- Nº 2539 (2022/07/28)

Propaganda e realidade

Opinião

São cada mais as vozes que, embora não deixando de se posicionar em consonância com os objectivos e a política do imperialismo, vão sublinhando que a situação internacional não está a evoluir consoante os intuitos dos EUA e dos seus mais próximos sequazes, entre os quais se destacam UE e a NATO.

Entenda-se que o seu efémero assumo de consciência se dirige sobretudo àqueles que, ébrios de propalarem até à exaustão e à irracionalidade a propaganda de guerra e o discurso de ódio, percam a noção objectiva da realidade e venham a acordar num mundo que, afinal, não é feito à sua medida. Na verdade, há razões para perceber os seus receios.

Apesar dos intensos esforços levados a cabo pelo imperialismo – ou seja, da utilização de toda a sua panóplia de pressão, ameaça, chantagem e agressão contra todos quantos considere recalcitrantes, veja-se a irritação de Macron relativamente a países africanos –, são muitos os países que rejeitam ser arrastados para a escalada de guerra e de confrontação instigada e levada a cabo pelos EUA, a UE e a NATO no mundo. Múltiplos e diversificados factores estão subjacentes no posicionamento destes países, entre os quais se encontram não só todo o legado de colonialismo, como a actual realidade de imposição de relações desiguais, senão mesmo neocoloniais e de autêntica rapina, por parte das potências imperialistas em relação a dezenas e dezenas de povos no mundo.

O que os EUA e as as grandes potências da UE temem é que estes povos – muitos dos quais conquistaram a sua independência com o movimento nacional libertador que levou à derrocada dos impérios coloniais na segunda metade do século XX – possam afirmar caminhos de desenvolvimento que rompam com décadas de relações fundamentalmente dependentes e condicionadas às potências reunidas no G7, continuando a diversificar e a aprofundar relações mutuamente vantajosas com outros países, com base em princípios tão fundamentais como os da soberania e do respeito mútuo.

Diálogo e negociação

Para além de comprovar que, por maiores que sejam as dificuldades e os obstáculos, é não só necessário, como possível, encetar um caminho de diálogo que contribua para uma solução negociada do conflito, o recente acordo alcançado entre a Rússia, a Ucrânia, a Turquia e as Nações Unidas relativamente à exportação de cereais e fertilizantes coloca precisamente em evidência o papel e a afirmação dos interesses dos países que não se querem ver enredados na hipócrita e interesseira trama orquestrada pelos EUA e a UE, que impõem sanções não só visando atingir a economia da Rússia, como a dos países que desenvolvem relações com esta.

Ao contrário do que a generalidade dos meios da comunicação social intencionalmente propagandeiam, este acordo não abrange apenas a exportação de cereais ucranianos, inclui igualmente o levantamento dos condicionamentos à exportação de cereais e fertilizantes russos resultantes das sanções impostas pelos EUA e a UE, e que atingem um significativo número de países, incluindo aqueles que deles mais urgentemente necessitam, seja em África, no Médio Oriente ou na Ásia. Entende-se assim as resistências colocadas pelos EUA e a UE quanto a este acordo, que não só expõe a hipocrisia e o duplo objectivo dos EUA e da UE, como os obriga a cedências na sua política de imposição de sanções ilegais.

Travar a escalada

Mas a realidade está igualmente a comprovar que a desenfreada política de imposição de sanções implementada pelos EUA e a UE tem um efeito de ricochete, que está a agravar a situação económica, tanto nos EUA, como, e particularmente, nos países que integram a UE – incluindo Portugal –, acentuando problemas que, como a inflação, já se manifestavam há muito. Problemas cujo capitalismo, mergulhado na sua crise estrutural, demonstra não ter soluções para superar. Por isso, o discurso do ódio, a política de instigação da guerra e de agravamento da confrontação estão igualmente a ser usados pelos EUA e a UE, para – a exemplo do que sucedeu com a pandemia – levar mais longe o ataque a direitos e a liberdades, agravando as injustiças e as desigualdades no plano mundial.

Há que denunciar e dar combate à política dos EUA, da UE e da NATO de escalada de guerra e de crescente confrontação, que está a arrastar o mundo para uma ainda mais grave e perigosa situação.

 

Pedro Guerreiro