces­sitam, seja em África, no Médio Ori­ente ou na Ásia. En­tende-se assim as re­sis­tên­cias co­lo­cadas pelos EUA e a UE quanto a este acordo, que não só expõe a hi­po­crisia e o duplo ob­jec­tivo dos EUA e da UE, como os obriga a ce­dên­cias na sua po­lí­tica de im­po­sição de san­ções ile­gais.

Travar a es­ca­lada

Mas a re­a­li­dade está igual­mente a com­provar que a de­sen­freada po­lí­tica de im­po­sição de san­ções im­ple­men­tada pelos EUA e a UE tem um efeito de ri­co­chete, que está a agravar a si­tu­ação eco­nó­mica, tanto nos EUA, como, e par­ti­cu­lar­mente, nos países que in­te­gram a UE – in­cluindo Por­tugal –, acen­tu­ando pro­blemas que, como a in­flação, já se ma­ni­fes­tavam há muito. Pro­blemas cujo ca­pi­ta­lismo, mer­gu­lhado na sua crise es­tru­tural, de­monstra não ter so­lu­ções para su­perar. Por isso, o dis­curso do ódio, a po­lí­tica de ins­ti­gação da guerra e de agra­va­mento da con­fron­tação estão igual­mente a ser usados pelos EUA e a UE, para – a exemplo do que su­cedeu com a pan­demia – levar mais longe o ataque a di­reitos e a li­ber­dades, agra­vando as in­jus­tiças e as de­si­gual­dades no plano mun­dial.

Há que de­nun­ciar e dar com­bate à po­lí­tica dos EUA, da UE e da NATO de es­ca­lada de guerra e de cres­cente con­fron­tação, que está a ar­rastar o mundo para uma ainda mais grave e pe­ri­gosa si­tu­ação.

 



Mais artigos de: Opinião

Crimes sem castigo

Em 2019 Mike Pompeo, então secretário de Estado da administração Trump, afirmou com regozijo, evocando a sua prestação passada: «Eu era o director da CIA. Mentimos, enganámos e roubámos. Tivemos cursos completos de formação.» Acrescentando à audiência da Universidade do Texas: «isto lembra-vos a glória da experiência...

Estado da arte

«Pelo menos 14 894 colonatos foram erguidos em Jerusalém Oriental e 7136 na Cisjordânia, incluindo em localidades no interior do território ocupado», revela um relatório da União Europeia intitulado 2021: Relatório sobre colonatos israelitas na Cisjordânia ocupada, incluindo Jerusalém Oriental. E depois? Depois, nada....

Penas, penas, penas

De forma mais ou menos recorrente, tem aparecido no espaço público gente a defender maiores penas de prisão, castigos corporais, prisão perpétua ou pena de morte, numa espécie de retorno à Lei de Talião – «olho por olho, dente por dente». O guião é conhecido: escolhe-se em geral crimes que a todos chocam, contra...

Media, concentração e poder

Foi confirmado pela ERC que a SIC manipulou a notícia do comício de encerramento do centenário do PCP com perversões e mentiras. Fica a conclusão, mas sem consequências, para que a provocação continue. Não se estranha, dado o peso anticomunista do grupo SIC-Expresso e a sua proximidade à Trusted News Iniative, que junta,...

Tragédia e farsa

A obra de Engels inclui notáveis textos sobre temas militares. Lénine considerava-o um «grande perito» e bastaria recordar a espantosa previsão feita em 1887 («para a Prússia-Alemanha não há possibilidade de fazer outra guerra que não seja a mundial. E seria uma guerra mundial de grandeza desconhecida até agora, de uma...