Tragédia e farsa

Filipe Diniz

A obra de Engels inclui notáveis textos sobre temas militares. Lénine considerava-o um «grande perito» e bastaria recordar a espantosa previsão feita em 1887 («para a Prússia-Alemanha não há possibilidade de fazer outra guerra que não seja a mundial. E seria uma guerra mundial de grandeza desconhecida até agora, de uma potência nunca vista») para o confirmar.

Textos escritos sobre o seu tempo, assim devem ser lidos. Mas não deixa de ser curioso encontrar, no que observa da evolução da guerra franco-prussiana de 1870-1871, certos traços com paralelo no conflito actual na Ucrânia.

Destaca-se uma significativa diferença. Engels acompanha a evolução do confronto em boa parte com base em informação da imprensa. Refere muitas vezes «telegramas» como fonte. Seria imaginável, nos dias de hoje, acompanhar com objectividade um confronto militar na base do que os media relatassem? A imprensa não fora ainda inteiramente mobilizada pelo «esforço de guerra» como agora sucede com os média dominantes, à custa aliás da credibilidade que lhes restava. Até nos próprios EUA: só 16 por cento confiam hoje na imprensa, 11 por cento nas televisões (Gallup).

Nem vale a pena voltar à ideia de que «a primeira vítima da guerra é a verdade». A verdade é, sobretudo, vítima sistemática da política burguesa e dos seus protagonistas. E em tais termos que justifica propor uma pequena modificação à tese hegeliana sobre repetições na história. No tempo histórico presente, tragédia e farsa coexistem. Veja-se por exemplo Josep Borrell, o «alto representante da UE para os negócios estrangeiros e a segurança»: «Chamar neo-nazi e russofóbico ao governo de Kiev é um disparate: na Ucrânia todas as manifestações de nazismo são banidas. Na Ucrânia moderna, candidatos de extrema-direita são um fenómeno marginal» (1.03.2022). É com farsantes destes que a história tem que se haver hoje.

Tragicamente.

 

 



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