Penas, penas, penas
De forma mais ou menos recorrente, tem aparecido no espaço público gente a defender maiores penas de prisão, castigos corporais, prisão perpétua ou pena de morte, numa espécie de retorno à Lei de Talião – «olho por olho, dente por dente». O guião é conhecido: escolhe-se em geral crimes que a todos chocam, contra crianças, idosos, animais, incêndios, abusos sexuais. Puxa-se pela violência, de preferência, com sangue a escorrer; repete-se até à náusea pormenores que só à investigação interessam; «julga-se» os presumíveis culpados na praça pública; explora-se os sentimentos mais primários; exagera-se os números da criminalidade para criar um clima de medo e insegurança; insinua-se um estado de impunidade geral, de que os principais responsáveis são «os políticos».
Pode pedir-se que atire a primeira pedra quem nunca teve o impulso de pensar assim. Mas a vida em sociedade organiza-se com princípios, representa avanços sobre o comportamento instintivo. Portugal aboliu a pena de morte e a prisão perpétua no século XIX, a Constituição da República Portuguesa proíbe a pena de morte, a tortura, as penas cruéis, degradantes e desumanas. Está mais do que provado que não são penas mais pesadas que impedem a prática de crimes.
Sim, as forças de segurança e a justiça debatem-se com enormes problemas que decorrem sobretudo da falta de meios materiais e humanos – que não são resolúveis com experiências do género dos «postos móveis» sugeridos esta semana para a PSP. Os fogos florestais, a violência doméstica ou os maus-tratos a crianças, por exemplo, têm razões múltiplas e complexas, que exigem soluções integradas, justiça social, e não «acção directa» nem vinganças justiceiras.
Em suma: quem promove este tipo de discursos sabe bem o que faz e onde quer chegar: destruir avanços civilizacionais, valores democráticos e humanistas, para os substituir pelo individualismo, pelo salve-se quem puder e pelo obscurantismo mais retrógrado. Para depois, em nome da «justiça», abrir campo à repressão de classe, ao aprofundamento da exploração e, não raras vezes, ao terror. É preciso estar atento e dar-lhes o combate necessário.